Cultura

Latim

Origem das línguas românicas, língua culta durante praticamente toda a Idade Média europeia, e científica e filosófica até o século XVII, o latim constitui um dos marcos fundamentais de identidade da cultura ocidental.

Na origem, o latim era a língua das tribos do Lácio, região central da península italiana, mas com a expansão de Roma estendeu-se por vastas regiões em que, ao desaparecer o Império Romano, evoluiu e deu lugar às línguas românicas.

Origem

O latim, junto com o osco e o umbro, entre outras línguas, pertencia ao ramo itálico das línguas indo-europeias. Em relação a estas parece ter maior parentesco com o germânico e, em particular, o céltico, o que levou alguns linguistas a distinguirem um ramo galo-itálico dentro da família indo-europeia.

Traço característico da história do latim é sua estreita ligação com Roma. À diferença do que ocorreu na Grécia, os dialetos regionais foram sempre desprezados, e logo no latim se distinguiu a língua da cidade, o sermo urbanus, da fala própria das zonas rurais do Lácio. Numa época arcaica, a língua adotou numerosos empréstimos do etrusco, mas o grego foi ainda mais influente. Os romanos adotaram uma das variantes do alfabeto grego, possivelmente por intermédio dos etruscos. A influência da língua grega manifestou-se em todas as fases e em todos os níveis, tanto na gramática como no léxico, e tanto na língua popular como na literária.

Latim literário

O texto latino mais antigo que se conhece remonta ao século VI a.C. Numa época pré-literária, todas as palavras latinas provavelmente tinham acento de intensidade na primeira sílaba, o que produziu uma mudança de timbre na vogal da sílaba posterior (segundo se pode notar ao se compararem verbos simples a verbos em cuja composição entram preposições: facio-conficio, sedeo, dissideo. Contudo, de acordo com os registros literários disponíveis, o acento latino tinha outra colocação, embora não fosse livre: recaía sobre a penúltima sílaba, se essa fosse longa, ou sobre a antepenúltima, quando a penúltima era breve.

No sistema vocálico latino, constituíram traços diferenciais o timbre, pelo qual se distinguiam cinco unidades – a, e, i, o, u -, e a quantidade, segundo a qual cada vogal podia ser longa ou breve. No terceiro século antes da era cristã, as vogais das palavras latinas experimentaram grandes modificações: abreviação das vogais longas em sílaba final fechada não terminada em s: fechamento do o breve nas terminações os, om, que ficaram com us, um; e a transformação dos antigos ditongos ai, oi em ae, i. No que se refere ao consonantismo, um dos fenômenos mais característicos na evolução do latim desde o indo-europeu foi o do rotacismo, que consiste na passagem do s intervocálico para r.

Foneticamente, o latim pertence ao grupo das línguas Centum (pronuncie-se kéntum), em que a explosiva c (pronuncie-se kê) corresponde a uma fricativa no grupo satem. Essa pronúncia, no entanto, não se manteve antes de e e i. As várias consoantes aspiradas do indo-europeu simplificaram-se e mesmo o h deixou-se de pronunciar. Como o grego, o latim apresentava diversas consoantes enfáticas, que se chamaram geminadas porque se escreviam aos pares.

Quanto à gramática, o latim distinguia-se como língua flexiva, ou seja, caracterizada pela flexão gramatical ou alteração das vozes conjugáveis e declináveis ao se modificarem terminações, raízes ou outros elementos. As relações gramaticais eram em grande parte expressas pelas terminações. A categoria do caso afetava substantivos, adjetivos, numerais e pronomes. Os substantivos pertenciam a cinco declinações, que muitas vezes apresentavam desinências distintas para expressar o mesmo caso. Os casos eram seis: nominativo, vocativo, acusativo, genitivo, dativo e ablativo. No ablativo confluíram também os antigos casos indo-europeus instrumental e locativo, embora este, em algumas palavras, tivesse entidade autônoma.

