Pedagogia

Os Processos Pedagógicos

Os processos pedagógicos são processos intencionais, deliberados, que têm por objetivo promover, em contextos culturais definidos e de modo sistematizado, relações significativas entre o aprendiz e o conhecimento produzido pelos homens em seu processo social e histórico de produção das condições materiais de sua existência.

Tomando como pressuposto que o conhecimento não se produz na escola, mas nas relações sociais em seu conjunto, torna-se necessário diferenciar dois tipos de processo pedagógico:

Os amplamente pedagógicos, constituídos pelas dimensões educativas presentes em todas as experiências de vida social e laboral. Estas são assistemáticas, não intencionais, mas nem por isto pouco relevantes do ponto de vista da produção do conhecimento.

Os processos especificamente pedagógicos são os intencional e sistematicamente desenvolvidos com o objetivo de possibilitar o acesso ao conhecimento e à cultura produzidos pela sociedade em seu processo de desenvolvimento das forças produtivas ao longo da história.

Estes processos têm por finalidade possibilitar a transição do senso comum, dos saberes tácitos originados das experiências empíricas porém destituídos de sistematização teórica, pelo domínio do conhecimento científico-tecnológico e sócio-histórico, o que supõe o domínio do método científico.

Para o desenvolvimento dos processos especificamente pedagógicos, é central a compreensão de como se apreende e de como se produz o conhecimento. Embora a ciência contemporânea esteja longe de dar respostas satisfatórias a esta questão há, contudo, alguns pressupostos a partir dos quais é possível avançar na construção de situações mediadoras entre o aprendiz e o conhecimento.

O primeiro deles é que as formas culturais internalizam-se ao longo do desenvolvimento dos indivíduos e constituem-se no material simbólico que media a sua relação com os objetos do conhecimento. Ou seja, a cultura fornece aos indivíduos os sistemas simbólicos de representação e suas significações, que se convertem em organizadores do pensamento, ou seja, em instrumentos aptos para representar a realidade.

A partir deste pressuposto, uma primeira questão se coloca: em uma sociedade dividida em classes, os homens vivem em espaços culturais que, embora se cruzem, são diferenciados, promovendo diferentes oportunidades de acesso aos bens culturais. Estas diferenças culturais, que resultam da desigualdade de classe, têm que ser consideradas nos processos de ensino. Os alunos têm universos diferenciados de significados, nem sempre contemplados na linguagem e nas práticas pedagógicas, que na maioria das vezes supõe uma uniformidade conceitual que não existe no ponto de partida dos processos de ensino; aproximar estes universos de significados é fundamental para assegurar o desenvolvimento do conhecimento científico-tecnológico e sócio-histórico.

Em seguida, se coloca um segundo questionamento: como cada indivíduo, com seu universo próprio de significados e com suas formas próprias de se relacionar com o conhecimento, mais ou menos lógico-formais (abstratas), mais ou menos caóticas (concretas), internaliza tais formas simbólicas disponibilizadas pela cultura, de modo a transitar do senso comum, do conhecimento cotidiano, do saber tácito, para o conhecimento científico, de modo a ser capaz de fundamentar e compreender teoricamente a sua prática, “atuando intelectualmente” e “refletindo praticamente”?

Para Vygotsky esta internalização não se dá espontaneamente, conferindo à intervenção pedagógica decisivo papel; ou seja, se o homem é capaz de formular seus conceitos cotidianos espontaneamente, tal não se dá no caso do desenvolvimento de conceitos científicos, que demandam ações especificamente planejadas, e competentes, para este fim. Ou seja, o desenvolvimento das competências complexas, que envolvem intenção, planejamento, ações voluntárias e deliberadas, dependem de processos sistematizados de aprendizagem.

Estas dimensões – consciência, vontade, intenção – pertencem à esfera da subjetividade; o processo de internalização, que corresponde à formação da consciência, é também um processo de constituição da subjetividade a partir de situações de intersubjetividade; a passagem do nível intersubjetivo para o nível intrasubjetivo envolve relações interpessoais densas, mediadas simbolicamente, e não trocas mecânicas limitadas a um patamar meramente intelectual.

Segundo o autor, as ações pedagógicas implicam em apresentações sistemáticas que obriguem os aprendizes a uma atitude metacognitiva, o que vale dizer, a um domínio e controle consciente do sistema conceitual, bem como a um uso deliberado das suas próprias operações mentais, havendo uma reconstrução dos conceitos cotidianos a partir de sua interação com os conceitos científicos. 9 Para tanto, estabelece-se um permanente movimento entre sujeito e objeto, o interno e o externo, o intrapsicológico e o interpsicológico, o individual e o social, a parte e a totalidade.

