Redação

Funções da Linguagem

As funções da linguagem apontam o direcionamento da mensagem para um ou mais elementos do circuito da comunicação. Qualquer produção discursiva, linguística (oral ou escrita) ou extralinguística (pintura, música, fotografia, propaganda, cinema, teatro etc.) apresenta funções da linguagem.

A ênfase num elemento do circuito de comunicação determina a função de linguagem que lhe corresponde:

Cada um dos seis elementos da comunicação determina uma função de linguagem. Raramente se encontram mensagens em que haja apenas uma; na maioria das vezes o que ocorre é uma hierarquia de funções em que predomina ora uma, ora outra.

ELEMENTO        FUNÇÃO
contexto       →     referencial
emissor        →     emotiva
receptor       →     conativa
canal             →     fática
mensagem   →     poética
código           →   metalinguística

A classificação das funções da linguagem depende das relações estabelecidas entre elas e os elementos do circuito da comunicação. Esquematicamente, temos:

Funções da linguagem.

Função referencial ou denotativa

Certamente a mais comum e mais usada no dia-adia, a função referencial ou informativa, também chamada denotativa ou cognitiva, privilegia o contexto. Ela evidencia o assunto, o objeto, os fatos, os juízos.

É a linguagem da comunicação. Faz referência a um contexto, ou seja, a uma informação sem qualquer envolvimento de quem a produz ou de quem a recebe. Não há preocupação com estilo; sua intenção é unicamente informar.

É a linguagem das redações escolares, principalmente das dissertações, das narrações não-fictícias e das descrições objetivas. Caracteriza também o discurso científico, o jornalístico e a correspondência comercial. Exemplo:

Todo brasileiro tem direito à aposentadoria. Mas nem todos têm direitos iguais. Um milhão e meio de funcionários públicos, aposentados por regimes especiais, consomem mais recursos do que os quinze milhões de trabalhadores aposentados pelo INSS. Enquanto a média dos benefícios aos aposentados do INSS é de 2,1 salários mínimos, nos regimes especiais tem gente que ganha mais de 100 salários mínimos.
(Programa Nacional de Desestatização)

Função emotiva ou expressiva

Quando há ênfase no emissor (1ª pessoa) e na expressão direta de suas emoções e atitudes, temos a função emotiva, também chamada expressiva ou de exteriorização psíquica. Ela é linguisticamente representada por interjeições, adjetivos, sinais de pontuação (tais como exclamações, reticências) e agressão verbal (insultos, termos de baixo calão), que representam a marca subjetiva de quem fala. Exemplo:

Oh? como és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias?

(Vinícius de Moraes)

Observe que em “Luís, você é mesmo um burro!”, a frase perde seu caráter informativo (já que Luís não é uma pessoa transformada em animal) e enfatiza o emotivo, pois revela o estado emocional do emissor..
As canções populares amorosas, as novelas e qualquer expressão artística que deixe transparecer o estado emocional do emissor também pertencem à função emotiva. Exemplos:

E aí me dá uma inveja dessa gente…
(Chico Buarque)

Não adianta nem tentar
Me esquecer
Durante muito tempo em sua vida
Eu vou viver

(Roberto Carlos & Erasmo Carlos)

Função conativa ou de apelo

A função conativa é aquela que busca mobilizar a atenção do receptor, produzindo um apelo ou uma ordem. Pode ser volitiva, revelando assim uma vontade (“Por favor, eu gostaria que você se retirasse.”), ou imperativa, que é a característica fundamental da propaganda. Encontra no vocativo e no imperativo sua expressão gramatical mais autêntica. Exemplos:

Antônio, venha cá!
Compre um e leve três.
Beba Coca-Cola.
Se o terreno é difícil, use uma solução inteligente:
Mercedes-Benz.

