Filosofia

Irracionalismo

Corrente filosófica que surgiu em contraposição à chamada idade da razão, o irracionalismo sustenta que a capacidade humana para apreender a realidade é maior quando supera os limites do racional.

A negação da racionalidade exclui em geral o campo das ciências naturais e matemáticas, bem como o da indústria e da técnica, para concentrar-se no das realidades propriamente humanas, sociais e históricas.

O termo irracionalismo designa uma corrente de pensamento muito difundida no fim do século XIX e início do século XX, principalmente entre os filósofos europeus. Com raízes na metafísica, o irracionalismo enfatiza o papel do instinto, do sentimento e da vontade, em oposição à razão.

Para a ontologia, implica que o mundo não tem estrutura racional, sentido ou propósito. Para a epistemologia, que a razão é incapaz de apreender o universo sem distorções. Para a antropologia, que o componente irracional é dominante na natureza humana.

Embora a formulação desses conceitos seja relativamente recente, traços de irracionalismo são encontrados em culturas muito antigas. A tendência irracionalista e instintiva que Nietzsche chamou dionisíaca se observa na dramaturgia grega e mesmo na obra filosófica de muitos pensadores gregos, como Pitágoras e Empédocles.

Sob a influência de Darwin e, mais tarde, de Freud, o irracionalismo começou por explorar as raízes biológicas e inconscientes da experiência humana. Assim, o pragmatismo, o existencialismo e o vitalismo surgiram para expressar uma visão mais ampla e aberta da vida e do pensamento humanos. Para Schopenhauer, típico irracionalista do século XIX, o voluntarismo — vontade cega e sem sentido a permear a existência — expressava a essência da realidade. Charles Sanders Peirce e William James acreditavam que as ideias deveriam ser consideradas não em termos lógicos, mas segundo seus resultados práticos, ao serem transformadas em ação.

Weber, grande figura da ciência social, não afastou o significado de razão anterior a modernidade, embora tenha enfatizado, devido à sua compreensão sobre a nova condição social vigente, o caráter funcional e utilitário da mesma. De fato, foi o mesmo quem definiu a razão como sendo: por um lado, razão substantiva, efetivamente vinculada ao juízo de valores e a subjetividade e, por outro, razão funcional ou instrumental, identificado apenas com o processo positivista fixado na consideração das relações entre meios e fins.

Hobbes (apud Ramos, 1989), postulou ser a razão fruto do esforço capaz de habilitar o indivíduo a nada mais do que a fazer o calculo utilitário de consequências. Preparou assim, o caminho para o que podemos denominar de transavaliação do social – a linha divisória do bem e do mau torna-se obscura e, portanto, os valores se relativizam. Em outras palavras, sendo o ser humano reduzido a uma criatura que apenas calcula, torna-se praticamente impossível distinguir o vicio da virtude como realidades que independem daquilo que interessa ao soberano mercado. Neste sentido, os valores perdem sua objetividade e o homem sua capacidade de reconhecê-los como tal.

Desponta também neste período, como o próprio Penna coloca, a forte presença do irracionalismo. “(…) Nela o que se assiste é uma exaltação do instinto e da vida afetiva em geral, revelando-se Nietzche como a grande figura desse movimento. (…) A relevância concedida ao instinto…(…)”

Segundo Ricouer, foram Nietzche, Freud e Marx, embora percorrendo caminhos diferentes, os protagonistas da suspeita e, com ela, de um novo problema: a mentira da consciência ou a consciência como mentira. Assim justifica: ” O filósofo formado na Escola de Descartes sabe que as coisas são duvidosas, que não são como aparecem; porém não duvida que a consciência não seja tal como aparece a si mesma; nela, sentido e consciência do sentido coincidiriam. Depois de Marx, Nietzche e Freud, duvidamos. Depois da dúvida sobre a coisa entramos na dúvida sobre a consciência”

Segundo Penna, a “Razão Cativa” de Rouanet, busca recuperar o significado emancipatório da razão pelo exercício crítico e autocrítico. “Ela é capaz de crítica” – segundo Rouanet – “na medida em que reconhece sua competência para lidar com o mundo normativo, desafiando o grande interdito positivista. Ela submete à sua jurisdição o reino dos valores e avalia a maior ou menor racionalidade das normas”. Destaca-se portanto, a relevância concedida pela razão aos valores e fins, radicalmente excluídos da perspectiva positivista.

