Cultura

Capoeira

A capoeira é uma importante manifestação cultural brasileira – vista por muitos como uma dança e por outros como uma arte marcial tipicamente nacional. A capoeira envolve rituais, música, gestos e uma filosofia única, que vem sendo mantida como um dos principais aspectos da cultura nacional, especialmente no Nordeste.

Características

A capoeira é caracterizada pela flexibilidade de seus praticantes, além de movimentos acrobáticos, rápidos e inusitados. Apesar de seu aspecto de luta, seus “golpes”, como chutes, joelhadas, cotoveladas e cabeçadas, a prática da capoeira coloca os atletas em posições e em evoluções que se assemelham mais a uma dança, com movimentos ritmados em par e sem contato físico.

Geralmente, essa prática é realizada em uma roda de capoeira. Além dos capeiristas, aqueles que realizarão as evoluções, a roda é formada pelos percussionistas que tocam bateria, berimbau e outros instrumentos. As músicas estabelecem o ritmo para a realização dos movimentos treinados.

Além dos movimentos de luta, portanto, um capoeirista também precisa praticar e desenvolver a musicalidade que dita o compasso do corpo, aprender as canções e cantigas que acompanham a luta e ter habilidade para usar os instrumentos musicais típicos.

Os movimentos sempre seguem o ritmo das músicas e não se fala em “lutar” capoeira, mas sim em “jogar” capoeira. A bateria, normalmente, é puxada por um berimbau, que dita o andamento e a dinâmica da rota, e os demais instrumentos o acompanham:

  • Berimbau
  • Caxixi
  • Atabaque
  • Agogô
  • Pandeiro
  • Reco-reco

Surgimento e história da capoeira

Os primeiros passos da capoeira foram desenvolvidos durante o período da escravidão e a arte da capoeira começou a se desenvolver melhor por volta do século XVII, entre os escravos africanos.

Além de manter tradições culturais do seu continente, os escravos usavam a capoeira para socializar, passar o tempo e manter a saúde corporal frente aos pesados trabalhos que cumpriam para os senhores de engenho. Durante revoltas, a capoeira se mostrava também uma eficiente forma de autodefesa, mesmo sem armas.

Devido às condições desumanas em que viviam, os escravos fugiam do aprisionamento das fazendas para a concentração em pontos remotos e escondidos, chamados de quilombos. Os quilombolas podiam desenvolver melhor suas tradições e tinham mais tempo para treinar a capoeira como forma de defesa e sobrevivência, especialmente nos combates travados contra capitães do mato e missões que buscavam “recuperar” os escravos fugidos.

A música, um dos elementos que caracterizam a capoeira, foi utilizada no início pelos escravizados como forma de disfarçar a prática – para os que olhavam de fora, os treinos para uma luta eram vistos como uma curiosa dança “de negros”. Senhores e capatazes não davam muita importância, enquanto muitos escravos desenvolviam capacidades corporais que seriam úteis em fugas e revoltas. Por isso, inclusive, “jogar” ficou sendo o verbo associado à prática da luta.

Foto de mestre Bimba.
Mestre Bimba, o pai da capoeira regional.

Mesmo após o fim da escravidão, com a assinatura da Lei Áurea, muitos escravos continuaram às margens da sociedade – ainda eram excluídos e não conseguiam condições de vida dignas. A capoeira, nesse estágio, passou a ser vista como uma prática de bandidos e arruaceiros. Em certa altura, na capital brasileira, o Rio de Janeiro, a prática da capoeira passou a ser proibida por lei, vista por muitos como um modo de desenvolver bandos e gangues que assaltavam e atacavam pessoas. Pessoas pegas praticando capoeira eram presas e oprimidas e os círculos e rodas passaram a ser mantidos em locais escondidos e longínquos, criando uma espécie de submundo capoeirista.

Porém, a partir do século XX, a capoeira passou a trilhar novos rumos. Na década de 1930, o preconceito à prática dessa manifestação cultural já era menor, e alguns personagens foram fundamentais no processo de reconhecimento da arte como cultura, como Manoel dos Reis Machado (1899-1974), o Mestre Bimba.

Bimba era exímio capoeirista, jogando nas ruas de Salvador. Bimba buscava um estilo mais direto de luta, mais fiel aos preceitos de autodefesa – e acabou alterando alguns movimentos e criando um aspecto mais claro de luta. A inspiração foi uma luta baiana conhecida por “batuque”, misturada a uma forma mais arcaica da capoeira, criando a “luta regional baiana”. A palavra capoeira era proibida no Brasil e o novo nome criava um distanciamento do conceito pejorativo da capoeira como algo de bandidos. Atualmente o estilo é conhecido como capoeira regional – Bimba ainda seria o responsável por disseminar o novo estilo em diversas regiões do país.

Foto de mestre pastinha.
Mestre Pastinha, grande mestre da capoeira angola.

