Biografias

Luís Vaz de Camões

Nascido provavelmente em Lisboa, entre 1524 e 1525, Luís Vaz de Camões foi de possível origem fidalga, não era rico, porém.

Passou pelos salões da nobreza cortesã, pela boemia, lutou em campanhas militares no norte da África — onde ficou cego de um olho —, andou pela Ásia — onde, diz a lenda, num naufrágio, conseguiu salvar os originais de sua obra épica, Os Lusíadas —, teve furtados os originais de um livro de poesia lírica em Moçambique. Em Portugal, em 1572, conseguiu publicar Os Lusíadas e por essa obra recebia uma pensão do governo, que era paga irregularmente. Morreu muito pobre, em 1580.

Biografia

Ruivo, verboso, repentista, gozava de aceitação junto às damas de seu tempo (a infanta D. Maria, D. Caterina de Ataíde, entre outras). Os constantes envolvimentos amorosos na corte causaram-lhe alguns reveses. Consta ter sido desterrado por motivo dos amores com D. Caterina de Ataíde, símbolo a que o poeta dirigia seus sonhos de amor platônico e a quem Camões, por anagrama, chamou Natércia.

Também se acredita que o desterro da corte se tenha dado em virtude de alusões indiscretas que fez ao rei, em sua comédia El-Rei Seleuco (soberano que se casa com a noiva do filho, em que se viu certa alusão à terceira esposa de D. Manuel, madrasta e ex-noiva de D. João II, quando príncipe).

Retrato de CamõesEm 1547, parte para Ceuta (Marrocos), alistado co­mo soldado, onde, em escaramuças com os mouros, fica cego do olho direito.

Em 1550, retorna à corte, cego mas façanhudo e glo­rioso. Boêmio, valentão, exímio espadachim, envolvia-se sempre em conflitos, pelo que recebeu a alcunha de Trinca-Fortes e, menos difundida, a de Diabo Zarolho.

Em 1552, num dia de Corpus Christi, numa rixa com um funcionário do paço, Gonçalo Borges, feriu-o com um golpe de espada, tendo sido preso na cadeia do Tronco. No ano seguinte, como aventureiro, toma parte em várias ex­pedições, refazendo assim toda a rota de Vasco da Gama, na viagem do descobrimento do caminho marítimo para as índias, que mais tarde se converterá na ação central de Os Lusíadas.

Em 1555 esteve em Goa. Por volta de 1558, esteve em Macau (China), primeiro estabelecimento europeu no ex­tremo Oriente. Aí foi Provedor-Mor de Bens de Defuntos e Ausentes, importante cargo administrativo. Acusado de irregularidades, volta preso a Goa, para justificar-se. Durante a viagem (1559) naufraga às margens do rio Mekong, no Camboja. Em Os Lusíadas há uma alusão a esse fato e ao salvamento do manuscrito, o que faz ver que a obra estava quase completa (canto I, 128). E da tradição que tenha perdido nesse naufrágio seu grande amor oriental (Dinamene), em memória de quem compôs o soneto “Alma minha gentil que tepartiste / tão cedo desta vida descontente“.

Esteve posteriormente em Malaca, sendo absolvido graças à interferência do Conde de Redondo. É por essa época que Camões oferece aos amigos “um banquete de trovas”, em que os convivas acharam sob os pratos trovas em vez de iguarias. De 1567 a 1569, viveu em Moçambique. Nessa ocasião, teria pronto o manuscrito de uma coletânea de sua lírica, o Parnaso, que lhe foi roubada ou desapareceu.

Em 1569 regressa a Lisboa “tão pobre estava que comia amigos“, segundo relato de Diogo do Couto. Em 1572 consegue publicar Os Lusíadas, porque caíra nas boas graças de D. Sebastião, “a bem nascida segurança“, a quem dedica sua obra-prima. Logo a seguir, foi dada a Camões uma tença anual. Morreu em 1580, após o desastre militar de Alcácer Quibir, que fazia antever a anexação de Portugal aos domínios de Espanha. Poucos dias antes de morrer, em carta a um amigo, D. Francisco de Almeida, dizia: “Enfim acabarei a vida e verão todos que fui tão afeiçoado à minha pátria, que não me contentei em morrer nela, mas com ela“.

Características

Representado sempre com uma pena na destra e uma espada na mão esquerda, poeta, amante, soldado, aventu­reiro, Camões realiza uma admirável síntese da experiên­cia de vida, de seus transes existenciais, com uma sólida cultura humanística, adquirida fora dos círculos letrados, que constelavam em torno de Sá de Miranda e Antônio Ferreira.

Essa fusão de cultura livresca e experiência pessoal intensa e diversificada confere tanto à lírica como à épica de Camões uma forte expressividade. Quando o poeta fala do amor, não está apenas transpondo os modelos de Plotinc e Petrarca; está também refletindo sobre os seus acertos e desacertos amorosos: Isabel (Belisa), Bárbara, infanta D Maria, Caterina (Natércia), Miraguarda, Dinamene, D. Violante e tantas outras, reais ou lendárias. Quando, em O: Lusíadas, descreve o fogo-de-santelmo, ou uma tromba marítima, ou a travessia do Cabo das Tormentas, ou se detém na caracterização da paisagem exótica do Oriente não está apenas recriando as crônicas dos viajantes; está expressando a experiência do navegador que também foi.

