Política

Reforma do Sistema Eleitoral Brasileiro

Há muito o país necessitava de uma Reforma em seu Sistema Eleitoral, contudo, só após as denúncias nas CPI’s “dos Correios” e do “Valérioduto” é que se pode ver com mais clareza a real necessidade de tal reforma. Uma das soluções para nosso sistema eleitoral seria a adaptação do Sistema Eleitoral alemão ao nosso. Alguns autores até tendem ao presidencialismo combinado com o pluripartidismo e o voto distrital. O que se pode ter em mente é que nosso sistema tem que ser mudado rapidamente para evitar-se falhas e deslizes de conduta como estes

Urge salientar que há um projeto de lei que institui a reforma política e está em discussão na Câmara dos Deputados desde 2003. A reforma propõe mudanças no sistema eleitoral e partidário do país. O relatório da Comissão da Reforma Política foi aprovado em dezembro de 2003. Entre as propostas apresentadas estão o financiamento público de campanhas e a verticalização partidária – sistema em que as coligações dos partidos no âmbito federal devem ser usadas também no âmbito estadual. Os projetos também alteram as normas para a propaganda eleitoral e a divulgação de pesquisas eleitorais.

Ver-se-á, portanto, no presente estudo, o que pode ser feito em termos de reforma eleitoral, tentando achar uma solução para a crise política que tem assolado tanto o país nos últimos anos.

1. DA NECESSIDADE DE REFORMA NO SISTEMA ELEITORAL E POLÍTICO

Conforme já salientado alhures, o que se pode observar é que nosso sistema eleitoral tem se mostrado imperfeito, principalmente em relação aos recursos arrecadados para o financiamento das campanhas, que resultam no caixa dois, o dinheiro não declarado à Justiça Eleitoral.

Muitos defendem como solução a reforma política. Propõe-se o financiamento público de campanha, ou seja, os recursos recebidos pelas legendas viriam de um fundo público distribuído aos partidos por meio do Tribunal Superior Eleitoral. O montante a ser cotizado seria calculado em R$ 7 por eleitor e repassado proporcionalmente aos partidos de acordo com sua representação no Parlamento.

Outro fator importante é a adoção da fidelidade partidária. No novo sistema, o mandato pertencerá à legenda e será necessário que o candidato seja filiado no mínimo há três anos a um partido para concorrer em uma eleição.

Para fortalecer o perfil ideológico das legendas, propõe-se o sistema de listas fechadas, em que o eleitor vota apenas no partido. Decreta-se, assim, o fim do voto nominal -o voto no candidato. O cidadão escolhe a legenda e uma lista de candidatos apresentados pela própria agremiação.

Para reduzir o número de partidos e dificultar a existência das siglas de aluguel, propõe-se a cláusula de barreira. Segundo esse dispositivo, somente conseguirá o registro definitivo o partido que obtiver pelo menos 5% dos votos nacionais para a Câmara dos Deputados, que devem estar distribuídos em pelo menos nove Estados e onde o partido deve obter 2% dos votos válidos.

Contudo, para resolver os problemas gravíssimos de uma sociedade como a nossa, não adianta ter apenas eleições ou Justiça Eleitoral. Precisamos enfrentar seriamente o processo de distribuição, fiscalização e controle do poder. A garantia dos direitos sociais vai depender de quem tem o poder e de quais instituições a população pode efetivamente participar.

Segundo o que dispõe Gilmar Mendes (2005) [1]:

Nessa análise do desenvolvimento institucional brasileiro, não poderia deixar de formular algumas considerações sobre o sistema eleitoral positivado na Constituição de 1988.

Desde a promulgação da Constituição já se discutia a necessidade de uma mudança no sistema político eleitoral, envolvendo inúmeros pontos que permaneceram inalterados em relação à Constituição anterior, mas que continuavam a merecer atenção.

O modelo eleitoral fixado manteve, para as eleições parlamentares, o sistema proporcional de listas abertas e votação nominal, que corresponde à prática brasileira desde 1932. O mandato parlamentar que resulta desse sistema afigura-se muito mais fruto do desempenho e do esforço do candidato do que da atividade partidária.

E continua o aludido autor [2]:

A ampla liberdade partidária, por sua vez, promoveu uma proliferação de partidos, dificultando as possibilidades de articulação política e importando em prejuízos para a densidade programática. Tal aspecto também acabou por comprometer a disciplina interna das legendas, que se tornam reféns dos personalismos dos candidatos que as integram.