O número podia ser singular ou plural, e desaparecera o dual do indo-europeu, de que só se conservaram vestígios. Os verbos eram conjugados segundo quatro modelos, concordavam com o sujeito em número e pessoa, e expressavam relações temporais, modais e circunstanciais, embora estas fossem secundárias. No referente aos temas ou elementos que se acrescentam à raiz ou que a modificam com a conjugação, as terminações verbais podiam acrescentar-se a dois temas: o do presente e o do perfeito (quando o tempo indicava ação completa ou acabada), que fundia os primitivos temas indo-europeus de perfeito e aoristo, formando-se de diversas maneiras, independentemente da conjugação do verbo. Outra categoria que o verbo latino expressava era a voz, ativa ou passiva. Dispunha também de formas não pessoais, como eram os infinitivos – que podiam ser ativos e passivos, e de presente, passado e futuro -, o gerúndio e gerundivo, e os particípios de presente, de passado passivo e de futuro.

No aspecto sintático, um dos traços mais característicos do latim era a liberdade na ordem de disposição das palavras, o que se tornava possível em consequência do rico sistema de desinências, que por si mesmas indicavam a função dos substantivos independentemente de sua colocação.

O latim não tinha a sonoridade, a flexibilidade e a riqueza de meios expressivos do grego. Carecia, por exemplo, de artigo, mas suas frases ressoavam mais pela imponência e concisão. Adota-se o latim como a língua mais apropriada para as máximas, as inscrições solenes e as fórmulas judiciais. Seus autores desenvolveram, de forma radical, a subordinação em prejuízo da coordenação, de modo que as frases tinham períodos muito longos.

Ao longo de toda a história de Roma pode-se considerar que o conjunto linguístico latino se manteve inalterado, embora caiba distinguir várias etapas. Depois de uma época arcaica de vacilações, por volta do ano 100 a.C. fixaram-se suas características essenciais. Os escritores da época clássica — desde Cícero até a morte de Augusto, no ano 14 da era cristã — tornaram-no apto às culminâncias da criação literária. Nos autores da chamada idade de prata (aproximadamente até o ano 150), apreciou-se certo rebuscamento no estilo, assim como o abandono do ideal da concinnitas (harmonia), tão característico dos clássicos. Na baixa latinidade fez-se patente a decadência do estilo, que se mostrou mais descuidado e pobre, e deu-se maior acolhida a vulgarismos e barbarismos.

Latim vulgar

Paralelamente ao desenvolvimento do latim literário, seguiu seu curso o latim dito vulgar, modalidade basicamente coloquial que, como tal, estava pouco sujeita às normas dos gramáticos e evoluía livremente. Cabe considerá-lo como um conjunto de tendências próprias da língua falada da massa não letrada da população.

Não formava, assim, algo definido nem compacto: diferia tanto no espaço como no tempo e suas características surgiam com maior ou menor intensidade segundo os grupos sociais. Não é correto restringi-lo ao período da baixa latinidade, pois pode-se considerar que existiu desde o momento em que se iniciou a criação literária.

Nenhum autor escreveu em latim vulgar, embora em certos momentos históricos a língua dos escritores estivesse mais próxima dele. Assim ocorria nos autores do período arcaico (Plauto), quando a língua ainda não havia sido completamente polida para seu uso literário; em escritores isolados como Petrônio e Apuleio, e nos do baixo Império Romano, época em que ocorreu uma decadência da cultura, e a defasagem entre a língua literária e a cultural havia adquirido dimensão excessiva. Outras fontes para o estudo do latim vulgar são as inscrições, os testemunhos de alguns gramáticos e o testemunho indireto das línguas românicas, já que procedem dele.

No sistema vocálico, o latim vulgar tendeu a fazer desaparecer a marca de quantidade (que opunha vogais longas e breves) e somente o timbre permaneceu como traço diferencial. No consonantismo, criaram-se novos fonemas, e algumas consoantes se suprimiram em função de seu contexto fônico. No que se refere ao campo gramatical, o mais notório foi a progressiva degradação do sistema de casos, fato que acarretou uso mais frequente das preposições. No verbo, começaram-se a criar formas embrionárias dos tempos compostos por meio de perífrases, e perderam-se a voz passiva e numerosas formas não pessoais.

Por: Beatriz Helena Patrocinio