Cultura

Tropicalismo e a Tropicália

Embora de pouca duração, o tropicalismo teria longa influência sobre a produção musical posterior. O movimento defendia uma colagem dos gêneros musicais: de vanguarda ou de massa, brasileiros ou estrangeiros.

A origem do termo “tropicália”

A ideia foi lançada num almoço em São Paulo. Caetano cantou para amigos a música ainda sem nome. O futuro cineasta Luís Carlos Barreto sugeriu chamá-la “tropicália”, nome de uma instalação de Hélio Oiticica.

Caetano, que nem conhecia Oiticica na época, não aceitou. Disse que não queria usar o nome da obra de outro artista, mas confessou mais tarde que não gostava mesmo do nome. Admitiu, no entanto, que a palavra era “pregnante” – ninguém a esquecia. E, como ele próprio não pensou em nada melhor até o lançamento do disco, a canção chamou-se “Tropicália”, que por sua vez nomearia o movimento.

Características do tropicalismo

Lançado no festival da Record de 1967, com “Alegria, alegria”, de Caetano Veloso, e “Domingo no parque”, de Gilberto Gil, o tropicalismo terminaria em dezembro do ano seguinte, quando os dois compositores foram presos após a edição do AI-5 (Ato Institucional n° 5, decretado pela ditadura militar, que endureceu ainda mais o regime político) e depois exilados.

“O tropicalismo quis e conseguiu ser uma chuva de verão que alagasse infinita enquanto durasse”, disse Capinan (1941–), um dos letristas do movimento.

O movimento propôs uma colagem de vários gêneros, arcaicos e modernos. Instrumentos tradicionais de percussão eram misturados ao som das guitarras elétricas, o bolero dialogava com um samba de roda, havia referências à cultura erudita e à de massa, tudo recriado em uma perspectiva carnavalesca, que incorporava grandes ícones, da Coca-Cola a Carmen Miranda.

Disco Tropicália
O álbum Tropicália, de 1968, sintetizou o movimento musical de mesmo nome, que durara pouco mais de um ano.

O tropicalismo não descartava nada, nem mesmo músicas consideradas de mau gosto, que eram assimiladas às vezes por meio de paródia. Havia um sentido de ruptura, cujo contraponto era uma intenção de continuidade, dando prosseguimento à “linha evolutiva” da música brasileira. “Eu tinha consciência de que estávamos sendo mais fiéis à bossa nova fazendo algo que lhe era oposto”, escreveu Caetano Veloso.

Os protagonistas do tropicalismo lançaram em 1968 um disco coletivo, Tropicália ou Panis et circenses, que resumia o espírito inovador do movimento.

Conceitualmente, o tropicalismo bebeu na fonte do “Manifesto antropófago”, do escritor modernista Oswald de Andrade (1890-1954). O texto, que completava 40 anos, propunha uma antropofagia cultural que consistia em devorar o novo europeu e recriá-lo à brasileira O tropicalismo não foi um movimento apenas musical, estando associado às artes plásticas de Hélio Oiticica (1937-1980), ao cinema novo de Glauber Rocha (1939-1981), ao teatro experimental de José Celso Martinez Corrêa (1937-) e à poesia concreta dos irmãos Augusto (1931-) e Haroldo de Campos (1929-2003).

Protagonistas do tropicalismo

Caetano Veloso

Nascido em 1942, em Santo Amaro da Purificação (BA), Caetano mudou-se para Salvador para cursar o colegial. Nessa época, aprendeu a tocar violão. Também escrevia críticas de cinema. Em 1963, enquanto cursava a faculdade de filosofia, conheceu Gilberto Gil, Tom Zé e Gal Costa. Em 1965, Caetano foi para o Rio. Em 1967, estreou com o LP Domingo, com Gal Costa. No mesmo ano, tornou-se um dos líderes do tropicalismo.

Preso em 1968, após a decretação do AI-5, exilou-se em Londres, onde continuou compondo. Em 1972, voltou ao Brasil e no ano seguinte gravou Araçá azul, um disco experimental. Em 1975, lançou dois LPs importantes. Joia e Qualquer coisa.

Um ano depois, reunido com Gil, Gal e sua imã Maria Bethânia, fez o show “Doces Bárbaros”, que daria i origem a um disco. Nos anos 1980, Caetano lançou Uns, Velô e Estrangeiro, entre outros LPs. A década seguinte foi a de Circuladô e Tropicália 2, este último com Gilberto Gil.

Gilberto Gil

Passou a infância em Ituaçu, no interior da Bahia, apesar deter nascido em Salvador, em 1942. Seu primeiro instrumento foi o acordeom. O primeiro violão ele só ganharia ao entrar na faculdade de administração.

Em 1959, formou o conjunto Os-Desafinados. Em 1965, despediu-se dos futuros tropicalistas em Salvador e foi para São Paulo trabalhar numa empresa, mas logo se envolveu com músicos. Em 1966, começou a cantar no programa O Fino da Bossa. Na sequência, junto com Caetano, deflagrou o tropicalismo. São de Gil, em parcerias, várias composições do LP Tropicália, como “Batmacumba” e “Geleia geral”.

Antes do exílio em Londres, compôs “Aquele abraço”. Na volta, apresentou canções inéditas, como “Oriente” e “Expresso 2222”. Os anos 1970 ficariam marcados pelo lançamento de Refazenda e Refavela. Nos anos seguintes, lançaria os LPs Extra e Raça humana, entre outros. Seu cancioneiro reúne músicas memoráveis: “Ensaio geral” (1966), “Soy loco porti, América” (1968), “Aquele abraço” (1969), “Super-homem, a canção” (1979), “Se eu quiser falar com Deus” (1981), “Drão” (1982), “Tempo rei” (1984), entre outras. De 2003 a julho de 2008, foi ministro da Cultura no governo Lula.

Tom Zé

De todos os tropicalistas, Tom Zé, nascido em 1936 em Irará (BA), é o que tem mais formação musical, tendo estudado com Koelreutter e Walter Smetak na faculdade em Salvador. Participou do Tropicália com “Parque industrial” e ganhou projeção com “São São Paulo, meu amor”, vencedora do festival da Record de 1968.

Com uma produção mais experimental, esteve afastado do grande público até que, em 1989, foi descoberto por David Byrne (ex-Talking Heads), responsável pelo seu sucesso no exterior e no Brasil.

Os Mutantes

O conjunto, formado em 1966 em São Paulo, teve várias formações, mas época do tropicalismo contava com os irmãos Arnaldo Baptista (1948-) e Sérgio Dias (1951-), além de Rita Lee (1947-). A banda acompanhou Caetano e Gil nos festivais, participando de gravações do grupo tropicalista.

O conjunto se desfez em 1972, com a saída de Rita Lee, mas voltaria com novos nomes. Em 2006, os integrantes originais do grupo (menos Rita, substituída por Zélia Duncan) voltaram a se reunir.

Protagonistas do Tropicalismo
Caetano Veloso, Tom Zé e Gilberto Gil.

Também foram importantes para o movimento os letristas Capinan (1941-) e Torquato Neto (1944-1972) e os maestros Rogério Duprat (1932-2006) e Júlio Medaglia (1938-).

Por: Daiany do Socorro Mendes

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