Literatura

Fábula

Fábula é uma narrativa alegórica em prosa ou verso, cujos personagens são geralmente animais, que conclui com uma lição moral. Sua peculiaridade reside fundamentalmente na apresentação direta das virtudes e defeitos do caráter humano, ilustrados pelo comportamento antropomórfico dos animais.

O espírito das fábulas é realista e irônico e a temática é variada: a vitória da bondade sobre a astúcia e da inteligência sobre a força, a derrota dos presunçosos, sabichões e orgulhosos etc.

O leão e o camundongo, a lebre e a tartaruga, a raposa e a cegonha, a cigarra e a formiga são algumas das duplas que protagonizam fábulas muito conhecidas. Há também o homem que matou a galinha dos ovos de ouro, fábula de La Fontaine da qual se extrai a lição: “Quem tudo quer tudo perde”.

O engenho, a sensibilidade e a sabedoria presente nas fábulas asseguram sua permanência há séculos na tradição literária. Esopo, grego que viveu entre os séculos VII e VI a.C., ganhou fama por ter desenvolvido muito bem esse gênero. La Fontaine, na França do século XVII, é outro exemplo de fabulista que resiste ao tempo.

1. Características do gênero fábula

Dentre as principais características da fábula, destacam-se:

a. Temática e personagens

As personagens das histórias narradas pelas fábulas são, normalmente, animais, porém não são animais comuns, mas aqueles que possuem traços humanos, como a capacidade de raciocinar e falar. Assim, tais animais são um modo indireto de representar os defeitos e virtudes do ser humano.

Um leão, por exemplo, pode representar a força; uma coruja, a sabedoria; uma formiga, o trabalho; uma raposa, a esperteza etc. Assim, os temas das fábulas estão, normalmente, ligados ao modo de viver das pessoas, mostrando que os seus defeitos e vícios têm efeito negativo.

Ao refletir sobre a natureza humana, algo que é comum a todos e em todos os tempos, a fábula torna-se universal. O tema depreendido da fábula “A lebre e a tartaruga” é a perseverança versus a vaidade e o orgulho.

b. Moral

A fábula sempre apresenta uma moral, uma lição de conduta, um aprendizado.

Muitos dos ditados populares, gêneros que também trazem ensinamentos, são provenientes das fábulas. Dentre eles, podemos citar: “Um amigo na hora da necessidade é um amigo de verdade”, presente em “A cigarra e a formiga”. Na fábula “A lebre e a tartaruga”, a moral é: “Quem segue devagar e com constância sempre chega na frente”. Um provérbio relacionado a essa moral é: “Devagar se vai longe”.


Personagens da fábula “A lebre e a tartaruga”.

c. Estrutura narrativa

  • Narrador:
 Normalmente, o narrador é observador (em terceira pessoa), isto é, não participa da história, como ocorre no texto lido.
  • Discurso: Na narrativa, costuma predominar o discurso direto, isto é, o diálogo entre as personagens.
  • Tempo: Tradicionalmente, o tempo é indefinido nas fábulas. Em “A lebre e a tartaruga”, não há indicação de quando a história ocorreu (o que mostra a atemporalidade da fábula), mas podemos observar o tempo de duração: dois dias, como a expressão “no dia seguinte” indica.
  • Personagens: Animais representam de forma indireta os homens: falam, pensam e agem como eles.
  • Lugar/espaço: É o local onde ocorre a história. Nas fábulas tradicionais, a história passa-se normalmente nas florestas, como em “A lebre e a tartaruga”.
  • Origem: Esopo, grego que viveu entre os séculos VII e VI a.C., ganhou fama por ter desenvolvido muito bem esse gênero.

2. Períodos históricos e autores do gênero fábula

a. Fábula oriental e Esopo

Na evolução do gênero, o primeiro dos três períodos da fábula, aquele em que a moralidade constitui a parte fundamental, é o das fábulas orientais, que passaram da Índia para a China, o Tibet, a Pérsia, e terminaram na Grécia com Esopo. No Oriente, a fábula foi usada desde cedo como veículo de doutrinação budista. O Pantchatantra, escrito em sânscrito, chegou ao Ocidente por meio de uma tradução árabe do século VIII, conhecida pelo título de Fábulas de Bidpay, depois retraduzida do árabe para várias línguas.