Apesar de tudo isso, não se poderia afirmar que o caráter fragmentário do sistema partidário tem importado em prejuízos à democracia brasileira. Essa, aliás, é uma das preocupações de Adam Przeworski, que considera temerária uma combinação de presidencialismo com a inexistência de um único partido majoritário, chegando a afirmar, com base em elementos probabilísticos, que tal sistema teria expectativa de vida de apenas 15 anos. Przeworski, em verdade, faz uma aposta no regime parlamentarista, ao afirmar que, ao lado do desenvolvimento econômico, a adoção desse regime seria um dos fatores de durabilidade da democracia.

Para alguns, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a solução mais adequada para o país seria a adoção do voto distrital, defendendo veementemente o sistema preconizado pela Alemanha, o que ver-se-á adiante.

2. A ADAPTAÇÃO DO SISTEMA ELEITORAL ALEMÃO AO NOSSO

Talvez seja pouco eficiente discutir o Parlamento, os partidos, sem que discutamos de forma mais ampla o sistema de voto, o sistema eleitoral, porque as coisas são inter-relacionadas.

Em nosso sistema de voto proporcional, cada partido lança um número, que eu não sei exatamente hoje, porque a lei muda todo ano, mais o número de vagas às Assembleias das Câmaras, mais um certo coeficiente delas. Por exemplo: se São Paulo tem 70 Deputados, serão 140 candidatos, o dobro e mais não sei quantos, 200 candidatos, que vão competir em todo o Estado pelo mesmo eleitorado. E, depois, vai se organizar a lista dos que entram no Congresso, a partir da votação relativa que tiveram dentro de cada partido.

Nesse quadro, ou um Deputado é muito forte, e os outros candidatos gostam porque eles arrastam o voto, ou então, o que ocorre na imensa maioria dos casos, se o deputado tem uma votação de média para baixa, o maior adversário dele é seu companheiro de partido, que pode ter mil votos a mais do que ele. Isso desarticula inteiramente a solidariedade partidária. É um dos elementos de destruição dos partidos: o principal adversário de um candidato de um partido é o outro candidato desse mesmo partido.

A briga começa na campanha e, às vezes, não acaba mais, nem dentro do Parlamento, porque daqui a pouco haverá outra eleição e recomeça a disputa. É claro que já houve, no Brasil, pelo menos em alguns Estados, uma espécie de acomodação: os candidatos estão distritalizados no voto. E, neste caso, acontece algo que também não é favorável à representatividade do voto, porque o candidato que é capaz de distritalizar o seu voto é geralmente o candidato do interior.

Assim, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso [3] é favorável ao voto distrital pelos seguintes fundamentos:

Uma das razões pelas quais sou favorável ao voto distrital é porque com ele diminui a briga interna dos partidos em cada distrito. Um candidato por partido em cada distrito fortalece o partido. Além disso, porque com esse sistema existe uma maior possibilidade de controle do eleitor sobre o eleito, porque o eleitor sabe quem é o candidato. Há estudos muito expressivos que mostram que, semanas depois de terminada a eleição, ninguém sabe em que Deputado votou. Sabe, eventualmente, o nome do majoritário, mas não sabe o do proporcional. Então, o eleitor perde o interesse, não acompanha a votação ou não acompanha o desempenho do candidato. Só uma mudança no sistema de voto não vai resolver essa questão, mas é um ingrediente para ajudar a pensar de outra maneira essa questão.

Contudo, há grande desconhecimento a respeito em que consiste e como funciona na prática o sistema do voto distrital misto. Na verdade, é um misto de voto distrital puro, com o sistema de representação proporcional.

No sistema do distrital misto, o legislativo é composto, metade por eleitos por votação majoritária obtida em distritos eleitorais (que seriam criados por lei) e a outra metade por candidatos “gerais”, que recebem votação em todo o território do estado, inclusive do próprio distrito. Aqui há, portanto, semelhança com o atual voto de legenda, ou de representação proporcional porquanto o candidato é indicado pelo partido; não há candidaturas avulsas. Neste sistema, o eleitor dispõe de dois votos; um para o candidato distrital, outro para um candidato “geral” (ou de toda coletividade).

Entretanto, mister salientar que as vantagens desse sistema é evidente. O candidato eleito pelo distrito conheceria de perto as necessidades locais e as reivindicações dos eleitores. Assim, poderia defendê-las com mais propriedade na Câmara Municipal. Os candidatos manteriam escritórios ‘políticos’ no distrito pelo qual foram eleitos e que representam, onde ouviriam seus munícipes, prestariam contas de sua gestão e estariam sujeitos ao controle dos eleitores, independente do partido ao qual pertençam. A fiscalização de sua atividade seria bastante próxima e efetiva. Seria, pois, o que a Constituição determina: “legítimo representante do povo”.

