Filosofia

O Círculo de Viena

Origens do Círculo de Viena

Antes da Primeira Guerra Mundial, um grupo de “jovens doutores de filosofia, dos quais a maioria tinha estudado física, matemática ou ciências sociais”, reunia-se em um café de Viena para discutir questões de filosofia da ciência, inspirados pelo positivismo de Ernst Mach (1838-1916). Entre esses jovens encontravam-se Philipp Frank (1884-1966), físico; Hans Hahn (1879-1934), matemático; e o sociólogo e economista Otto Neurath (1885-1945).

Mais tarde, em 1924, por sugestão de Herbert Feigl (1902-1988) – físico e filósofo, assistente do também físico e filósofo Moritz Schlick (1882-1936), considerado o fundador do Círculo de Viena -, criou-se um grupo de debate que se reunia às sextas-feiras à noite. Esse grupo, cujas propostas filosóficas foram batizadas de “positivismo” ou “neopositivismo lógico”, foi o início do Círculo de Viena, que alcançaria reconhecimento internacional. Outros simpatizantes do movimento foram Alfred Ayer (1910-1989), que escreveu a obra Linguagem, Verdade e Lógica, defendendo o princípio da verificação, e Hans Reichenbach (1891-1953), que introduziu a teoria da probabilidade no critério de demarcação.

Os membros do Círculo de Viena identificaram Albert Einstein (1879-1955), Bertrand Russell (1872-1970) e Ludwig Wittgenstein (1889-1951) como os principais representantes da concepção científica do mundo. Sua projeção internacional deveu-se à impressionante produtividade entre os anos 1928 e 1938, quando transformaram a revista Annalen der Philosophie na famosa Erkenntnis (Conhecimento), dirigida por Rudolf Carnap (1891-1970) e Reichenbach, e que se converteu no veículo de expansão das ideias do grupo.

Universidade de Viena
Vários membros do Ciírculo, como schlick, e Carnap, pertenciam ao corpo acadêmico da Universidade de Viena.

A filosofia do Círculo de Viena

O programa dos neopositivistas aprofundava-se em assuntos tão diversos como a psicologia, a análise lógica (seguindo a filosofia de Gottlob Frege (1848-1925), do Wittgenstein dos primeiros tempos, de Whitehead e outros), a metodologia das ciências empíricas (baseada em Georg F. B. Riemann e Albert Einstein, por exemplo) ou a sociologia positivista (com influências que iam de Epicuro e Jenemy Bentham a John Stuart Mill e Karl Marx).

Como características do grupo, destacavam-se sua posição antimetafísica, sua análise da linguagem, o recurso à lógica e sua defesa dos métodos das ciências naturais e da matemática. As raízes dessas posições encontram-se fundamentalmente no empirismo de David Hume (1711-1776) e john Locke (1632-1704), no positivismo de Auguste Comte (1798-1857) e no empiriocriticismo de Mach, que baseiam toda fonte de conhecimento na experiência. Isso significa que rejeitavam todo tipo de conhecimento apriorístico (anterior à experiência) e qualquer proposição que não pudesse ser confrontada com a experiência.

Neue Meister
A guerra (1932), de Otto Dix, Dresden, Alemanha, Gemaldegalerie, Neue Meister.

Para determinar quais enunciados poderiam ser aceitos como científicos, propuseram o princípio de demarcação ou de verificabilidade. Esse princípio estabelece que um enunciado será considerado científico somente se puder ser constatado por fatos verificáveis. Daí se deduz que os enunciados somente podem ser assumidos como verdadeiros depois de comparados com fatos objetivos.

Einstein
Albert Einstein em seu escritório, aproximadamente em 1920. Para os integrantes do Círculo de Viena, Einstein era um dos maiores representantes da concepção científica do mundo.

O princípio de demarcação eliminou a pretensão de um conhecimento teológico ou metafísico. Até mesmo a ética foi reconfigurada pelo grupo, que a considera um conjunto de enunciados sobre as emoções.

Carnap acabou, mais tarde, revendo o princípio da verificabilidade, substituindo-o pelo princípio da confirmabilidade. Isso ocorreu principalmente porque ele aceitou as críticas a sua tese – críticas que o alertavam de que leis gerais e proposições protocolares nunca podem ser totalmente verificadas.

O novo princípio propõe o que Carnap chama de “confirmação gradual”. Segundo essa proposta, uma proposição científica pode ser confirmada, em maior ou menor grau, pela experiência – sem, contudo, ter a possibilidade de confirmação absoluta. A variação dependerá da quantidade de evidência empírica que valide a proposição. Uma vez confirmada, ela poderá então constar provisoriamente da teoria que ajuda a sustentar.

Além disso, a linguagem utilizada para expressar esses fatos empíricos deve usar símbolos que, por sua vez, relacionam-se entre si formalmente. Para eles, a única linguagem aceitável é a da física. Segundo Carnap:

“Toda proposição da psicologia pode ser formulada na linguagem fisicalista. Para dizer isso no modo material de falar todas as proposições da psicologia descrevem acontecimentos físicos, a saber, a conduta física dos humanos e de outros animais. Essa é uma tese parcial da tese geral do fisicalismo, que diz que a linguagem fisicalista é uma linguagem universal para a qual qualquer proposição pode ser traduzida”.

A dissolução do Círculo de Viena

Em 1936, Moritz Schlick foi assassinado por um estudante nazista Hans. Hahn tinha morrido dois anos antes, e quase todos os membros do Círculo de Viena eram de origem judaica. Isso produziu, com o advento do nazismo, uma diáspora que levou a sua dissolução. Feigl foi para os Estados Unidos, juntamente com Carnap, mesmo destino de Kurt Gõdel (1906-1978) e Ziegel; Neurath exilou-se na Inglaterra. Em 1938, as publicações do Círculo de Viena foram proibidas na Alemanha. Em 1939, Camap, Neurath e Morris publicaram a Enciclopédia internacional da ciência unificada, que pode ser considerada a última obra do Círculo.

Posteriormente, muitas de suas teorias fundamentais foram revisadas. O próprio Camap reconheceu que o postulado da simplicidade do Círculo de Viena provocava “certa rigidez, pela qual nos vimos obrigados a realizar algumas modificações radicais para fazer justiça ao caráter aberto e à inevitável falta de certeza em todo conhecimento fático”.

É paradoxal observar que, enquanto estava influenciado pelo Tractatus logico-philosophicus, do “primeiro” Wittgenstein, esse autor (que prosseguiu seu trabalho filosófico em Cambridge) analisava a linguagem com base nos jogos linguísticos apresentados no livro Investigações filosóficas. Segundo a História da filosofia de Giovanni Reale e Dario Antiseri, a filosofia do “segundo” Wittgenstein afirma que a linguagem é “muito mais rica, mais articulada e mais sensata em suas manifestações não-científicas do que jamais imaginaram os neopositivistas”. O Círculo de Viena também se confrontou com as críticas de Karl Popper (1902-1994), para quem o critério da verificabilidade era contraditório e incapaz de encontrar leis universais.