Estas relações entre o objeto a ser aprendido e o sujeito da aprendizagem, para o mesmo autor, são sempre mediadas por outros indivíduos; a interação do sujeito com o mundo se dá pela mediação de outros sujeitos, não ocorrendo a aprendizagem como resultado de uma relação espontânea entre o aprendiz e o meio; da mesma forma, é sempre uma relação social, resultante de processos de produção que o homem coletivo foi construindo ao longo da história. Mesmo quando a aprendizagem parece resultar de uma ação individual, ela sintetiza a trajetória humana no processo de produção cultural.

Se considerarmos a aprendizagem como resultado de processos intencionais e sistematizados de construção de conhecimentos, a intervenção pedagógica, o ato de ensinar, é um mecanismo privilegiado e a escola é o espaço privilegiado para a sua realização. É preciso, pois, melhor conhecer este processo, que articula conteúdos, método, atores, tempos e espaços educativos.

A primeira constatação a fazer é que o processo cognitivo a ser desencadeado por quem aprende, o saber que se pretende ensinar e a ação pedagógica a ser desenvolvida pelo professor são categorias que estão em permanente relação, que por sua vez sintetiza as relações sociais em seu conjunto; não podem, portanto, ser tratadas isoladamente ou descontextualizadas, pois encerram uma função social determinada por um projeto de sociedade e por uma dada concepção de homem. Assim, não há conteúdos ou procedimentos que sejam bons em si mesmos; eles demonstrarão sua eficácia na medida em que respondam a uma dada situação em que se articulam o contexto social, o aprendiz e o professor. Apreender esta relação e trabalhar competentemente com ela é a primeira preocupação a pautar a intervenção pedagógica.

A segunda sintetiza os pressupostos que foram analisados ao longo do texto: ensinar é colocar problemas, propor desafios, a partir dos quais seja possível reelaborar conhecimentos e experiências anteriores, sejam conceitos científicos, conhecimentos cotidianos (senso comum) ou saberes tácitos; para isto é necessário disponibilizar todas as informações que sejam necessárias através de todos os meios disponíveis, orientando para o manuseio destas informações, em termos de localização, interpretação, estabelecimento de relações e interações, as mais ricas e variadas possíveis; a multimídia pode contribuir significativamente neste processo, sem que se secundarize a importância das fontes tradicionais.

Ensinar é promover discussões, de modo a propiciar a saudável convivência das divergências com os consensos possíveis, resultantes da prática do confronto, da comparação, da análise de diferentes conceitos e posições. Ensinar é planejar situações através das quais o pensamento tenha liberdade para mover-se das mais sincréticas abstrações para a compreensão possível do fenômeno a ser apreendido, em sua interrelações e em seu movimento de transformação, através da mediação do empírico; é deixar que se perceba a provisoriedade, e que nasça o desejo da contínua busca por respostas que, sempre provisórias, nunca se deixarão totalmente apreender; é criar situações para que o aprendiz faça seu próprio percurso, nos seus tempos e em todos os espaços, de modo a superar a autoridade do professor e construir a sua autonomia.

O trajeto pedagógico a ser seguido, a partir desta compreensão, envolve o conhecimento do contexto e do aprendiz, não como dualidade, mas como relação, e o percurso do método científico, que pode ser sintetizado pela:

  • problematização, tendo como ponto de partida as relações sociais e produtivas;
  • teorização: definir os conhecimentos que precisam ser apreendidos para tratar do problema, em que fontes vou buscá-los e de que forma, articulando trabalho individual e coletivo;
  • formulação de hipóteses, etapas em que se estimula a criatividade na busca de soluções originais e diversificadas que permitam o exercício da capacidade de decidir a partir da listagem de consequências possíveis que envolvam as dimensões cognitiva, ética e política;
  • intervenção na realidade que se constitui em ponto de partida e em ponto de chegada, em um patamar agora superior, da realidade caótica e mal desenhada, se chega à realidade compreendida, dissecada, concretizada.

Este tratamento metodológico que responde aos princípios expostos, tem seu fundamento na concepção de práxis, que se constitui no movimento através do qual o homem e todos os homens, no trabalho, ao articular reflexão e ação, teoria e prática, transitam do senso comum ao conhecimento científico e assim transformam a realidade, produzem sua consciência e fazem a história.

Trabalhar nesta perspectiva, apesar de todos os obstáculos decorrentes das desigualdades resultantes de uma sociedade dividida em classes, não deixa de ser uma importante forma de avançar na construção do projeto de sociedade que tem se constituído na nossa utopia: um novo modo de produção onde todos, homens e mulheres de todos as raças e credos, e de todas as idades, possam ter na organização coletiva, o suporte para o desenvolvimento de sua integralidade.

Por: Francisco H. Lopes da Silva

REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS

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