O voto distrital misto é o item mais importante para uma real reforma política no Brasil. Mas raramente é mencionado pelos próprios políticos os quais, segundo parece, não têm interesse pessoal em sua adoção. A própria mídia, quando relaciona os itens pretendidos para a reforma, menciona cláusula de desempenho, votação em lista fechada, federações partidárias, coligações nas eleições proporcionais, fidelidade partidária, financiamento público, etc, conforme os projetos de reforma em curso no Congresso. Mas nada a respeito da adoção do voto distrital misto (O Globo, 23/06/05, pág. 11).

O que se pode perceber é que querem a permanência do sistema atual, do voto proporcional. Pode-se observar, ainda, o que dizem vários políticos à respeito do assunto:

“O Congresso, no entanto, costuma cuidar apenas da sobrevivência de quem já o integra”; e … “Os nossos deputados elegeram-se pelo voto proporcional; construíram suas respectivas máquinas eleitorais com base nesse sistema. Se o sistema mudar eles correm o risco de não se reelegerem” (Fábio Campana, Gazeta do Povo, edições de 10/06 e 17/07/2005). Em igual sentido, comentários de Tereza Cruvinel (O Globo, 23/06/05). Também Alex Gutenberg une-se à crítica (Gazeta do Povo, 24/07/05): …porque esse parlamento vai legislar em causa própria, mudar as leis eleitorais, votar um novo sistema que irá permitir que eles se perpetuem no poder “.

Sérgio Braga, professor de Ciência Política da UFPR: “Na verdade, sob o disfarce reforma política, o que tais parlamentares pretendem implementar são propostas que visam aumentar ainda mais as brechas existentes no sistema político para práticas corruptoras e fisiológicas, reduzindo a “reforma” a medidas eleitorais de ocasião” (Estado do Paraná, 03/07/05).

Hoje entende-se que uma reforma política é indispensável, para sanar as vexatórias irregularidades que recentemente foram trazidas ao conhecimento do povo, objeto de apuração pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, onde os próprios investigados ficam dispensados de dizer a verdade. Temas da pretendida reforma estão em todos os jornais, pela pena de comentaristas bem informados (Mônica Waldvogel, O Estado do Paraná, 25/07/05) .

O jurista Fábio Konder Comparato, professor de Direito Constitucional da USP, não acredita, entretanto, que o Congresso Nacional vá aprovar uma reforma política capaz de tornar o Estado mais democrático. “Desde o Império, nenhuma legislação eleitoral atingiu o ideal de dar ao povo o mínimo de controle sobre seus representantes. O deputado ou senador que se elegeu nesse sistema eleitoral não tem interesse nenhum em mudá-lo”.

Na opinião do cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), é antigo o debate sobre a necessidade de fazer uma reforma política no Brasil. “Há um grupo no Brasil que acha que o problema é reformar de alto a baixo instituições como o sistema de governo e o sistema eleitoral. Como se todos os males do Brasil fossem efeitos dessas duas causas.” Para o professor, o desafio de universalizar os direitos constitucionais deve orientar o debate sobre a democracia no país.

E ainda completa: “Somente com a incorporação de milhões de brasileiros ao processo de participação que tem efetivamente possibilidade de trazer apoio ou crítica às políticas de governo, estaremos tratando de uma relação entre um país que há muitos anos vem sendo incapaz de garantir o direito a todos os habitantes. Acho que esse é problema da democracia no Brasil no momento”.

3. O PROBLEMA DOS PARTIDOS POLÍTICOS E OS INTERESES SOCIAIS

Mister salientar que o partido pode dispor de uma máquina, pode ter voto, pode ter um conjunto de eleitos, pode ter setores do Estado sob controle, mas se não tiver uma proposta para o país, não chega a ser partido propriamente dito. Tem que sustentar um conjunto de valores.

E esses valores, no caso dos partidos, pelo menos em democracias contemporâneas, não podem se confundir apenas com interesses de grupos. Não que interesses de grupos não sejam legítimos. O lobby é legítimo.

Quando o Congresso se transforma num conjunto de lobbies, por mais legítimo que seja o interesse do sindicato, do trabalhador, do empresário que organiza, de alguém que tem um pensamento antiaborto ou de outro a favor do aborto, o outro não sei o quê, se for um conjunto de lobbies, não é partido. Vai defender interesses que não são gerais. Não tem uma proposta nacional. Não tem um projeto para o país. Não tem um conjunto de ideias mais ou menos organizadas que diga: olha, eu quero que esse Brasil seja mais igualitário, eu quero economia de mercado. Não, eu quero que o Brasil seja mais igualitário, mas sem a economia de mercado. Tudo bem, são duas visões que estão aí que são legítimas em si mesmas, são valores. E constituem uma proposta geral, não uma proposta só para beneficiar um setor da sociedade.