De fato, Rouanet ao dividir a razão em uma louca (ingênua) e outra sábia (crítica), propõe, por um lado, através da razão louca, uma consistente visão do positivismo e do irracionalismo como expressões decorrentes de uma mesma raiz e, por outro, através da razão sábia, joga a semente da nova etapa: a síntese. Enquanto “a razão louca abdica de suas prerrogativas críticas, inclusive da prerrogativa de desmascarar a pseudo-razão, a serviço do poder e do desejo, e é uma razão narcísica, ingênua e arrogante, ao mesmo tempo que, por desconhecer o irracional que a cerca, torna-se presa dele. A razão sábia é a que identifica e critica a irracionalidade presente no próprio sujeito cognitivo e nas instituições externas, assim como nos discursos que se pretendem racionais – as ideologias”

No resgate desta razão, Penna se refere as preocupações de Husserl, fundador da fenomenologia, para caracterizar a etapa da síntese. Husserl percebia na fenomenologia a possibilidade de um caminho para a humanidade, ao reencontrar o verdadeiro sentido da razão. Esta, segundo o mesmo, deixou-se reduzir aos “ismos” aplicados ao progresso da ciência e da técnica, mas incapaz quando frente às grandes interrogações existenciais: “ela (a ciência) exclui por princípios aqueles problemas que são candentes para o homem, (…) exclui os problemas de sentido e não-sentido da existência humana no seu conjunto. Na miséria de nossa vida, sente-se dizer, esta ciência não tem nada a nos dizer” Deste modo, segundo Husserl, nossa civilização perdeu sua vocação e sua teleologia, que é aquela de desenvolver sua razão, isto é, torná-la cada vez mais abrangente, até o ponto de se aplicar ao próprio sujeito. De fato, a crise da humanidade acontece quando ela não é capaz de reconhecer sua característica mais autêntica, quando não sente mais o “telo” racional que a distingue e a sustenta enquanto humanidade.

” A razão é o elemento específico do homem, de um ser que vive através de atividades e hábitos pessoais. Enquanto pessoal, esta vida é um constante vir-a-ser e se desenvolve numa constante intencionalidade* * . E aquilo que nesta vida vem a ser é a própria pessoa. O seu ser é sempre um vir-a-ser para transformar a si mesmo num verdadeiro eu, num eu livre e autônomo, que procura realizar a razão inata nele e o esforço de ficar fiel a si mesmo (…)”

Nota-se que nada foge da relação. Isto significa recuperar uma unidade profunda entre sujeito e mundo. Não é possível, de fato, um mundo sem sujeito, nem um sujeito sem mundo, por isso, o real não pode ser pensado razoavelmente a não ser como entrelaçamento de mundo e sujeito, por fim, como consciência de mundo. Supera-se assim, a dicotomia e nasce, também, a ideia de “intencionalidade” do mundo: o real também é originariamente intencional, isto é, consciência e mundo não podem ser pensados senão numa unidade profunda e originária, numa co-presença. O mundo se oferece ao sujeito que constitui e doa os sentidos na procura daquilo que lhe vale, isto é, os fins.

Através desta perspectiva, Husserl afirmou um profundo compromisso pessoal e intersubjetivo com a realidade da vida. O sujeito, sua consciência, precisa aprender a mergulhar o mais profundamente possível no real, para interagir com ele, criar e descobrir, a partir dele, o sentido da vida. Este é o movimento da razão fenomenológica – racionalidade esta que não se identifica pura e simplesmente com aquela contida nas ciências objetivas, mas é aquela razão que, em sua infinita tarefa de descobrir e de construir a si mesma, supera-se e critica-se, na ampliação do próprio horizonte, para a construção de uma humanidade mais autêntica.

O irracionalismo está presente no historicismo e relativismo de Wilhelm Dilthey, que condicionava todo conhecimento à perspectiva histórica do indivíduo. Friedrich Heinrich Jacobi exaltava a clareza e a precisão da fé, em detrimento do conhecimento intelectual. Friedrich Schelling e Henri Bergson voltaram-se para a intuição como única força capaz de “enxergar o que é invisível para a ciência”. A razão, em si, não era repudiada, mas perdia o papel de comando. Para Nietzsche, os códigos morais eram mentiras e fraudes, criadas com o objetivo de mascarar as forças interiores e influenciar o comportamento humano.
O pensamento perde seu caráter separador e, por isso, também sua relação com a verdade.

Tese do Irracionalismo:

“Não alimentamos dúvida nenhuma (…) que a liberdade na sociedade é inseparável do pensamento esclarecedor. Contudo, acreditamos Ter reconhecido, com a mesma clareza, que o próprio conceito desse pensamento, tanto quanto as formas históricas concretas, as instituições da sociedade com quais está entrelaçado, contém o germe para a regressão que hoje tem lugar por toda parte.”

Autoria: Roberta Nakano