Literatura

Poesia Palaciana

No século XV, durante o reinado de D. Afonso V, rei de Portugal, a poesia se desvinculou do canto e da dança e passou a ser elaborada com um grau de formalidade que lhe concedia ritmo, musicalidade e métrica bem acentuados. Recebe o nome de poesia palaciana, pois os textos eram criados e declamados nos palácios, a fim de entreter a nobreza.

Contexto histórico

Do período compreendido entre meados do século XIV e meados do século XV, há rara produção poética, ainda pertencente ao conjunto de composições trovadorescas. Essa escassez deve-se ao fato de que as escolas locais de jograis haviam entrado em declínio, uma vez que a poesia deixava a tradição oral e passava a ser escrita, lida e declamada (não mais cantada).

Naquele momento, o pensamento voltava-se para o cenário político, com a reconstrução da corte portuguesa na mudança para a segunda dinastia (de Avis).

Essa reconstrução acabou por promover modificações nos costumes, nos gostos, na moral da corte e, consequentemente, na poesia, que voltaria a ser produzida por volta de 1450. Trata-se da poesia palaciana, escrita em português e castelhano e reunida no Cancioneiro geral, coletânea organizada por Garcia de Resende, editada em 1516.

Características e diferenças para o trovadorismo

Sabe-se que a poesia palaciana era feita para ser declamada ou lida individualmente, enquanto que no trovadorismo a poesia era feita para ser cantada e dependia de um acompanhamento musical. Essa peculiaridade deixa bem evidente a separação entre poesia e música.

As cantigas trovadorescas eram ricas e diversas quanto à métrica, já a poesia palaciana era metódica em adotar versos rendondilhos maiores (sete sílabas métricas) e menores (cinco sílabas métricas). Para alcançar ritmo e expressividade, a poesia palaciana tem um mote e a partir dele desenvolve uma glosa.

Garcia de Resende, poeta português, reuniu aproximadamente mil poemas palacianos na obra Cancioneiro geral, publicada em 1516. Conheça alguns poemas retirados da obra de Garcia de Resende:

Meu amor, tanto vos quero,
que deseja  coração
mil coisas contra a razão.
Porque se não vos quisesse,
como poderia ter
desejo eu me viesse
do que nunca pode ser.
Mas com tanto desespero,
tenho em mim tanta afeição
que deseja o coração.
Aires Teles

Meu amor, tanto vos amo,
que meu desejo não ousa
desejar nenhuma cousa.
Porque, se a desejasse,
logo a esperaria,
e se eu esperasse,
sei que a vós anojaria,
mil vezes a morte chamo
e meu desejo não ousa
desejar-me outra cousa.
Conde Vimioso

Glossário

  • Mote: estrofe colocada no início de um poema, usada como motivo/tema da obra.
  • Glosa: composição poética que desenvolve o mote.

A poesia palaciana é marcada por ambiguidades, conotação, aliteração e jogo de palavras. Inerente às produções humanistas, foi pouco popular em sua época de criação, mas é importante para o estudo e a história da literatura, pois seu valor literário é inquestionável e sua análise possibilita conhecer o comportamento artístico e a cultura durante diversos reinados.

Temas da poesia palaciana

  • Corte: grande parte dos poemas têm como tema o contexto da corte, visto com naturalidade quanto a suas circunstancialidades ou, em menor escala, sob ótica crítica (do ponto de vista da nobreza provinciana mais tradicionalista, contra, por exemplo, a centralização monárquica ou a expansão marítima).
  • Amor: dentre os temas da poesia palaciana, está também o amor, por vezes tratado, sob influência dos poetas italianos Petrarca e Dante, como algo que não deve ser consumado, pois a realização do desejo destruiria o amor. Outras vezes, esse sentimento mostra um lado mais sensual, ligado à cultura pagã, da qual há, ademais, referências à mitologia latina.
  • Saudosismo: o saudosismo é outro tema que aparece na poesia palaciana. Assim, o lirismo tem grande presença no Cancioneiro geral, o que não exclui a ocorrência da sátira, em menor frequência, como continuidade do escárnio e do maldizer das cantigas trovadorescas satíricas.

Formas da poesia palaciana

A maioria dos poetas palacianos adota a redondilha maior (verso de sete sílabas poéticas), o que confere ritmo mais monótono ao Cancioneiro geral do que acontecia com os cancioneiros de cantigas trovadorescas, de maior variedade métrica. A redondilha menor (verso de cinco sílabas poéticas) também aparece na poesia palaciana.

O paralelismo, que acontecia nas cantigas, cai em desuso na poesia palaciana. Passa a ser usada a glosa, que é o desenvolvimento ou a volta – a cada fim de estrofe – de um mote (frase que serve de tema). De acordo com a quantidade de versos que compõem o mote e a glosa, e de como esta retoma aquele, os poemas recebem nomes específicos (vilancete, cantiga, esparsa).

Bibliografia

SARAIVA, António José; LOPES, Óscar. História da literatura portuguesa. 17. ed. Porto: Porto Editora, 2001.

Por: Miriã Lira

Veja também: