Direito

Dos Legados

1. Conceito e Disposições Gerais

O legado é a disposição testamentária a título singular, em que o testador deixa a uma pessoa, estranha ou não à sucessão legítima, um ou outros objetos individualizados ou uma quantia definida em dinheiro. Portanto, tem-se por legado uma deixa testamentária determinada dentro do acervo transmitido pelo autor da herança, por exemplo, um anel ou joias da herança, um terreno ou um número determinado de lotes, as ações de companhias ou de determinada companhia.

O legado distingue-se da herança uma vez que esta vem a ser o patrimônio do falecido, o conjunto de direitos e obrigações que se transmitem aos herdeiros legítimos ou testamentários. Portanto, a herança é uma universalidade, enquanto o legado é um ou mais bens individualizados dentro do acervo hereditário, destinado a uma determinada pessoa, sendo, por isso, uma universalidade de fato.

Só há legado se houver testamento, uma vez que é através dele que o testador exterioriza sua vontade de dispor de um ou mais bens na forma de legados, pormenorizando-os e especificando-os. A disposição é feita em favor do legatário, que é a pessoa contemplada em testamento com coisa certa, determinada, precisa e individualizada pelo testador. Insta ressaltar que prevalecerá sempre a sucessão legítima (herança) sempre que, por qualquer que seja a causa, a sucessão testamentária for nula, incompleta, falha ou deficiente.

Inexistindo herdeiros da ordem de vocação estabelecida em lei na herança, não existem impedimentos para que o testador disponha de todo o seu patrimônio na forma de legados. O que remanescer não distribuído como legado, será considerado herança.

O legado contém uma ideia de liberalidade do testador. Quando o testador atribui a alguém, por testamento, alguma coisa, é porque desejou beneficiá-lo. É, portanto, semelhante à doação, nos atos inter vivos.

Aplica-se ao legado aquilo o que se estipulou a respeito das disposições testamentárias em geral, salvo o que for, por sua natureza, exclusivo da condição de herdeiro. Sendo assim, o legado pode ser puro e simples, sob condição, para certo fim ou modo, ou por certo motivo, como reza o artigo 1.897 do Novo Código Civil, que inaugura o capítulo das disposições testamentárias.

2. Do Objeto

Pode ser objeto de um legado tudo o que for economicamente apreciável e que possa ser objeto de um negócio jurídico.

Entretanto, o testador pode estabelecer um encargo à deixa testamentária, tornando-a onerosa. Portanto, ao deixar um legado ao qual apôs-se um encargo ao legatário, havendo o aceite deste, está criado um fardo ao mesmo a cumprir a vontade do testador. Se o legatário entender que o legado lhe é prejudicial, basta não aceita-lo, não recebê-lo. Apesar de, neste caso, parecer obscura a ideia de liberalidade que traz o conceito de legado, deve esta prevalecer sempre, traduzindo em noção de vantagem patrimonial para o sucessor.

Alguns autores entendem que, se a disposição foi feita sem a intenção de gratificar, mas sim, de tornar o instituído um instrumento da distribuição de bens, este é mero intermediário da vontade do testador.

Para sanar tal dificuldade, adota-se no Brasil o conceito por exclusão: tudo o que dentro do testamento não puder ser compreendido como herança será legado. O que realmente importa é o conteúdo da manifestação de vontade do testador.

Também pode o testador determinar que o legatário entregue a terceiro coisa sua, para receber a liberalidade. Se o sucessor testamentário não desejar entregar a coisa de sua propriedade, basta que não receba a deixa. Trata-se de encargo imposto ao legatário, que também pode ocorrer com herdeiro testamentário (artigo 1.913 do Novo Código Civil).

Os legados podem vir com cláusula de inalienabilidade e as demais de índole restritiva.

3. Dos Legatários

Como já exposto acima, legatário é a pessoa destinada a receber o legado.

O testador pode destinar um legado aquele que já é seu herdeiro legítimo; trata-se aí do prelegado. Por exemplo, encontra-se dito no testamento que Heloisa receberá, além do que lhe couber em sua legítima, o imóvel “x”.

Também pode-se destinar um legado a um herdeiro exclusivamente testamentário. Por exemplo: Sabrina receberá uma fração da herança, pela qual será herdeira; mais um bem determinado, pelo qual será legatária.

