Filosofia

Luta de Classes

Para o sociólogo e economista alemão Karl Marx, até hoje um ícone nessas duas áreas, a história das sociedades civilizadas, em qualquer época, pode ser reduzida ao que o estudioso germânico chamou de luta de classes.

A relação de oposição entre, como disse muito antes Maquiavel, aqueles que “dominam” e os que “não querem ser dominados” é uma tônica entre as relações humanas em diversos períodos da história. De um lado, temos imperadores, reis, chefes tribais, caciques, suseranos, presidentes e ditadores. De outro, vemos escravos, servos, plebeus, contribuintes, colaboradores e a população em geral.

A partir de uma perspectiva sócio-histórica, o pensamento sociológico de Karl Marx revela uma sociedade que esconde (às vezes de forma velada, outras de forma escancarada) uma divisão fundamental entre o capital e o trabalho. Ou seja, entre aqueles que detêm os meios de produção e aqueles que fazem uso desse capital, em geral em prol do proprietário desses meios.

A ideia da luta de classes não foi exatamente “criada” por Marx. O sociólogo emprestou a teoria de diversos outros autores, em especial de uma visão de luta contra a opressão que se fazia sentir na Europa desde a Revolução Francesa.

Com base nessa constatação Marx criou a égide da “luta operária” – o desenvolvimento de um socialismo que não viesse de cima, das lideranças, mas que emanasse dessa classe historicamente oprimida.

Sua teoria social da autoemancipação era complementada por elementos oriundos do trabalho de socialistas franceses. De Saint-Simon (1760-1825), retirou a noção da “classe mais numerosa e mais empobrecida”.

A concepção de “luta de classes” já estava presente entre outros revolucionários — republicanos, jacobinos, como Graccus Babeuf, Théodore Dézamy e Louis Auguste Blanqui; utopistas, anarquistas, tais como Étienne Cabet, Pierre Leroux e Pierre-Joseph Proudhon, que já organizavam os trabalhadores franceses sob a bandeira da luta entre o trabalho e o capital. E, mesmo antes disso, gregos e outros povos já admitiam ideais próximos do socialismo, em suas épocas e com as devidas reservas.

Todos compartilhavam da ideia de que uma luta e transição, vitoriosa, para uma sociedade onde o poder era originário nos oprimidos seria uma sociedade mais igualitária. Porém, a essas teorias Marx acrescentou o conceito de alienação, investigando os mecanismos de alienação no processo de produção e apropriação econômica de mais-valia – ou seja, as ferramentas do opressor para garantir a permanência do oprimido.

Engrenagens da história

A luta de classes é o motor da história. A própria civilização foi erguida sobre as vicissitudes e os benefícios da luta de classes e da contraposição dos dominantes e dominados. A modernidade, sob a égide do tão criticado capitalismo, é marcada por uma luta de classes diferente em alguns aspectos. Agora há uma luta entre proprietários e consumidores.

Para que o sistema capitalista funcione, entre outras coisas, uma parcela da sociedade precisa ser expropriada de suas terras e de seus meios de produção. Dentro dessa lógica, o trabalho torna-se a moeda de troca para a conquista ou a recuperação dessa propriedade.

Assim sendo, segundo a defesa de Marx, a única forma de trocar valor para a classe operária é fazendo uso de seu próprio trabalho. Ao comercializar o seu próprio trabalho junto àqueles que controlam os meios de produção, o ser humano comum aufere rendimentos suficientes para manter-se. Contudo, no olhar de Marx, o trabalhador recebe apenas uma parte do “quanto vale” o seu trabalho.

À diferença entre o real valor do trabalho e aquele de fato remunerado ao trabalhador Marx denomina mais-valia. Ou seja, a origem do lucro das classes que detêm os meios de produção. Marx, exposto à realidade da Segunda Revolução Industrial, estabelece a figura do “capitalista” como sendo o detentor dos meios de produção e beneficiário da mais-valia. Entretanto, nas relações posteriores de trabalho, podemos colocar em seu lugar o latifundiário, o gestor ou até mesmo o próprio Estado, uma vez que esse, enquanto empregador e proprietário de autarquias e estatais, também aufere mais em impostos do que remunera seus colaboradores.

E quanto à alienação?

E o que é, então, a alienação? Em primeiro lugar, precisamos estar cientes de que o trabalho em si, como “produto” intrínseco a qualquer ser humano, só é útil à medida que empregue os meios de produção dispostos pelo capitalista, e ao mesmo tempo sirva aos objetivos daqueles que controlam a produção.

Algumas vezes, aquilo que de fato produzimos com o nosso trabalho faz sentido. Contudo, na maioria das circunstâncias, o produto final do nosso trabalho nos é estranho. Como todos os conceitos filosóficos, a alienação de Marx é um processo passível de interpretações, mas pode ser resumido à inconsistência existente entre o produtor e o produto – uma sensação de estranhamento.

O homem por sua vez, oprimido pelo produto, cuja importância supera a do próprio produtor, começa a se transformar. Ele começa a idolatrar o produto – a única esfera de valor mensurável para sua própria força de trabalho – no conceito de Marx apelidou de fetiche.

Muitos desses conceitos críticos sobre a economia burguesa encontram-se na obra mais conhecida de Marx, O Capital: Crítica da Economia Política (1867), em colaboração com Engels. Uma delas, em especial, merece nossa atenção, por lidar com um conceito importante para a sociologia: o de ideologia.

Ideologia

Todos sabemos o que é ideologia, mas o conceito desse termo sob o materialismo dialético de Marx é muito particular. A ideologia, para Marx, é o pilar central que promove e estabelece a manutenção das classes dominantes.

O enfraquecimento das pessoas “comuns” por meio da ocultação ou alteração da própria história, seja pela violência ou simplesmente através do discurso, ocorre num âmbito do pensamento. Não é apenas uma mentira ou ilusão – é uma transfiguração do mundo como um todo. Sob a influência da ideologia, todos veste um par de óculos que diz a “verdade”.

Vemos o trabalho como algo que nos garante sobrevivência financeira, e então nos submetemos aos sofrimentos e mazelas que ele pode causar. Vemos o Estado como uma força imbatível e as grandes empresas como entidades dotadas de certeza e segurança, e então acabamos por nos submeter.

A ideologia racionaliza os absurdos e as incongruências do mundo real – especialmente para as classes oprimidas – ocultando as verdadeiras razões das classes dominantes e, por que não, criando argumentos e razões quase filosóficos e “verdades”

No entanto, uma das chaves para os trabalhadores saírem de sua situação de alienados, explorados e expropriados, ao menos conforme a óptica apaixonada de Marx, é a tomada de consciência dessa própria situação como um fato histórico. Em outras palavras: as razões dos dominantes são fatos. E fatos são incontestáveis. A luta idealizada por Marx contra esses valores e uma forma de transformar a história e trazer a razão para o presente é o que convergiu finalmente no comunismo.

A conversão de Marx ao comunismo se dá por meio de sua ruptura com a pequena-burguesia liberal, nas lutas contra a censura e perseguição política na Alemanha e na participação, ainda em 1843, na Liga dos Justos, que posteriormente transformou-se em Liga Comunista, em 1947, na França, passando de uma organização operária clandestina para a ação pública. Os inumeráveis levantes de trabalhadores que se deram nestes anos marcaram toda uma geração. Logo vemos na obra de Marx o impacto que tiveram esses movimentos sociais.

Por: Carlos Artur Matos

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