Guerras

Guerra do Vietnã

A Guerra do Vietnã foi um dos conflitos que se tornaram mundialmente conhecidos, tendo sido o tema central de inúmeros filmes em Hollywood, como Apocalipse Now, Platoon, Nascido para Matar, Rambo, Bom Dia Vietnã e tantos outros.

A Guerra do Vietnã foi um dos conflitos resultantes da Guerra Fria – tendo confrontado diretamente forças do Bloco Soviético e Comunista e os Estados Unidos, ainda que o conflito armado tenha se mantido no território vietnamita e países circum-vizinhos, como Camboja e Laos.

Os EUA aliaram-se aos militares do sul do Vietnã, opondo-se ao norte do país, de influência soviética e chinesa e socialista, e também à guerrilha local, os chamados “vietcongues“, membros da Frente de Libertação Nacional.

O confronto arrastou-se por anos e teve suma importância no sentido de colocar a hegemonia norte-americana em xeque – tendo sido o primeiro confronto armado no qual americanos foram vencidos.

Antecedentes da Indochina

A história do Vietnã é permeada por lutas contra intervenções estrangeiras, assim como a maioria dos países do Sudeste Asiático. Os vietnamitas foram dominados pelos chineses durante vários séculos antes que europeus tomassem boa parte da Ásia.

Durante o processo de expansão imperialista dos países europeus no século XIX, a Indochina, península localizada no Sudeste Asiático e formada por Vietnã, Laos e Camboja, tornou-se uma colônia francesa. A metrópole europeia buscava acesso aos recursos minerais da região e à produção agrícola local, sobretudo de arroz e chás. Franceses mantiveram o controle da região até 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, época em que japoneses invadiram e conquistaram boa parte da Ásia.

A partir da década de 1930, os vietnamitas iniciaram um projeto revolucionário, formando partidos com o objetivo de combater o controle estrangeiro. O líder comunista Ho Chi Minh fundou, em 1941, um movimento chamado VietMinh (Liga Revolucionária para a Independência do Vietnã), que combatia o imperialismo e pregava a independência nacional.

Com a derrota japonesa na Segunda Guerra Mundial, o VietMinh, composto por forças nacionalistas e socialistas, obteve sucesso em libertar o norte do país, estabelecendo a República Democrática do Vietnã (Vietnã do Norte), de cunho socialista e com capital na cidade de Hanói. A França, porém, não reconheceu a independência vietnamita e deu início à Guerra da Indochina (1946-1954).

Mapa do Vietnã.
Península da Indochina no início da Guerra do Vietnã (1964).

Os franceses conseguiram manter o controle sobre a parte sul do país, mas os revolucionários socialistas permaneceram no controle do norte. Os franceses contabilizaram fortes baixas e sofreram diversas derrotas ao longo da guerra – o futuro do país acabou decidido durante a Conferência de Genebra, em 1954. A França reconheceu a independência da Indochina – que foi dividida em Camboja, Laos e um Vietnã separado em duas repúblicas.

O Vietnã do Norte (orientado pelo socialismo e liderado por Ho Chi Minh) e o Vietnã do Sul (comandado pelo imperador Bao Dai, de orientação capitalista) já surgiram em meio a conflito que dava sinais de manutenção. Um plebiscito, em 1956, decidiria em tese se o país voltaria a se reunificar ou permaneceria separado.

Tudo indicava que o norte socialista sairia vitorioso no plebiscito. Já desde Genebra, os líderes da comissão do Vietnã do Sul não eram sequer favoráveis uma divisão do país. A própria metodologia das eleições causou discordância entre potências nas Nações Unidas – os Estados Unidos queriam eleições de unificação supervisionadas pela ONU, mas a União Soviética foi contrária a essa alternativa, apelidada de “Plano Americano”.