Havendo, portanto, duas condições jurídicas (como nos casos acima: herdeiro necessário e legatário; herdeiro testamentário e legatário) no mesmo processo sucessório, aplica-se as duas situações jurídicas próprias correspondentes. Assim, pode o herdeiro renunciar à herança, mas aceitar o legado; e vice-versa.

Válido é o legado de pessoa determinável quando da morte do testador, mas ainda inexistente quando da feitura do ato. Se a pessoa puder ser identificada, a disposição é válida.

Nesse sentido dispõe a jurisprudência:

“EMENTA: DIREITO CIVIL. SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA. FILHOS LEGÍTIMOS DO NETO.

LEGATÁRIOS. ALCANCE DA EXPRESSÃO. INTERPRETAÇÃO DO TESTAMENTO. ENUNCIADO Nº 5 DA SÚMULA/STJ. LEGATÁRIO AINDA NÃO CONCEBIDO À DATA DO TESTADOR. CAPACIDADE SUCESSÓRIA. DOUTRINA. RECURSO DESACOLHIDO.

I – A análise da vontade do testador e o contexto em que inserida a expressão “filhos legítimos” na cédula testamentária vincula-se, na espécie, à situação de fato descrita nas instâncias ordinárias, cujo reexame nesta instância especial demandaria a interpretação de cláusula e a reapreciação do conjunto probatório dos autos, sabidamente vedados, a teor dos verbetes sumulares 5 e 7/STJ. Não se trata, no caso, de escolher entre a acepção técnico-jurídica e a comum de “filhos legítimos”, mas de aprofundar-se no encadeamento dos fatos, como a época em que produzido o testamento, a formação cultural do testador, as condições familiares e, sobretudo, a fase de vida de seu neto, para dessas circunstâncias extrair o adequado sentido dos termos expressos no testamento.

II – A prole eventual de pessoa determinada no testamento e existente ao tempo da morte do testador e abertura da sucessão tem capacidade sucessória passiva.

III – Sem terem as instâncias ordinárias abordado os temas da capacidade para suceder e da retroatividade da lei, carece o recurso especial do prequestionamento em relação à alegada ofensa aos arts. 1.572 e 1.577 do Código Civil.

IV – O Superior Tribunal de Justiça não tem competência para apreciar violação de norma constitucional, missão reservada ao Supremo Tribunal Federal”.

(STJ, Resp. n.º 203137 / PR ; Recurso Especial n.º 1999/0009548-0, Quarta Turma, Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, em 26/02/2002.)

Não existe o direito de representação entre os legatários, uma vez que só existe representação na sucessão legítima. Se o testador não nomeou substitutos para receber o legado, o objeto obedecerá às regras da sucessão legítima.

A jurisprudência consagra:

“EMENTA: TESTAMENTO – Legatário – Pré-morte – Substituição testamentária – Inadmissibilidade – Necessidade de formalização com os mesmos rigores dos atos de última vontade – Caducidade do testamento e declaração de herança jacente – Recurso não provido”. (JTJ, 185/242)

O legatário, ao contrário do herdeiro, não tem a saisine, ou seja, o ingresso na posse da coisa quando ocorre a morte do testador. No entanto, desde a abertura da sucessão, o objeto legado já pertence ao legatário que, por autoridade própria não poderá entrar na posse da coisa legada; deve, sim, reclamá-la do herdeiro, salvo se o testador, expressa ou tacitamente, lhe permite (artigo 1.923, parágrafo 1.° do Novo Código Civil).

A jurisprudência assim consagra:

“EMENTA: TESTAMENTO – Legado – Domínio da coisa legada que se incorpora ao patrimônio do legatário desde o dia da morte do testador – Deixa de ações de sociedade comercial que, operando efeitos naquela data, implica pagamento dos respectivos dividendos – Aplicação do art. 1.692 do CC”. (TJSP, RT 659/75)

4. Das Modalidades de Legado

Legado de Coisa Alheia

A regra é de que ninguém pode dispor de mais direitos do que tem. O artigo 1.912 do Código Civil de 2002 reza: “é ineficaz o legado de coisa certa que não pertença ao testador no momento da abertura da sucessão”. Portanto, se a coisa pertencesse ao autor da herança no momento da morte, ainda que não integrasse o patrimônio do testador quando da elaboração do testamento permanecia válida a disposição. No entanto, se o testador estava na posse de coisa que não lhe pertencia e dela dispôs, tal disposição é nula, porque o objeto não é idôneo. Ocorre o mesmo se quando da morte, o testador já não era titular da coisa.