Segundo o que salienta nosso ex-presidente Fernando Henrique Cardoso [4]:

Claro que dentro dos partidos há lobby. O lobby é transversal. Ele abrange mais de um partido, mas quando o Congresso passa a ser apenas um conjunto de lobbies — eu vou dizer uma coisa que vai me custar, mas não tem importância, porque eu acho que mais importante do que a conveniência é a sinceridade para que a gente possa avançar. Não adianta ter tanta frente organizada no Congresso: os ruralistas, a pequena empresa — agora tem até uma frente que é pró-livre mercado — frente para não sei o quê. O que é isso? É para o governo discutir com essas várias frentes sobre qualquer assunto? Não. É preciso ter partido. Quer dizer, há esses interesses todos, eles são legítimos em si mesmos, mas eles não podem substituir os partidos.

E conclui [5]:

E, agora, eu vejo que, crescentemente, nós nos havemos não com partidos, mas com grupos organizados, cujo nome técnico é lobby. E quando digo lobby, não estou desmerecendo o lobby. Pelo contrário; mas o lobby só pode ser útil — e é — se ele for confrontado com a vontade geral, com partidos, com alguém que tenha uma concepção. Enfim, acredito que isso é fundamental e não se resolve por lei. Ninguém vai resolver por lei quais são as ideias fundamentais ao redor das quais os grupos vão se organizar; organizam-se por meio de debates, pela organização da sociedade em geral. E, aí, os institutos partidários têm um papel importante.

E eu vejo — e vejo com satisfação — que há alguns institutos, de vários partidos que estão funcionando, estão propondo ideias, até mais do que se pensa. Assim como o Brasil vive pensando que não fizemos nada em educação, não fizemos nada nisso, nada naquilo, pensamos que também na vida política não houve nada de novo. Não é verdade. Há vários institutos propondo ideias. Muitas vezes, são até coincidentes. Os institutos são de partidos separados, mas propõem ideias que são muito convergentes. Isso também não é grave. É bom, porque os partidos podem se aliar. É preciso haver a formação de núcleos de pensamento político nos partidos.

CONCLUSÃO

A reforma política pode fortalecer a democracia no Brasil. No entanto, a reforma não pode se resumir a discussões sobre o regime eleitoral ou partidário. Os partidos são importantes na democracia, embora não sejam a única instituição para isso. Devemos defender junto ao fortalecimento dos partidos um outro tema da reforma política: a consolidação dos mecanismos de participação já previstos na Constituição, como o referendo, o plebiscito, a iniciativa popular, o Orçamento Participativo e audiências públicas.

Assim, a Reforma Política no sistema eleitoral brasileiro é necessária para o aperfeiçoamento da democracia, entretanto, não pode ser encarada como suficiente. Qualquer proposta de reforma do sistema de financiamento das campanhas deve ter como premissas básicas a quebra do status quo que historicamente perpetuou no Brasil o poder nas mãos de elites políticas conservadoras.

Como resultado desta reforma, a redução do caixa dois de campanha seria um dos principais ganhos para a democracia. Estaríamos retirando das mãos de profissionais da política o poder para definir ou limitar a participação de novos interesses nas políticas públicas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • MENDES, Gilmar. Democracia Brasileira. Maior desafio do Brasil é superar as desigualdades. In: http://conjur.estadao.com.br/static/text/33075,1; acessado em 27/09/2005.
  • CARDOSO, Fernando Henrique. Reforma Política: Prioridades e Perspectivas para a Nação Brasileira. In: http://www.mct.gov.br/CEE/revista/Parcerias6/Presidente.PDF; acessado em 28/09/2005.
  • CAMPANA, Fábio. Gazeta do Povo. edições de 10/06 e 17/07/2005.
  • Jornal “O Globo”, de 23/06/05, pág. 11.
  • Jornal “Gazeta do Povo”,  de 24/07/05.
  • WALDVOGEL, Mônica. O Estado do Paraná, 25/07/05.
  • COMPARATO, Fábio Konder; apud MENDES, Gilmar. Democracia Brasileira. Maior desafio do Brasil é superar as desigualdades. In: http://conjur.estadao.com.br/static/text/33075,1; acessado em 27/09/2005.
  • [1] MENDES, Gilmar. Democracia Brasileira. Maior desafio do Brasil é superar as desigualdades. In: http://conjur.estadao.com.br/static/text/33075,1; acessado em 27/09/2005.
  • [2] Idem, ibidem.
  • [3] CARDOSO, Fernando Henrique. Reforma Política: Prioridades e Perspectivas para a Nação Brasileira. In: http://www.mct.gov.br/CEE/revista/Parcerias6/Presidente.PDF; acessado em 28/09/2005.
  • [4] Idem, ibidem.
  • [5] Idem.

Autoria: Ido Silva Mendonça