Literatura

A Mulher em Dom Casmurro

Temos em Dom Casmurro, romance de Machado de Assis, a abordagem do problema da mulher numa visão psicológica por excelência.

O tema do adultério nos é exposto a partir do ponto de vista de um narrador homem sendo este narrador que irá determinar as particularidades das personagens.

” a vida é uma ópera”

Justifica-se o uso desta expressão pelo fato de que uma ópera pode ser cantada em várias vozes, percebemos também uma POLIFONIA de vozes na obra em questão.

Por se tratar de uma narrativa centrada num narrador, na qual, este narrador é uma personagem que conta sua estória e tece comentários sobre as outras personagens, nos deparamos com uma série de questionamentos que nos remetem a vários pressupostos. Um destes seria o fato da narrativa está centrada num eu-narrador, personagem da estória e que é lembrado (flash – back), assim podemos chegar a seguinte dedução.

Não estando de posse da versão de CAPITU não podemos afirmar até que ponto tal narrativa é verdadeira.

Porém, inevitavelmente coloca-se aí uma questão impossível de não ser mencionada:

“Capitu, culpada ou inocente?”

Preocupar-me-ei em não julgar inocente ou culpada a personagem em jogo, mas observar movimentos, ações, discursos, caso existam, e a posição ocupada por esta na sociedade da época.

Como se trata de uma estória narrada por um narrador masculino, têm-se a possibilidade de uma deturpação dos fatos narrados, como também a existência de uma certa fantasia por parte do narrador.

Bentinho como D. Casmurro, contando a estória de seu passado, dificilmente dá a voz a CAPITU, esta introduzindo-se apenas na narrativa apenas para ser julgada. Sendo assim vista unicamente através de olhos de Bentinho.

“Quem conta um conto aumenta um ponto”

Esta máxima popular traduz todo este aspecto da questão de um passado distante, inquestionável, nos levando a aceitar o ponto de vista do narrador.

Entretanto, caso leiamos minuciosamente a estória de Dom Casmurro, percebemos que este também foi culpado. Existe uma passagem que nos traz e a provável resposta do porquê de BENTINHO pensar num provável relacionamento entre CAPITU e ESCOBAR.

No momento do enterro de ESCOBAR, marido de SANCHA, BENTINHO pega a mão desta, tem sensações e procura os seus olhos:

“Sancha ergueu a cabeça e olhou para mim com tanto prazer que eu, graças as relações dela e Capitu, não se me daria beija-la na testa.”

É neste instante que os fatos se invertem, BENTINHO denuncia um ato de prazer frente a esposa de ESCOBAR (SANCHA) e se delicia ao apertar sua mão, perturbando-se com o acontecido e, muitas vezes ficando irritado com tal fato. Essa seria uma maneira de desviar a atenção do narratário sobre ele.

Através da criação da imagem real de sua mulher, ele confunde o leitor, levando-o para um julgamento. Não há uma denúncia do adultério por parte de CAPITU, porém o leitor é levado a percebe-lo.

Nesta época também havia a questão da posse do homem sobre a mulher, como também a submissão de decisões destes centralizados nos pais e na igreja, instituição sempre presente ao longo da narrativa através de metáforas:

“Eu amava Capitu! Capitu amava-me! Naturalmente por ser minha. Naturalmente também por ser a primeira.”

“Padre futuro, estava assim diante dela como de um altar, sendo uma das faces a Epístola e a outra o Evangelho. A boca podia ser o cálice, os lábios e patena. (…) Estávamos ali com o céu em nós.”

Porém, em D. Casmurro, a mulher apesar de aparecer como objeto de uso do homem, também figura como dona de seus atos e com poder de decisão. Capitu sabe sair de qualquer situação, a qualquer momento, é a “MULHER MODELO” em pleno século XIX.

“Capitu riscava sobre o riscado para apagar bem o escrito (…) De resto, ele chegou sem cólera, todo meigo, apesar do gesto duvidoso ou menos duvidoso em que nos apanhou.”

Outro ponto importantíssimo de ser ressaltado é o fato de BENTINHO ter por hábito omitir verdades ligadas à família com relação a CAPITU, daí podermos questionar : – Até que ponto ele, já D. Casmurro, contou a verdade? Tal resposta virá conforme a posição de cada um, posto que “a obra literária é aberta” por excelência.:

“Calou-se outra vez. Quando tornou a falar, tinha mudado; não era ainda a Capitu de costume, mas quase. Estava séria, sem aflição, falava baixo. Quis saber a conversação da minha casa; eu contei-lhe toda, menos a parte que lhe dizia respeito.”

Em toda a narrativa temos a linguagem dos olhos de BENTINHO que lemos CAPITU, que se torna indecifrada, por excelência, talvez este tenha sido o desejo subconsciente do narrador valorizando-os, pois estes são enigmáticos e dificilmente podemos decifrá-los.

“Tinha-me lembrado da definição que José Dias dera deles, olhos de cigana oblíqua e dissimulada (…) que era capaz de os pentear, se quisesse.”

Não fosse a linguagem dos olhos eminentemente enganadora, flexível, enigmática presente nos grandes momentos do romance, talvez BENTINHO não chegasse a desconfiar de CAPITU, mas passou a ler CAPITU com os olhos e isso destruiu o seu amor à hora do enterro do seu amigo ESCOBAR:

“’Só Capitu, amparada a viúva, parecia vender-se a si mesma (…). No meio dela Capitu olhou alguns instantes para o cadáver tão fixa, que não admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas…”

Somado a este argumento ainda temos as suspeitas de BENTINHO quando volta-se para o filho e começa a observar algumas feições que, segundo ele, lembravam o morto e isto também contribuiu para uma total destruição e desmistificação da suspeita mantida por ele.

Tudo é crítica à mulher no romance D. Casmurro, de Machado de Assis, críticas essas, frutos de um ciúme doentio devido a uma confusão de sentimentos e desconfiança de BENTINHO.

Tendo em vista todo esse arcabouço da narrativa de Machado, notamos que a personagem feminina se mostra perseverante aos problemas que a sociedade lhe impõe. Ela assume dissimuladamente o que parece à sua frente e luta por aquilo que tem direito, mesmo que suspeitas caiam sobre si de uma hora para outra.

É a individualidade feminina sobreposta as imposições sociais, que a educação, a igreja e o homem colocam sobre a mulher

Autoria: Ercio Silva