O artigo 1.915 do Novo Código Civil ainda traz uma exceção ao princípio geral de disposição de coisa alheia, referindo-se a coisas determinadas pelo gênero: o legado será “cumprido, ainda que tal coisa não exista entre os bens deixados pelo testador”. O princípio a nortear é o das coisas fungíveis, em que o gênero nunca perece. É o herdeiro quem escolhe a coisa legada, nos termos do artigo 244 do Diploma Civil: “Nas coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade, a escolha pertence ao devedor, se o contrário não resultar do título da obrigação; mas não poderá dar a coisa pior, nem será obrigado a prestar melhor”.

O testador pode, também, determinar que alguma coisa que não lhe pertença seja adquirida e entregue ao legatário. Por exemplo: o testador dispõe que o herdeiro adquira um imóvel “x” com as forças da herança e sob a forma desse imóvel se entrega o legado. Trata-se de um encargo válido, uma vez que o testador pode até mesmo determinar a conversão dos bens da legítima. Sendo a coisa de difícil aquisição, busca-se a vontade do testador, já que nossa lei é silente: se pode ser adquirido um similar ou equivalente em dinheiro, ou se perde a eficácia a disposição.

Perecendo a coisa somente em parte, só a parte existente valerá, reduzindo o legado à parte possível. A este respeito tratam os artigos 1.914, 1.916 e 1.917 do Código Civil.

Porém, se a coisa foi mudada do local indicado, vê-se um problema. Se o próprio testador a mudou, torna-se ineficaz a disposição. Se o testador não sabia da mudança, a disposição deve valer.

Se o testador deixasse a coisa ao legatário, mas já em vida doasse ao próprio beneficiário, ou a mesma já a este último pertencia, não haveria eficácia possível na cláusula. Sem objeto a disposição é nula. A dificuldade reside no caso da coisa ter sido transferida em vida de forma onerosa. Deve-se, mais uma vez, privilegiar a vontade do testador, examinando o caso concreto.

Legado de Usufruto e Direitos Reais Limitados

A única disposição sobre o legado de usufruto que traz o Código Civil encontra-se no artigo 1.921: “O legado de usufruto, sem fixação de tempo, entende-se deixado ao legatário por toda a sua vida”.

É possível que o testador legue o usufruto a um legatário, permanecendo a nua-propriedade com o herdeiro ou com outrem. Da mesma forma ocorre com os direitos reais de uso e de habitação. Podem ser vários usufrutuários sobre o mesmo legado. Não se fala em usufruto, direito real de uso e de habitação sucessivos.

Como acima mencionado, o legado de usufruto presume-se vitalício para o legatário, se não houve outra fixação de prazo, extinguindo-se com a morte do usufrutuário, não podendo este transmitir o direito. O legado de usufruto só pode recair sobre bens determinados (coisa singular) e sobre a universalidade (disposição sobre fração do acervo), sendo a conservação do bem de exclusiva responsabilidade do legatário.

Legado de Imóvel

Legado um imóvel, após o testamento, se houver acréscimo nessa propriedade, tal não se compreende no imóvel legado, como dispõe o artigo 1.922 do Código Civil de 2002: “Se aquele que legar um imóvel lhe ajuntar depois novas aquisições, estas, ainda que contíguas, não se compreendem no legado, salvo declaração em contrário do testador”. O parágrafo único do mesmo artigo trata das benfeitorias necessárias, úteis ou voluptuárias: “Não se aplica o disposto neste artigo às benfeitorias necessárias, úteis ou voluptuárias feitas no prédio legado”.

A jurisprudência entende que o a vontade do testador deve prevalecer, senão vejamos:

“EMENTA: TESTAMENTO – QUINHÃO – VONTADE DO TESTADOR. Na interpretação de cláusula testamentária, deve-se buscar a vontade do testador, a teor do art. 1.899, do NCC. Se o testador quis conferir ao legatário determinada parte de um imóvel rural, onde fica a sede da Fazenda, não importa tal benesse em lhe contemplar com todo o imóvel, ou com maior quinhão que os demais herdeiros”. (Agravo (C. Cíveis Isoladas) n.º 1.0123.02.002867-6/001 – Comarca de Capelinha/MG – Rel. Exmo. Sr. Des. Edivaldo George dos Santos, em 17/02/2004.)

Com isso, o legislador quis transmitir a ideia de que o bem seja entregue tal como se ache quando da morte do testador. Se o testador deixa a alguém um terreno como legado e depois constrói sobre ele, desejou que esse acessório se inserisse no legado. O acessório segue o principal. Insta lembrar que construção, tecnicamente, não é benfeitoria. Trata-se de acessório do solo.

Se, ao se referir na disposição a imóvel o testador mencionar a casa, presume-se que no legado inclui-se tudo o que nela estiver, mobília, baixelas etc.

Legado de Alimentos

A única definição legal de alimentos encontra-se no capítulo do direito das sucessões, no artigo 1.920 do Novo Diploma Civil: ”O legado de alimentos abrange o sustento, a cura, o vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor”. É um legado de prestações periódicas. A prevalência deve ser da vontade do testador que, interpretada, pode ensejar que o legado de alimentos seja mais amplo ou mais restrito do que o expresso no artigo supramencionado. Porém, não havendo tal distinção, o artigo determinou o alcance de um legado de alimentos.

Além da vontade do testador, deve-se levar em conta as forças da herança para a fixação do valor do legado de alimentos, se o testador não dispôs sobre o quantum. A periodicidade, o termo e a condição dependerão da vontade do autor da herança. O legado de alimentos constituirá ônus real se for expressamente vinculado a um imóvel, podendo o juiz, no silêncio do testador, apontar um imóvel para produzir os alimentos. Ressalta-se que os alimentos só podem sair da parte disponível do testador.

Como ocorre no direito de família, os alimentos podem ser in natura. Por exemplo: o testador pode determinar a um herdeiro que forneça hospedagem e sustento ao legatário. Em cada caso haverá um estudo da forma de se atender a vontade do testador.

Por ter caráter de subsistência, o legado de alimentos insere-se entre os bens impenhoráveis sendo, no entanto, penhoráveis se o testador fixa um rendimento ou um pagamento periódico ao legatário, rotulando-o de alimentos, mas o beneficiário tem plenas condições de subsistência. Conclui-se que não é concebível o pagamento de alimentos sem a necessidade destes.

Os alimentos são irrenunciáveis e intransferíveis, conforme a natureza das prestações alimentícias em geral.

Legado de Crédito

É o legado que tem por objeto um título de crédito, transferido pelo testador ao legatário (artigo 1.918, § 1.° do Novo Código Civil), e que alcançará a quantia do crédito existente na abertura da sucessão, mais juros vencidos desde a morte do testador, a menos que haja declaração em contrário neste sentido.

Deixando o testador um crédito para um determinado legatário, não há necessidade de o devedor concordar com a transferência da titularidade do credor porque, o que lhe compete, é adimplir a obrigação que assumiu com o ato jurídico.

Outra forma de legado de crédito é a quitação de dívida. O testador, se for credor do legatário, no testamento dá-lhe quitação. Opera-se como se o como se o testador tivesse recebido o pagamento, como em uma remissão de dívida. Se o legatário, quando da morte do testador, já pagara parte do débito, a quitação é somente do saldo remanescente. Sobre o assunto, dispõe o artigo 1.918, caput do Código Civil de 2002: “O legado de crédito, ou de quitação de dívida, terá eficácia somente até a importância desta, ou daquele, ao tempo da morte do testador”. Portanto, a dívida consolida-se na data da morte. Este legado não compreende as dívidas posteriores à data do testamento, como reza o § 2.° do artigo 1.918 do Código Civil. Porém, o testador pode fazer menção expressa a futuras dívidas.

O legado de crédito caduca se o legatário nada dever ao testador (no caso de quitação de dívida), ou se o terceiro nada dever ao testador (no caso de crédito legado ao legatário). Ocorre o mesmo se, quando da morte, o testador já houver recebido seu crédito, salvo vontade expressa em contrário.

Não haverá compensação automática de dívidas quando há legado de crédito, como dispõe o artigo 1.919 do Código Civil de 2002. Não havendo disposição expressa nesse sentido, o legatário continuará obrigado para com o espólio e este para com o legatário. Sobre a compensação pode haver transação entre as partes (espólio e legatário) já na contagem da partilha. Também, por esse mesmo dispositivo, subsistirá o legado de crédito se o testador contraiu dívida posterior ao testamento e a solveu antes de morrer.