Esopo, fabulista grego de existência duvidosa a quem se atribuem as fábulas reunidas por Demétrio de Falero no século IV a.C., teria sido uma espécie de orador popular que conta histórias para convencer os ouvintes a agir de acordo com o bom-senso e na defesa de seus próprios interesses. De acordo com Aristóteles, a fábula esópica é uma das formas da arte de persuadir e não poesia.

b. Fedro e a fábula medieval

O segundo período da fábula se inicia com as inovações formais de Fedro. Ao fabulista latino é atribuído o mérito de ter fixado a forma literária do gênero, o que garante para ele um lugar na poesia. Escritas em versos, as histórias de Fedro são sátiras amargas, bem ao sabor do gosto latino, contra costumes e pessoas de seu tempo. Mas tanto Fedro quanto Bábrio (século III da era cristã) partiram dos modelos de Esopo, que reinventaram poeticamente.

A Idade Média cultivou com insistência a tradição esópica. Entre as muitas versões da época, divulgadas sob o nome de Ysopets (Esopetes), a mais famosa ficou sendo a de Marie de France, do século XII. Os fabliaux (fabuletas) medievais, embora não sejam propriamente fábulas, guardam com elas algumas analogias. Por meio dos personagens animais, os poetas fazem críticas e pretendem instruir divertindo.

c. La Fontaine e seus seguidores

O terceiro período inclui todos os fabulistas modernos, dos quais Jean de La Fontaine é considerado o mestre. Suas Fables choisies (Fábulas escolhidas), em 12 volumes, apareceram entre 1668 e 1694. A grande contribuição original do fabulista francês foi ter feito da fábula um pequeno teatro: “uma comédia em cem atos” e “uma pintura em que cada um de nós pode encontrar seu retrato”, segundo suas próprias palavras.

No século XVIII, La Fontaine encontrou muitos seguidores, como Jean Pierre de Florian, na França, e Tomás de Iriarte, na Espanha. Em Portugal, Bocage escreveu fábulas originais, além de traduzir La Fontaine em versos. Na Inglaterra, a fábula tomou fisionomia de sátira política. Nas Fables, de John Gay, a formiga representa o Lord do Tesouro. The Fable of the Bees (A fábula das abelhas), de Bernard Mandeville, é uma extensa alegoria política, enquanto as coleções Fables for the Female Sex (1744; Fábulas para o sexo feminino) e Fables for Youth (1777; Fábulas para os jovens) descem ao nível da sátira panfletária.

Na Alemanha, Gotthold Ephraim Lessing reagiu contra o que julgava ser uma excessiva literarização dos imitadores de La Fontaine. Em Fabeln (1759; Fábulas), apresenta importante monografia introdutória em que rejeita como perversões do gênero as elaborações literárias adotadas a partir de Fedro. No entanto, o fabulista mais popular na Alemanha foi seu contemporâneo Christian Gellert, que usou a fábula como veículo de motejo. A glória de melhor fabulista do século XIX pertence ao russo Ivan Krilov, que soube adaptar o gênero a seu gênio de poeta original. O homem rústico é seu herói favorito. Krilov usou da fábula como meio de protesto contra a rigidez das coerções do estado.

Em língua portuguesa, a prática do gênero foi esporádica e não há nomes de grandes fabulistas. Depois de Bocage, Garrett publicou um volume de Fábulas e contos (1853), e, no século XX, surgiram as Fábulas (1955) de Cabral do Nascimento. No Brasil, as melhores realizações inspiraram-se no folclore e na literatura oral. Como exemplos, há as Fábulas de Luís de Vasconcelos, as Fábulas e alegorias de Catulo da Paixão Cearense e as Fábulas brasileiras de Antônio Sales. Cabe mencionar também Monteiro Lobato, José Oiticica e o marquês de Maricá.

Por: Tatiane Leite da Silva

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