Camões desenvolveu, como Sá de Miranda e outros poetas do século XVI, uma produção lírica de duas medidas: a poesia em medida velha e a poesia em medida nova. Se suas redondilhas em motes e glosas são produto refinado de um talento criativo e perspicaz, seus sonetos constituem a mais importante produção lírica em português de todos os tempos — afinal, as soluções rítmicas e rimáticas, o domínio versátil do decassílabo, a fluência sintática que confere raro poder dramático à leitura, a associação inusitada de metáforas e imagens, os temas de uma atualidade surpreendente, fizeram da sonetística camoniana um modelo e uma inspiração para toda a produção poética de nossa língua até hoje.

O tema constante da produção lírica camoniana é o Amor — assim grafado por representar a ideia, a essência, o ser supremo que governa o sentimento amoroso do plano concreto humano. Partindo de uma tensão, o sentimento de amar para Camões vive o conflito equilibrado entre o amor neoplatônico e a sensualidade, tensão inerente a um homem que experimentou amar na vida e, segundo seus biógrafos, amou demais e sofreu em demasia. Dessa tensão surge outra, a certeza de que o mundo vive em desconcerto (desarmonia, contradição) entre aquilo que se deseja alcançar (as expectativas ideais) e aquilo que existe na realidade. A impotência diante da mutabilidade e efemeridade das coisas do mundo e da vida leva ao desengano, à desesperança, completando a visão trágica da existência que nos herdou Camões. A frustração de existir e a impotência perante os mistérios dos sentimentos são o ponto de identificação de Camões com os leitores de todos os tempos.

Essa busca pelo equilíbrio, pela harmonia entre contrários — por meio de imagens inusitadas, de paradoxos, de antíteses e de hipérboles —, aproxima a lírica de Camões de uma tendência do Classicismo do século XVI, chamada de Maneirismo.

Para Camões, a obtenção de uma expressão de equilíbrio, mesmo entre coisas paradoxais, é resultado de muito esforço poético, que combina saber (conhecimento de mundo, de cultura e do passado literário), engenho (talento poético, capacidade criadora, inteligência, gênio) e arte (domínio das técnicas de fazer versos e dos usos da língua em suas potencialidades significativas).

A obra de Camões

Camões dramático – O teatro camoniano

Camões deixou três peças teatrais, sob a forma de autos, a saber:

  • El-Rei Seleuco
  • Filodemo e
  • Anfitriões

As duas primeiras derivam da tradição medieval, e a última inspira-se na comédia latina Amphitruo, de Plauto.

Camões lírico – As Rimas de Luís de Camões

Em vida, Camões viu publicados somente quatro de seus poemas líricos: uma ode, dois sonetos e uma elegia. A primeira edição de Rimas de Luís de Camões (Rhythmas de Luís de Camões, título original) foi organizada por Fernão Rodrigues Lobo Soropita e publicada em Lis­boa, no ano de 1595. Baseadas em cancioneiros manus­critos, as edições de Soropita (1595 e 1598) incorporam as falhas desses códices (atribuições errôneas, versos mal copiados).

As sucessivas edições de Domingos Fernandes, de Faria e Sousa, de Antônio Alvares da Cunha, do Visconde da Juromenha e de Teófilo Braga foram avolumando a obra lírica de Camões, à custa de vários poetas, cujos textos foram incorporados às Rimas.

Carolina Michaélis de Vasconcelos e Guilherme Storck iniciaram um minucioso trabalho de expurgo dos poemas erroneamente atribuídos a Camões. Em 1932, José Maria Rodrigues e Afonso Lopes Vieira eliminaram 248 composições que andavam atribuídas, sem fundamento, a Camões.

Não está concluído o trabalho definitivo do texto lírico camoniano. As três edições críticas recentes, em que se fundam a maioria dos estudos brasileiros, são: a de Hernâni Cidade, Luís de Camões, obra completa, Lisboa, Sá da Costa, 1946, 5v.; a de Álvaro Júlio da Costa Pimpão, Rimas, Coimbra, Actas Universitatis Conimbrigensis/Atlântida, 1953; a de Antônio Salgado Júnior, Luís de Camões, obra completa, Rio de Janeiro, Aguillar, 1963 (Col. Biblioteca Luso-Brasileira).

A lírica de Camões compreende duas vertentes prin­cipais:

  • a lírica tradicional, composta em redondilhos (me­dida velha), nos moldes da poesia palaciana do Cancio­neiro Geral de Garcia de Resende, nos gêneros caracte­rísticos da poesia peninsular do século XV e início do XVI: os motes glosados, cantigas, vilancetes, esparsas e trovas;
  • a lírica clássica, composta em decassílabos (medi­da nova), vazada nas formas fixas de influência italiana: sonetos, éclogas, odes, sextinas, oitavas, elegias e can­ções.

Camões épico – Os Lusíadas

O poema Os Lusíadas é a maior epopeia da língua portuguesa. Sub­metido à censura inquisitorial, não houve cortes na primeira edição. Pouco depois, com o recrudescimento da Santa Inquisição, alguns episódios passaram a ser considerados “contrários à Fé e aos Costumes”, especialmente o “Consílio dos Deuses” e a “Ilha dos Amores”. Há, datadas de 1572, duas edições de Os Lusíadas. Não se pode assegurar qual delas é a edição princeps. Admite-se que uma delas tenha sido impressa posteriormente, de forma clandestina, para evitar novo exame da censura inquisitorial. Há diferenças orto­gráficas, pequenas, mas numerosas. Supõe-se que a edição “autêntica” seja a que tem na folha de rosto um pelicano com a cabeça voltada para a esquerda. Na edição supos­tamente clandestina, a cabeça do pelicano está voltada para a direita.

Por: Paulo Magno da Costa Torres

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