O testador pode confessar uma dívida inexistente, fazendo o legado de seu valor. Pode ter razões morais para isso, por exemplo, pode ser seu desejo que os herdeiros não especulem o motivo desse legado. Trata-se do chamado legado de dívida fictícia, não tratado expressamente pela lei. Equivale este legado a um legado puro e simples, devendo ser cumprido o pagamento pelo herdeiro. Havendo prova de que não existe a dívida e não havendo forças na herança, não só caduca o legado como também não tem o pseudocredor ação de cobrança contra o espólio.

O testador pode deixar como legado um bem que não esteja totalmente pago, como, por exemplo, um imóvel cujo preço vem sendo amortizado em prestações. No silêncio da vontade, entende-se que cabe ao legatário prosseguir nos pagamentos. Por isso, é um legado com encargo, podendo o legatário optar se aceita ou não. A obrigação de pagar as prestações inicia-se com a morte do testador. Da mesma forma ocorre com o bem onerado com hipoteca ou penhor.

Como dispõe nossa jurisprudência:

“EMENTA: Apelação. Testamento cerrado. Imóvel dado em legado. Apartamento que ainda estava em construção ao tempo da elaboração do testamento e do falecimento do testador. Dívidas pendentes, relativas à construção do imóvel objeto do testamento. Ausência de disposição expressa no testamento, a respeito da responsabilidade do espólio pelas dívidas atreladas ao imóvel, e existentes ao tempo do falecimento do testador. Impossibilidade de se efetuar interpretação do testamento de forma a beneficiar o legatário. Responsabilidade pelo débito referente ao imóvel que deve ser atribuída ao legatário. Faculdade deste de aceitar ou não o legado”. (Apelação Cível n.º 1.0701.02.017767-4/001 – Comarca de Uberaba/MG – Rel. Exmo. Sr. Des. Jarbas Ladeira, em 15/02/2005.)

No caso do legado de posição contratual por testamento, a substituição da parte no contrato está condicionada da independência da aquiescência do outro contratante. Tal questão deve ser dirimida no direito obrigacional.

A hipótese da transmissão de direitos de compromissário-comprador de imóvel, por disposição testamentária, nos termos do Decreto-Lei n.° 58/37, com ou sem quitação, é possível, assim como ato entre vivos, porque a lei permite o trespasse do compromisso, independentemente do consentimento do cedido (o promitente vendedor) e até mesmo contra a sua vontade. Há, neste caso, a sub-rogação legal na relação contratual.

Conclui-se que o legado de crédito é uma transferência ao legatário do produto de um crédito, do qual é devedor um terceiro ou o próprio agraciado. Podem ser objeto dessa deixa um só ou vários créditos. Com isto, o legatário passa a ser titular do crédito, podendo exercer todas as ações cabíveis para cobra-lo. Se quando da morte do testador não existir mais o crédito, o legado insubsiste por falta de objeto.

5. Efeitos dos Legados e seu Pagamento

O herdeiro terá a aquisição e posse dos bens da herança no momento da morte, pela saisine. O legatário deve pedir o legado aos herdeiros. A partir da morte do autor da herança, surge o “direito de pedir”, já que ele não tem a posse da coisa legada.

De acordo com o disposto no artigo 1.923 do Código Civil, o legatário, em legado puro e simples, ou em coisa certa, como aduz o atual diploma, tem o domínio da coisa, com a abertura da sucessão. A morte é o título que transfere a propriedade. O momento ideal para o legatário entrar na posse é a partilha. O testamenteiro, encarregado de executar a vontade testamentária, deverá tomar a iniciativa das providências necessárias para a entrega do legado.

Para a entrega do legado, no juízo do inventário, serão ouvidos todos os interessados e pago o tributo se houver, sendo-lhe deferida a passe. A lei confere ao legatário, portanto, ação para pedir a coisa, se reivindicá-la. A ação é reivindicatória, no caso de recusa. O herdeiro, ou quem detiver a coisa, não pode ser coercitivamente obrigado a entregá-la no processo de inventário. Havendo recusa, a ação deve ser contenciosa. Não se decidem questões de alta indagação no inventário.

O testador pode determinar que o legatário entre imediatamente na posse da coisa. Enquanto o legatário não tiver contato direto com a coisa, cuja entrega pode até mesmo ser determinada pelo juiz no inventário, estará ele no gozo da posse indireta. Enquanto não tiver a posse, não tem o legatário legitimidade para as ações possessórias. É possível, no entanto, que o legatário ingresse com medidas acautelatórias para impedir a deterioração ou desaparecimento das coisas legadas.

É possível que o legatário renuncie expressamente ao legado. A renúncia em favor de alguém é cessão. Deverá ser incondicionada. Nesse caso, chama-se o substituto, ou o legado vai para o monte da herança. Se forem vários os legados atribuídos a um mesmo legatário, pode ele aceitar uns e não aceitar outros. Não pode ocorrer a aceitação parcial de um mesmo legado.

A transcrição de um imóvel legado no registro competente no curso do inventário não altera o domínio do legatário, uma vez que o bem é seu desde a abertura da sucessão. Com o registro alcança a plenitude do efeito erga omnes, evitando a ação dolosa de terceiros.

5.1 Quem Efetua o Pagamento dos Legados

O testador pode designar algum, ou alguns, dos herdeiros para fazer o pagamento. Só os designados responderão pelo pagamento. No caso de omissão do testador, o cumprimento dos legados incumbe aos herdeiros e, não os havendo, aos legatários, na proporção do que herdaram.

O pedido de entrega pode ser feito ao testamenteiro, quando estiver na posse dos bens, como administrador e inventariante. É função do testamenteiro tudo fazer para executar o testamento.

Cada herdeiro responderá proporcionalmente pelo que o herdeiro ou legatário pagar de seu legado ou herança àquele que se denomina “sublegatário” (artigo 1935 do Código Civil de 2002). O herdeiro, a quem incumbe entregar coisa sua, pode não fazê-lo, e não será obrigado a tal, como vimos, presumindo-se nesse caso que renunciou à herança (ou ao legado, em caso de sublegado). Enquanto não terminado o inventário, não é exigível o legado, mesmo que o testador determine o contrário, porque a herança pode não ter forças para pagá-lo. O legado deve ser entregue no estado que se encontrava quando da morte. Se houver perda ou deterioração, após a abertura da sucessão, caberá a apuração da culpa para se indenizar o legatário.

5.2 Efeitos dos Legados e seu Pagamento

Se houver litígio acerca da validade do testamento, não pode o legatário pedir o legado. Se o testamento for nulo, não há legado. A mesma solução é aplicável aos legados a prazo ou condicionais enquanto penda a condição ou prazo não se vença. Se não houver implemento da condição suspensiva, o direito não é exercitável. Se a condição se frustrar, não haverá mais legado. Se o litígio versar sobre a validade ou interpretação de cláusula do testamento, é evidente que, enquanto não se resolver definitivamente a questão, não pode o legatário pedir o legado referente à cláusula sub judice.

No legado condicional, ou a termo, só há que se falar em juros após o implemento da condição ou advento do termo. O legatário deverá interpelar o devedor. A citação para entrega da coisa equivale à constituição em mora. Esta também pode ser do legatário, se já pediu o legado, caso a coisa tenha sido colocada a sua disposição. A ação é de consignação em pagamento.

O legado de pensão ou renda vitalícia só pode iniciar a partir da morte do testador. Antes da morte, não há herança e muito menos legado. Os períodos de pagamento fixados pelo testador são contados a partir da morte.

Os artigos 1.930 a 1.933 do Código Civil referem-se ao caso de escolha dos legados. Deve estar claro que sempre prevalecerá a vontade do testador. O legatário não poderá escolher o melhor entre os bens designados. Caso o legado seja alternativo, presume-se deixa ao herdeiro a opção. Se quem tiver a opção, herdeiro ou legatário, falecer antes de sua efetivação, o direito de escolha passa aos respectivos herdeiros.

O artigo 1938 do atual Código Civil determina que se apliquem os princípios relacionados com os encargos na doação aos legados com encargo. O legatário é obrigado a cumprir o encargo, podendo ser acionado para tal. O Ministério Público tem legitimidade para propor a ação para efetivação do encargo se for de interesse público. Podem mover também a ação qualquer herdeiro ou legatário interessado e o beneficiário com a realização do encargo. O testamenteiro também pode mover a ação, já que lhe compete zelar pela validade e execução do testamento. Pode ser revogado o benefício por descumprimento do encargo, dependendo de sua natureza. O encargo é próximo a condição. Se anulado o legado por descumprimento do encargo, a deixa vai ao substituto, se houver, ou devolve-se ao monte hereditário.

5.3 Caducidade dos Legados

O Código Civil apresenta hipóteses sob o título de caducidade dos legados precisamente para demonstrar as situações nas quais o legado perde sua força, seu vigor, deixando de ter eficácia, não podendo ser tido como tal, desaparecendo, enfim, como deixa testamentária.