Função fática

Se a ênfase está no canal, para checar sua recepção ou para manter a conexão entre os falantes, temos a função fática. Nas fórmulas ritualizadas da comunicação, os recursos fáticos são comuns. Exemplos:

Bom-dia!
Oi, tudo bem?
Ah, é!
Huin… hum…
Alô, quem fala?
Hã, o quê?

Observe os recursos fáticos que, embora característicos da linguagem oral, ganham expressividade na música:

Alô, alô marciano
Aqui quem fala é da Terra.

(Rita Lee & Roberto de Carvalho)

Blá, Blá, Blá, Blá, Blá
Blá, Blá, Blá, Blá
Ti, Ti, Ti, Ti, Ti,
Ti, Ti, Ti, Ti
Tá tudo muito bom, bom!
Tá tudo muito bem, bem!

(Evandro Mesquita)

Atente para o fato de que o uso excessivo dos recursos fáticos denota carência vocabular, já que destitui a mensagem de carga semântica, mantendo apenas a comunicação, sem traduzir informação. Exemplo:

— Você gostou dos contos de Machado?
— Só, meu. Valeu.

Função metalinguística

A função metalinguística visa à tradução do código ou à elaboração do discurso, seja ele linguístico (a escrita ou a oralidade), seja extralinguístico (música, cinema, pintura, gestualidade etc. — chamados códigos complexos).

Assim, é a mensagem que fala de sua própria produção discursiva. Um livro convertido em filme apresenta um processo de metalinguagem, uma pintura que mostra o próprio artista executando a tela, um poema que fala do ato de escrever, um conto ou romance que discorre sobre a própria linguagem etc. são igualmente metalinguísticos. O dicionário é metalinguístico por excelência. Exemplos:

— Foi assim que sempre se fez. A literatura é a literatura, Seu Paulo. A gente discute, briga, trata de negócios naturalmente, mas arranjar palavras com tinta é outra coisa. Se eu fosse escrever como falo, ninguém me lia.
(Graciliano Ramos)

Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos mal rompe a manhã.
(Carlos Drummond de Andrade)

A palavra é o homem mesmo, Estamos feitos de palavras. Elas são a única realidade ou, ao menos, o único testemunho de nossa realidade.
(Octávio Paz)

“Anuncie seu produto: a propaganda é a arma do negócio.” Nesse exemplo, temos a função metalinguística (a propaganda fala do ato de anunciar), a conativa (a expressão aliciante do verbo anunciar no imperativo) e a poética (na renovação de um clichê, conferindo-lhe um efeito especial).

Função poética

Quando a mensagem se volta para seu processo de estruturação, para os seus próprios constituintes, tendo em vista produzir um efeito estético, através de desvios da norma ou de combinatórias inovadoras da linguagem, temos a função poética, que pode ocorrer num texto em prosa ou em verso, ou ainda na fotografia, na música, no teatro, no cinema, na pintura, enfim, em qualquer modalidade discursiva que apresente uma maneira especial de elaborar o código, de trabalhar a palavra. Exemplos:

Que não há forma de pensar ou crer
De imaginar sonhar ou de sentir
Nem rasgo de loucura
Que ouse pôr a alma humana frente a frente
Com isso que uma vez visto e sentido
Me mudou, qual ao universo o sol
Falhasse súbito, sem duração
No acabar..

(Fernando Pessoa)

Observe, entretanto, que o discurso desviatório necessita de um contexto para produzir sensação estética, como no poema abaixo, cujo nonsense é altamente poético no contexto de Alice no País das Maravilhas:

Pois então tu mataste o Jaguadarte!
Vem aos meus braços, homenino meu!
Oh dia fremular! Bravooh! Bravarte!
Ele se ria jubileu.

Era briluz. As lesmolisas touvas
Roldavam e relvian nos gramilvos.
Estavam mimsicais as pintalouvas
E os momirratos davam grilvos.

(Lewis Carrol, traduzido por Augusto de Campos.)

Por: Renan Bardine

Veja também: