Filosofia

Penso, Logo Existo – Discurso do Método

O filósofo René Descartes estabelece condições para que uma proposição seja verdadeira e certa. Na proposição “Penso, logo existo“, o que lhe assegura clara e intuitivamente que ela é verdadeira é o fato de que, para pensar, é necessário existir.

A partir desse ponto, ele obtém um critério geral para admitir qualquer coisa como verdadeira: que seja concebida clara e distintamente e que não possa ser confundida com nenhuma outra. Entretanto, ele considera que há alguma dificuldade em identificar quais ideias são concebidas de forma distinta. Esse problema, Descartes o resolve na sequência do Discurso.

Descartes, Discurso do método, quarta parte

“Depois disso, considerei em geral o que é necessário a uma proposição para que seja verdadeira e certa. Pois, uma vez que acabara de encontrar uma que eu sabia ser precisamente assim, pensei que devia saber, também, em que consiste essa certeza. E, tendo observado que na proposição penso, logo existo nada há que me assegure estar dizendo a verdade, e vendo com clareza que para pensar é necessário existir, julguei que poderia considerar regra geral que as coisas que concebemos muito clara e distintamente são todas verdadeiras e que somente há alguma dificuldade em perceber bem quais são as que, de fato, concebemos distintamente.”

Explicação do texto

Descartes orienta o Discurso do Método no sentido de buscar uma certeza que sirva como fundamento para um método universal do saber. Extrai esse método da matemática e reclama uma evidência, uma verdade intuitiva (cabe destacar que, para Descartes, “intuição” significa apreender diretamente as verdades que Deus colocou na mente humana) por meio da qual seja possível deduzir qualquer outra verdade. Essa certeza deve ser uma verdade evidente, clara e distinta: aquela que, para o filósofo, foi implantada na mente por Deus.

A busca da evidência encontra-se intimamente ligada à dúvida metódica: no momento em que a primeira for encontrada, a dúvida desaparece, Antes disso, porém, a dúvida é soberana. Por isso Descartes questionou a veracidade dos dados percebidos pelos sentidos, a distinção entre o sonho e a vigília, introduziu as hipóteses de um gênio maligno e de um deus enganador que lhe desse a ilusão de um mundo que, de fato, não existe.

Estátua de um pensador de Rodin.
Le Penseur – Auguste Rodin

Depois de examinar com atenção cada problema colocado pela dúvida, Descartes concluiu ser irrefutável o fato de que, se ele está pensando, é porque existe. Mesmo que tudo aquilo que o rodeia possa ser enganoso, é certo o fato de que ele está pensando. E, quando pensa, ele existe. Esse argumento mostra que há ao menos uma verdade de que é impossível duvidar, penso, logo existo.

O processo da dúvida termina com a descoberta, por parte do filósofo, de que ele é uma coisa (uma substância) que pensa. Descartes utilizou uma ferramenta metodológica para alcançar essa meta: não se trata da conclusão de um silogismo, mas de uma verdade apreendida de imediato pela mente. A partir daí ele descobriu outras verdades igualmente evidentes: a existência da substância extensa (matéria) e da substância infinita (Deus).

O conceito de substância é fundamental no pensamento cartesiano e difere da concepção aristotélica. Para Descartes, a substância é como “uma coisa que existe de tal maneira que não tem necessidade de outra coisa, a não ser de si mesma, para existir”. No sentido próprio, o termo se aplicaria apenas a Deus, substância infinita, causa de si mesmo; mas pode-se estendê-lo às criaturas finitas, que dependem de Deus para existir, e que seriam compostas por dois tipos de substâncias distintas e irredutíveis uma à outra: a substância pensante (res cogitans) e a substância extensa (res extensa). Essas duas substâncias distinguem-se por seus atributos próprios: a substância pensante pelo atributo pensamento, que se dá, por exemplo, pelos modos do sentimento e da imaginação (desde que se entenda sentimento não como derivado dos órgãos sensoriais, mas como a representação do sentir não são os sentidos e a imaginação que conhecem, mas o entendimento). Já a substância extensa tem por atributos a extensão, o movimento e a figura.

Essas concepções fundamentam a metafísica da modernidade que, por sua vez, serve de base para a nova física. Enquanto Aristóteles, ao definir a substância, examina as essências e considera as qualidades dos corpos, Descartes distingue radicalmente a res extensa da res cogitans, separando o psíquico do físico. Nesse sentido, o mundo da pura extensão poderia ser abordado pela matemática. A importância da metafísica fica patente em Descartes quando ele afirma, nos Princípios da filosofia: “Toda a filosofia é como uma árvore, cujas raízes são a metafísica, o tronco é a física e os galhos que saem do tronco são as demais ciências, reduzidas a três principais: a medicina, a mecânica e a moral”.

Contextualização e influência posterior

O Discurso do método, de Descartes, foi publicado em Leiden, nos Países Baixos, em 1637, com a Dióptrica, os Meteoros e a Geometria, formando com eles um único volume. Surpreendentemente, esses textos foram escritos em francês, considerado língua vulgar numa época em que a língua culta, oficial, era o latim.

Descartes inaugurou a modernidade com uma intenção clara: abandonar o pensamento medieval centrado em Deus, que concebia o homem e o mundo como manifestação da grandeza do criador. O projeto cartesiano levou o homem a centrar-se em si. Por isso ele procura uma verdade que possa ser alcançada por meio da razão e que fique fora do alcance de toda dúvida. Trata-se de uma contraposição à filosofia escolástica, que não buscava “a” verdade, uma vez que ela já se manifestara como criação divina.

Com Descartes, a filosofia deixa deter como base a figura de Deus. O pensar, agora, parte do ser humano. Antes, Deus era o ponto de partida para a reflexão filosófica. Com Descartes, passa a ser o ponto de chegada. Isso quer dizer que o fundamento filosófico não é mais a teologia, mas a razão humana.

Mais tarde, no século XVIII, o filósofo inglês David Hume (1711-1776) fará uma crítica demolidora à metafísica, ao afirmar que a ideia de substância pensante não corresponde a nenhuma impressão sensível (critério de certeza para os empiristas, como Hume). Se a mente fosse uma substância, teria de permanecer invariável durante toda a vida – e é claramente perceptível que isso não acontece

O método cartesiano será retomado no século XX pela fenomenologia de Edmund Husserl (1859-1938), que afirmará, nas Meditações cartesianas: “Todo aquele que quiser ser um filósofo de verdade tem de voltar-se para si mesmo uma vez na vida’, e demolir no seu interior todas as ciências que considerava válidas até então”.

Também no século XX, José Ortega y Gasset (1883-1955) recuperará essa doutrina, partindo da razão vital e histórica. Em um de seus cursos universitários (Buenos Aires, 1940) ele afirmou: “O Discurso (do método) é o livro que inicia a sinfonia do pensamento moderno. Se a filosofia fosse o que deveria ser, deveria, por si mesma, ter reparado em que as teses filosóficas sobre o método carecem de sentido se não forem tomadas como emergentes, efetivamente, das experiências vitais de Descartes” (texto adaptado).

Por: Paulo Magno Torres.