Paralelamente ao movimento realizado por Mestre Bimba, capoeiristas defensores do estilo tradicional da capoeira e liderados por Vicente Ferreira Pastinha (1889-1981), conhecido como Mestre Pastinha, também iniciaram divulgação da prática, dessa vez num estilo mais “raiz”, a chamada de capoeira angola, recobrando a óbvia herança africana da luta.

Mais atualmente, por volta dos anos 1980, a capoeira passou a ser reconhecida com um traço característico da cultura e do folclore brasileiro. Durante o próprio nacionalismo do regime militar, a capoeira lucraria com os esforços dos generais para disseminar a cultura “tupiniquim”, como uma das formas mais legítimas de manifestação cultural puramente brasileira.

Tipos de capoeira

Há diferentes estilos de capoeira, que podem inclusive sofrer variações conforme o mestre, a escola ou a região onde são praticados.

Capoeira angolana

A capoeira angola remete ao estilo tradicional da capoeira, algo bem próximo do que praticavam os escravizados – é tida mais como uma manifestação de orgulho cultural. Seus movimentos são mais estratégicos, pacientes e estudados, realizados de maneira mais lenta, calma e sutil.

Como ocorre a outros estilos, há o uso de instrumentos musicais específicos: três berimbaus (normalmente acompanhados por chocalhos conhecidos como caxixis), dois pandeiros, um atabaque, um agogô e um reco-reco.

Mas o estilo, apesar de mais tradicional, ainda é tido como uma luta, como evidencia o próprio Mestre Pastinha em seu livro Capoeira Angola: “a Capoeira Angola se assemelha a uma graciosa dança onde a ‘ginga’ maliciosa mostra a extraordinária flexibilidade dos capoeiristas. Mas, Capoeira Angola é, antes de tudo, luta e luta violenta”.

Capoeira regional

A capoeira regional refere-se a um estilo de capoeira mais rápido e intenso. Para quem observa, os movimentos acrobáticos lembram um circo. Golpes são mais contundentes e o estilo de luta é mais direto, baseado na reação a cada passo do adversário. Na parte musical, os instrumentos presentes na bateria são o berimbau e dois pandeiros.

O livro A Saga de Mestre Bimba fala um pouco desse estilo: “o método de ensino, os novos golpes e a nova mentalidade, somados ao fato de a maioria dos alunos de Bimba pertencer à classe média, com outros valores, fez com que a regional de Bimba se diferenciasse muito da capoeira tradicional”.

Capoeira contemporânea

Além dos dois estilos abordados anteriormente, existe uma terceira corrente que vem ganhando força nas últimas décadas, chamada de capoeira contemporânea. Podemos dizer que esse estilo é uma mistura da capoeira angola com a capoeira regional.

Movimentos e a “ginga”

A ginga de um capoeirista é o elemento básico para que ele consiga desenvolver seu jogo – trata-se de um movimento para levar a perna e o braço do mesmo lado do corpo para a frente e para trás, alternando de um lado para o outro, sempre de forma ordenada. O movimento mantém o lutador sempre flexível e cria velocidade para a aplicação dos golpes, visando ao mesmo tempo distrair o adversário.

A capoeira tem movimentos ofensivos e defensivos, tal como ocorre em outras artes marciais. Eles são misturados e, em rodas de iniciantes, podem ser intervalados de acordo com a “vez” de cada jogador.

Alguns movimentos defensivos:

  • Aú: Também conhecido como “estrela”, é usado como forma de se esquivar ou enganar o adversário.
  • Cocorinha: Outra forma de esquiva. O capoeirista flexiona os joelhos e agacha rapidamente, sendo necessário que uma de suas mãos toque o solo para ajudar na manutenção do equilíbrio.
Movimento da capoeira.
Cocorinha
  • Negativa: Movimento de esquiva em que o praticante agacha com uma perna estendida e a outra flexionada.
Movimento da capoeira.
Negativa.

Alguns movimentos de ataque:

  • Bênção: Chute frontal com a sola do pé, que consiste num movimento de força com o intuito de surpreender o oponente.
Movimento da capoeira.
Benção.
  • Martelo: Chute lateral com a parte do peito do pé.
  • Armada: Chute rodado com o lado externo do pé.
  • Meia lua de frente e cocorinha.

    Meia-lua de frente: Chute realizando um movimento de semicírculo de fora para dentro, atingindo o adversário com a parte interna do pé.

  • Queixada: Chute realizando um movimento de semicírculo de dentro para fora, atingindo o adversário com a parte externa do pé.
  • Rasteira: Golpe aplicado com o pé, com o intuito de desequilibrar o adversário e derrubá-lo, atingindo a sua perna de apoio.

Referências:

  • FONTOURA, Adriana Raquel Ritter; DE AZEVEDO GUIMARÃES, Adriana Coutinho. História da capoeira. Journal of Physical Education, v. 13, n. 2, p. 141-150, 2002.

Por: Carlos Artur Matos

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