A caducidade dos legados pode estar ligada à própria coisa legada ou ao legatário, e havendo a caducidade do legado, o bem apontado permanece na massa hereditária. Assim, conforme o artigo 1.939 do Código Civil, um legado sob condição suspensiva, uma vez frustrado o implemento da condição, esta caduco, não mais poderá ser atribuído. Da mesma forma, num legado a termo, o legatário não é titular da coisa enquanto não ocorrer o advento do termo. Se o beneficiário falece antes do termo, também há caducidade do legado.

Ainda, existem situações de caducidade fora da enumeração do artigo 1.939. Na falta de manifestação expressa do testador sobre o destino do objeto, uma vez caduco o legado, o bem volta à massa hereditária, para atribuição regular aos herdeiros. O testador pode prever a caducidade e estabelecer outro destino para a coisa. A caducidade só atinge determinada cláusula testamentária, não maculando o testamento.

5.4 Modificação da Coisa Legada

O inciso I do artigo 1.939 diz que o legado caducará se depois do testamento, o testador modificar a coisa legada, a ponto de já não ter a forma, nem lhe caber a denominação que possuía. O que se presume é quê se o testador transformou tão profundamente a coisa é porque não deu mais importância ao legado. Tudo vai ocorrer, porém, ao exame da vontade do testador.

De qualquer forma, se a transformação ocorrer por caso fortuito, ou por terceiro à revelia do testador, e ainda puder ser identificada a coisa, o legado será eficaz.

5.5 Alienação da Coisa Legada

O inciso II do artigo 1.939 diz que caducará o legado “se o testador, por qualquer título, alienar no todo ou em parte a coisa legada; nesse caso, caducará, até onde ela deixou de pertencer ao testador”. Presume-se que se o testador alienou a coisa, não desejou que o legado operasse.

Caso a alienação for dada como nula, entende-se que persiste o legado se a causa da anulação afeta diretamente a vontade do testador. Se houve vontade do testador em alienar e a anulação se deu por outra causa, estará esvaziado o legado.

5.6 Perecimento ou Evicção da Coisa Legada

No inciso III do artigo 1.939, dispõe a lei que caducará o legado se a coisa perecer ou for evicta, vivo ou morto o testador, sem culpa do herdeiro ou legatário incumbido do seu cumprimento.

Nesse caso, deixa de existe legado por falta de objeto. Como é o herdeiro quem normalmente deve entregar o legado, este caducará se o perecimento ocorrer sem sua culpa. Pode não ser o herdeiro o encarregado de entregar a coisa, mas sim outro legatário. A situação de culpa se aplica ao legatário. Se o legado pereceu por culpa de terceiro não há caducidade.

Se o perecimento for só em parte, persiste o legado no remanescente, sem prejuízo das perdas e danos.

O artigo 1.940 traça norma específica a respeito, sempre suplementar a vontade do testador, tratando igualmente do legado alternativo: se o legado for de duas ou mais coisas alternativamente, e algumas delas desaparecerem, subsistirá quanto às restantes.

Com relação à evicção, caduca o legado porque o testador não tinha direito à coisa legada. O objeto não era idôneo. A coisa evicta se equipara a coisa alheia. A evicção é a perda da coisa por decisão judicial, que a declara pertencer a terceiro. Pouco importa que a evicção ocorra antes ou depois da morte do testador.

5.7 Caducidade por Indignidade

O excluído da sucessão por indignidade não pode ser herdeiro ou legatário. Qualquer herdeiro ou legatário que tenha interesse na herança pode mover ação de exclusão por indignidade. Há que se presumir que, se o testador não perdoou o legatário indigno, não desejou que o mesmo o sucedesse.

5.8 Caducidade pela Pré-morte do Legatário

Não há legado se o legatário morrer antes do autor da herança, simplesmente por que não há transmissão causa mortis. Não há legado por falta de sujeito. O objeto do legado se devolve ao monte. Não há direito de representação para os legatários.

6. Direito de Acrescer entre Herdeiros e Legatários

6.1 Conceito

Na sucessão legítima, se houver um único herdeiro, este em entrará na posse e propriedade da universalidade de toda a herança logo no momento da morte. Se há mais de um herdeiro a herança será divida proporcionalmente entre eles. Em caso de haver descendente pré-morto, embora a lei não o diga, a quota que a ele caberia acresce aos demais do mesmo nível, na mesma classe, que vão receber uma parte maior no monte (admitindo-se a hipótese de não haver representação).