O apoio soviético e chinês ao norte e a interferência norte-americana na região levaram, com o aproximar das eleições, a um apoio dos EUA a um golpe de estado liderado por Ngo Dinh Diem, que instituiu um regime ditatorial de extrema direita no Vietnã do Sul. No norte, comunistas já conduziam ações de desapropriação e criaram um programa de reforma agrária que preocupava as classes mais abastadas, inclusive no sul, que viam na possibilidade de reunificação uma ameaça.

Etapas do conflito

As causas da guerra do Vietnã

Ho Chi Minh acreditava que o Vietnã seria unificado sob a orientação dos socialistas. Após suspenderem a realização do plebiscito, os norte-americanos passaram a apoiar o regime de Ngo Dinh Diem, no Vietnã do Sul. O presidente Dwight Eisenhower, ainda embalado pela Doutrina Truman, estava decidido tanto quanto seu antecessor a frear o avanço socialista, especialmente na Ásia, onde a influência soviética e chinesa era clara.

O governo do sul cancelou as eleições em aldeias e retomou terras que haviam sido alocadas a camponeses nos projetos de reforma agrária e durante os confrontos com os franceses. Ao mesmo tempo em que o norte consolidava o governo comunista com o apoio soviético, a violência do regime de Ngo Dinh Diem gerou reações de nacionalistas e comunistas no próprio sul, que culminariam na formação, em 1960, de uma guerrilha revolucionária chamada Frente Nacional de Libertação (FNL), os famosos vietcongues, que recebiam apoio do Norte e de países como China e URSS.

Usando táticas de guerrilha rural, vietcongues iniciaram campanhas no sul, com o objetivo de reunificar o país – o que atendia aos ensejos do norte e, principalmente, dos soviéticos.

A entrada dos Estados Unidos na guerra e as dificuldades enfrentadas

O conflito ganhou vulto e, em 1961, norte-americanos, liderados pelo presidente John Fitzgerald Kennedy (1917-1963), decidiram por uma intervenção militar na região, com o envio de tropas em apoio a Ngo Dinh Diem.

Diem foi assassinado em 1964, vítima de um golpe. O governo de Saigon, no sul, foi assumido por uma junta militar. Os Estados Unidos, em lugar de suspender ou reformular o plano de intervenção armada, aceleraram o envio de soldados ao Vietnã.

A exemplo do erro cometido cerca de uma década antes, na Coreia, norte-americanos confiavam que sua tecnologia bélica e preparo do contingente militar lhes permitiria uma rápida vitória na Ásia. No entanto, as densas florestas e estrutura baseada em aldeias forneciam à guerrilha o terreno perfeito para ações furtivas, ataques surpresa, atentados e reposicionamento frequente. Ataques norte-americanos mais pesados eram impossíveis sem causar um número enorme de baixas civis e, no avanço por terra, os soldados americanos levavam nítida desvantagem por conta do desconhecimento do terreno.

Túneis usados na Guerra do Vietnã.
Os vietcongues construíram um complexo sistema de túneis que lhes possibilitava transportar armamentos, socorrer feridos, estocar munições e enviar tropas para os locais de combate.

A pressão sobre os EUA, que contavam com uma guerra rápida, atingia o próprio território norte-americano agora. Protestos e ações de grupos de apoio se manifestavam contra o envio de tropas e muitos políticos e congressistas começavam a criar dificuldades. Ações desesperadas, como bombardeios com armas químicas, como o ”agente laranja” (bombas que destruíam as folhas das plantas, auxiliando na localização dos vietcongues), e bombas incendiárias de napalm elevaram o massacre a populações civis, colocando a ação americana ainda mais sob a mira da opinião pública internacional.

Foto da Guerra do Vietnã.
Avião estadunidense despejando “agente laranja” em área de floresta, durante a
Guerra do Vietnã.

Os vizinhos Laos e Camboja, acusados de abrigar refugiados e soldados vietcongues, foram igualmente bombardeados, o que expandiu a área em conflito e gerou ainda mais críticas às ações norte-americanas.

