Literatura

Vidas Secas – Análise da Obra

Das obras de ficção da literatura brasileira, Vidas secas é uma das mais importantes de todas as épocas. É mais uma obra de tensão entre o homem e o mundo, da autoria de Graciliano Ramos, como são quase todas as outras, a exemplo de São Bernardo e de Angústia.

O livro, por ser uma amostragem ampla de vários ângulos do conjunto social da região em que as ações acontecem, é visto, por boa parte da crítica especializada, como síntese da tragédia humana da região brasileira identificada como sertão nordestino.

A obra não se constitui de uma história só, ou não tem uma sequência narrativa composta de algumas células interdependentes, de forma a se enquadrar no modelo do romance ou da novela. A estrutura e a condução das ações lembram o modelo do documentário. Essa estrutura permite a leitura de vários capítulos como se cada um fosse um conto, sem, no entanto, a autonomia desse tipo de narrativa, na qual as personagens são exclusivas. Em Vidas secas, as personagens centrais são as mesmas em todos os capítulos.

Tipos de Narrador

Em Vidas Secas encontramos a narração em terceira pessoa, com narrador onisciente. Podemos encontrar muitas vezes os discursos indiretos livres. É o próprio narrador que revela o interior dos personagens através de monólogos interiores. O foco narrativo ganha destaque ao converter em palavras os anseios e pensamentos das personagens.

Tempo da Narrativa

O tempo de narrativa medeia duas secas. A primeira que traz a família para a fazenda e a segunda que a leva para o Sul. Mesmo possuindo algumas referências cronológicas na obra, o tempo é psicológico e circular.

Espaço da Narrativa

A região geográfica em que as ações se passam é o Sertão Nordestino, no polígono das secas. Logo, já está claro que o ambiente físico compõe-se de uma natureza seca, agressiva ao ser humano, árida, áspera, que fornece ao homem apenas o mínimo necessário para a sobrevivência, e, ainda assim, a duras penas

Linguagem

A linguagem coaduna-se perfeitamente com essa realidade social e geográfica, sendo direta, extremamente concisa, harmonizando a “secura” da alma, da cultura e da informação das pessoas, à “secura” da natureza e à da linguagem.

Personagens:

Personagem Protagonista

Fabiano – Nordestino pobre, marido de Sinhá Vitória, pai de dois filhos. Procura trabalho desesperadamente, bebe muito e perde dinheiro no jogo. Possui grandes dificuldades linguísticas, mas é consciente delas. Homem bruto com dificuldade de se expressar, possui atitudes selvagens. Por não saber se expressar entra num processo de isolamento, aproximando-se dos animais, com os quais se identifica melhor.

Personagem Antagonista

Soldado Amarelo – Corrupto, oportunista e medroso, o Soldado Amarelo é símbolo de repressão e do autoritarismo pelo qual é comandado (ditadura Vargas), porém não é forte sozinho; sem as ordens da ditadura, é fraco e acovarda-se diante de Fabiano.

Personagens Secundários

Sinhá Vitória – Mulher de Fabiano, sofrida, mãe de dois filhos, lutadora, sonhadora e inconformada com a miséria em que vive, trabalha muito. É a mais inteligente de todos controlando assim as contas e os sonhos de todos.

Filho mais novo e Filho mais velho – São crianças pobres e sofridas que não tem noção da miséria em que vivem. O mais novo vê no pai um ídolo, sonha sobressair-se realizando algo, enquanto o mais velho é curioso, querendo saber o significado da palavra inferno, desvendar a vida e ter amigos.

O dono da fazenda – Contrata Fabiano para trabalhar em sua fazenda, desonesto, explorava seus empregados.

O fiscal da prefeitura – Intolerante e explorador.

Baleia – Cadela da família, tratada como gente, humanizada em vários momentos e muito querida das crianças.

Tomás de Bolandeira – Aparece somente por meio de evocações, é tido como referência por Fabiano e Sinhá Vitória.

Seu Inácio – Dono do bar.

Enredo

A história em Vidas Secas começa com a fuga de uma família nordestina fugindo da seca do sertão. Fabiano, o pai da família, é um vaqueiro com dificuldade de se expressar. Não tem aspirações nem esperanças de vida. Sinhá Vitória é a mãe, é mais “madura” do que seu marido Fabiano, também não se conforma com sua situação miserável, e sonha com uma cama de ouro como a de Tomás de Bolandeira. Os dois filhos e a cadela Baleia acabam por concluir essa família.

O menino mais novo sonha ser como o pai, já o mais velho desejava a presença de um amigo, conformando-se assim com a presença de sua cadela Baleia, a qual portava-se não como um animal, mas sim tratada com um ente e ajudava Fabiano e sua família a suportar as péssimas condições.

Depois de muito caminhar a família chega a uma fazenda abandonada, onde acabam ficando. Após de um curto período de chuva o dono da fazenda retorna e contrata Fabiano como seu vaqueiro.

Fabiano vai a venda comprar mantimentos e lá se põem a beber. Aparece um policial que Fabiano chama de Soldado Amarelo, que o convida para jogar baralho com os outros. O jogo acontece e numa desavença com o Soldado Amarelo, Fabiano é preso maltratado e humilhado, aumentando assim sua insatisfação com o mundo e com sua própria condição de homem selvagem do campo.

Fabiano é solto e continuando assim sua vida na fazenda. Sinhá Vitória desconfia que o patrão de Fabiano estaria roubando nas contas do salário do marido. A família participa da festa de Natal da cidade onde se sentem humilhados por diversos “patrões” e “Soldados Amarelos”. Baleia fica doente e Fabiano a sacrifica.

Não satisfeito e sentindo-se prejudicado com o patrão, Fabiano resolve conversar com seu patrão, este que ameaça despejar Fabiano da fazenda. Fabiano tenta esquecer o assunto e acaba ficando muito indignado. Na voltada venda Fabiano encontra o Soldado Amarelo perdido no mato. Fabiano pensa em matar o Soldado Amarelo, porém sentindo-se fraco e impossibilitado, acaba ajudando o soldado a voltar para a cidade.

A seca atinge a fazenda e faz com que toda a família fuja novamente, só que desta vez, todos vão para o Sul, em busca da cidade grande, sem destino e sem esperança de vida.

Conclusão

Em Vidas Secas, Graciliano Ramos sugere que o pobre está jogado à sua própria sorte, sem saída, sem chance de alguma melhoria social e econômica, por isso a família de retirantes anda em círculo, pois, cada vez que é dispensada de uma fazenda, “retoma o caminho de sempre”. Essa tese é aprofundada pelo jugo explorador e escravagista do latifúndio, pelo autoritarismo do Estado, representado pelo soldado amarelo, e pela indiferença das instituições em geral, como governos, igrejas e sociedade.

Por: Lavinia Junqueira

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