Ecologia

Putrefação e suas consequências

A princípio, parece fácil falar sobre putrefação, mas o fenômeno é de tal complexidade que tal tarefa necessitaria de várias palestras. Vou colocar, então, a visão do biólogo, do antropologo, do médico legista, normalmente não considerada em nosso meio. Muitas colocações são diferentes das mostradas por outros profissionais de área distintas.

Primeiro, noto uma confusão entre “podre” e “estragado”. A matéria podre, resultado da putrefação, é fenômeno fundamental à vida, é natural, não agride o ambiente, não provoca, nem transmite doenças, ao contrário, como veremos em seguida, faz parte da história alimentar do homem moderno e é fundamental aos ciclos vitais. O “estragado”, matéria contaminada por microrganismos patogênicos ou não, pode ocasionar doenças. A putrefação é o conjunto da cadeia de reações químicas complexas, muitas delas semelhantes àquelas que ocorrem em vida, no citoplasma e nas mitocôndrias, algumas etapas inversas às da fotossíntese. A putrefação é um fenômeno complexo, fundamental à vida e a sua manutenção. Tal aspecto dificilmente é colocado, como podre diferente de estragado, principalmente quando da discussão e abordagem de assuntos relativos ao impacto ambiental ou quando da fundamentação para elaboração da legislação.

Antropologicamente o homem “entende” a putrefação há dez mil anos, nas técnicas de adubação, deixando de ser nômade para se fixar. A partir daí, o homem utiliza os fenômenos cadavéricos transformativos destrutivos na produção de alimentos e os conservativos no armazenamento, elaborando alimentos melhores, com maior eficiência do processo. Tal fato, juntamente com outros, determinou um aumento da esperança de vida de 35 anos, no ano zero, para 75 anos em 1995.

Putrefação

Transformando-os em alunos por alguns instantes, usaria exemplos como: a banana, ao ser retirada da bananeira, ainda verde, não é um alimento adequado, estimula negativamente os sensores gustatórios, irrita a mucosa gástrica e não determina um bom rendimento digestivo. Entretanto, iniciada a putrefação, na fase inicial, cromática, onde os animais ficam verdes e os vegetais ficam amarelos ou avermelhados, o processo de desmontagem tem início, tornando-a mole, mais saborosa, doce, estimulando favoravelmente os sensores orgânicos e com bom rendimento digestivo. Exemplo semelhante, a carne maturada, podre, na transição cromático-gasosa, é saborosa, macia, embora mais cara. O empresário não usaria nunca o termo “podre” na divulgação de produto antimarketing. Da mesma forma, os embutidos e os defumados usam os fenômenos cadavéricos na conservação dos produtos e alimentos, ou seja, o fenômeno cadavérico está a nossa volta.

Outro aspecto importante: quando consideramos a biomassa humana comparada com a biomassa total, a relação é insignificante. Todos os seres vivos estão submetidos aos mesmos processos biológicos. Em nenhum momento há abordagens neste sentido.

Dois fatores são importantes na interpretação dos fenômenos cadavéricos, principalmente na abordagem de isolamento do homem em relação aos demais seres vivos, a cultura e a religião. O desconhecido e a perda que a morte significa, são significativos neste tratamento diferenciado do fenômeno cadavérico humano.

Do ponto de vista ecológico, a putrefação é elo importante na união das cadeias alimentares em um sistema maior e mais complexo, a teia alimentar, por meio da ação dos saprófitas, microrganismos que modificam a matéria biológica, após a morte dos seres vivos.

Outro aspecto importante é o da metodologia nas pesquisas de campo. A simples presença de microrganismos no solo, não significa necessariamente “poder de infectividade”, ou seja, a capacidade dos microrganismos de causarem doenças é função de múltiplas variáveis, de difícil estudo. Noto muito erro na interpretação dos resultados. O homem “vivo”, este sim, modifica, contamina e destrói o ambiente. A presença de áreas urbanas próximas aos mananciais causa modificações significativas no ambiente, não necessariamente a presença de cemitérios, que podem até determinar preservação ambiental, ou seja, o homem vivo é o problema, não o homem morto.

As pesquisas decorrentes das autópsias, após exumação, realizadas pelo Serviço Técnico de Tanatologia Forense do Instituto Médico Legal de São Paulo, mais de 870 (06/1995), têm mostrado resultados e permitido interpretações particulares às nossas condições de ambiente e de solo, até então não quantificadas.

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