Em 1969, as tropas alinhadas ao Vietnã do Sul já contavam com um efetivo de mais de 500 mil soldados norte-americanos. A despeito da superioridade bélica e tecnológica, vitórias decisivas não ocorriam sobre a guerrilha e a guerra não dava sinais de término, para nenhuma das partes. O apoio soviético em termos logísticos e no fornecimento de armas e munições também dava fôlego à guerrilha – que poderia manter o conflito praticamente de forma indefinida.

A imprensa mundial, mesmo nos EUA, já não tinha como apoiar as ações americanas. Imagens e vídeos de vietcongues executados, crianças fugindo de bombas de napalm e soldados estadunidenses sob efeito de drogas (como a heroína) tornavam-se comuns nas páginas de jornais e revistas.

Consequência da Guerra do Vietnã.
Kim Phuc Phan Thi correndo da explosão de uma bomba de napalm atirada sobre a província de Tay Ninh.

De volta aos EUA, agora famílias inteiras, grupos organizados e lideranças se uniam aos protestos contra a guerra. O movimento hippie e a contracultura havia escolhido um ponto de ataque: a Guerra do Vietnã.

Sob o ponto de vista técnico, a imprensa mundial questionava a legitimidade da ação norte-americana. Em tese, os EUA jamais haviam declarado guerra ao Vietnã. A partir de 1969, sob pressão, Washington decidiu pelo repatriamento de soldados em missão no Vietnã. Os termos de um cessar-fogo já eram negociados em Paris – mas mesmo assim, americanos chegaram a invadir o Camboja (1970) e Laos (1971), criando ainda mais instabilidade internacional.

Fim da guerra

Em 1973, foi assinado o Acordo de Paris, que estabelecia a retirada das tropas norte-americanas do Vietnã. Sem o apoio dos EUA, as forças do sul não puderam manter oposição aos vietcongues ou ao norte, sendo derrotados pelos socialistas. Em 1975, Saigon, capital ao sul, foi invadida e rebatizada como Ho Chi Minh. Eleições gerais foram convocadas em 1976 e o país foi reunificado com o nome de República Socialista do Vietnã, com capital em Hanói.

Consequências da guerra do Vietnã

O conflito vietnamita expôs uma realidade assustadora para norte-americanos e reveladora para um mundo que ressurgia em torno de duas potências. As potências podiam sofrer derrotas. Além disso: a contracultura e os movimentos sociais da década de 1970, assim como a repulsa da imprensa internacional, criavam pressão sobre estados, mesmo grandes potências como os EUA.

Os vietnamitas lutaram por décadas por sua autonomia, conseguindo expulsar japoneses, franceses e, finalmente, estadunidenses. Com o fim do conflito, alcançaram a unidade e a liberdade do Vietnã, embora o país estivesse arrasado por causa das bombas de napalm e da utilização do agente laranja. Mais de 3 milhões de pessoas ficaram desempregadas, além de cerca de 1 milhão de soldados sul-vietnamitas sem ocupação.

Para norte-americanos, o conflito acabou na morte de quase 60 mil soldados, entre os quase 2,5 milhões que foram mobilizados e transportados até a Ásia ao longo dos anos de conflito. O legado da guerra deixou o Vietnã em pedaços, assolado pela fome, doenças e pobreza, enquanto que nos EUA criou as bases para uma série de reformas e, certamente, custou o “pescoço” de muitas lideranças políticas. Veteranos da guerra que retornaram para o solo americano, em muitos casos, nunca se recuperaram dos efeitos do conflito – alcoolismo, abuso de drogas e entorpecentes, envolvimento com crime e violência. A derrota criou um mal-estar nos EUA, que após o Vietnã não tornariam a se envolver num conflito internacional de forma tão direta e custosa até meados da década de 1990, no conflito com o Iraque.

O governo vietnamita permaneceu socialista, encontrando alinhamento no modelo chinês de partido único com abertura econômica.  A normalização das relações com os Estados Unidos apenas ocorreriam em 1995, sendo que em 2013 os dois países firmaram um extenso acordo comercial.

Por: Carlos Artur Matos