Na renúncia da herança, o herdeiro é tratado como se nunca tivesse existido, de modo que sua quota acresce aos demais da mesma classe (artigo 1.810 e 1.859 do Diploma Civil). Aqui, o Código expressamente fala em “acrescer”. Não se representa herdeiro renunciante, como ocorre com o indigno (artigo 1.816 e artigo 1.599 do Novo Código Civil), que é tratado como se morto fosse.

No âmbito da sucessão testamentária, pode ocorrer que o testador tenha instituído vários herdeiros, não lhes dividindo a quota. Ou que tenha instituído legatário sobre o mesmo bem. Surgirá a questão de saber como ficará a parte do herdeiro inexistente, ou que não possa ou não queira suceder. Para isso, o Código traça regras acerca do direito de acrescer.

A primeira regra a ser fixada é a do exame da vontade do morto. Sua vontade deve ser obedecida. As disposições do Código são unicamente supletivas da vontade do testador.

A segunda regra é observar que, se o testador silencia e nomeia dois ou mais herdeiros ou legatários, sem discriminar sua quota ou porcentagem na herança ou no objeto legado, aos sucessores remanescentes se acresce o benefício. São as chamadas disposições cumulativas.

Em conclusão, o direito de acrescer tem lugar quando, sendo vários os herdeiros ou legatários nomeados pelo testador, na falta de um deles (por renúncia ou incapacidade), seu quinhão acresce aos outros. Os problemas só surgirão quando o testador não for suficientemente claro.

Há que ser ressaltar que não havendo disposição conjunta no testamento e inexistindo sujeito para a deixa testamentária, ou há substituição, aposta pelo testador, ou devolve-se a porção hereditária ou o legado ao monte, para seguir o destino da vocação legítima.

A ideia do acrescimento concentra-se na existência de dois ou mais aquinhoados, na mesma disposição. É o que decorre dos artigos 1.941 e 1.942 do Código Civil.

A falta do herdeiro ou legatário é fato inesperado para o testador, tanto que não fez previsão. Contudo, quando da abertura da sucessão, o direito já está materializado pela falta de um dos co-sucessores. Na duvida, se há ou não direito de acrescer, propende-se para a sua existência. Se há dúvida entre acrescimento ou substituição, deve concluir pela substituição, que normalmente é a mais comum e menos caprichosa no testamento. Como sempre, porém, vai preponderar a vontade do testador. Pode ele expressamente proibir o direito de acrescer.

Muito se discute acerca da natureza desse direito de acrescer. Vale ressaltar que o fenômeno do acréscimo também só ocorre em disposições conjuntas e no mesmo testamento. Continua a ser uma forma supletiva da vontade do testador, sua vontade presumida em lei.

6.2 Direito de Acrescer Entre Co-Legatários

Ao expressar seu ato de última vontade, o testador pode indicar vários herdeiros ou legatários para, coletivamente, receberem a herança ou o legado. Assim, se ocorrer ausência de aceitação por causa de falecimento antes da abertura da sucessão, ou renúncia da parte ideal ou exclusão da sucessão de um dos herdeiros ou legatários, dar-se-á a transferência dos bens do de cujus para os sucessores da outra classe.

Assim, acrescer é o direito conferido ao co-herdeiro ou co-legatário de receber o quinhão de outro co-herdeiro ou co-legatário que não quis ou não pôde recebe-lo, tendo sido todos, conjuntamente, chamados a receber a herança ou o legado em quotas determinadas.

Enfatize-se que somente ocorre o direito de acrescer entre herdeiros e legatários no caso de nomeação conjunta, sem que haja a determinação da porção de cada um dos co-herdeiros ou co-legatários.

O legatário, bem como o herdeiro, não pode, em princípio, renunciar ao objeto do direito de acrescer. Cindir-se-ia o legado. O atual Código introduz redação no artigo 1.945 do Código Civil, proibindo o beneficiário do acréscimo de repudiá-lo separadamente da liderança ou do legado. No entanto, poderá repudiar o acréscimo na hipótese deste chegar-lhe com encargos especiais. Não se podendo identificar o beneficiário do encargo, ou não podendo ou não querendo este receber o acréscimo, este deve ser atribuído ao monte hereditário, distribuindo-se aos co-herdeiros.

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