Direito

Direito Romano

Três períodos abrangeram a história do processo civil romano, compreendendo cada um seu sistema processual típico:

  • 1º. processo das ações da lei (legis actiones);
  • 2º. processo formulário (per formulas);
  • 3º. processo extraordinário (cognitio extraordinária).

Essa delimitação é apenas convencional, pois apesar das três fases específicas e distintas, em momentos de mudança, coexistiram dois sistemas processuais diferentes até que o mais antigo caísse em desuso.

Em nosso estudo abordaremos o sistema das ações da lei, utilizado no direito pré-clássico. Porém, antes disso, a fim de um melhor entendimento da matéria, faz-se necessário o conhecimento de alguns conceitos e da evolução histórica do processo civil romano.

PROCESSO CIVIL ROMANO

O Processo civil romano (Jus actionum) era o conjunto de regras que o cidadão romano deveria seguir para realizar seu direito. Para os romanos o vocábulo Jus encerrava, também, o sentido que os modernos emprestam a direito subjetivo, ou seja, faculdade ou poder permitido e garantido pelo direito positivo. O direito subjetivo é tutelado pela ação (actio) que, no sentido restrito que ainda hoje lhe atribuem, nada mais é do que atividade processual mediante a qual o particular procura concretizar a defesa dos direitos, pondo em movimento o aparelho judiciário do Estado. Para isso executa uma série de atos jurídicos ordenados, o processo.

Direito e ação eram conceitos estritamente conexos no sistema jurídico romano. O romano concebia e enunciava o direito mais sob o aspecto processual que material. Durante toda a época clássica, o direito romano era mais um sistema de actiones e de meios processuais do que de direitos subjetivos. Hoje, temos um conceito genérico de ação; em Roma, a cada direito correspondia uma ação específica.

PASSAGEM DA JUSTIÇA PRIVADA PARA JUSTIÇA PÚBLICA

No início, os primitivos romanos, como inúmeros outros povos, faziam justiça com as próprias mãos, defendendo o direito pela força. Só muito mais tarde, e em decorrência de longa evolução, é que houve a passagem da justiça privada para a justiça pública. Conjectura-se que essa evolução se fez em quatro etapas:

1ª. fase da vingança privada, onde predominava a lei de Talião: “olho por olho dente por dente”, estabelecida ainda na Lei das XII Tábuas;

2ª. fase do arbitramento facultativo que perdurou por toda a evolução do direito romano, pois sempre se admitiu que os conflitos individuais fossem resolvidos por árbitros escolhidos, sem a interferência do Estado, pelos litigantes;

3ª. fase do arbitramento obrigatório que compreendeu o sistema de ações da lei e o processo formulário, onde o Estado passou a obrigar o litigante a escolher árbitro que determinasse a indenização a ser paga pelo ofensor, e também, passou a assegurar a execução da sentença se, porventura, o réu não quisesse cumpri-la. Por esse motivo, vigorou o ordo indiciorum priuatorum (ordem dos processos civis), onde a instância se dividia em duas fases sucessivas: 1ª, a in iure (que se desenrolava no tribunal do magistrado); e 2ª, a apud iudicem (que se processava diante do iudex, que era um particular escolhido pelos litigantes para julgar o processo). Há controvérsias sobre a data em que surgiu, em Roma, essa divisão. A maioria dos autores entende que ela data da república, uma vez que, na realeza, o processo se desenrolava apenas diante do rei, que julgava as divergências entre particulares, as lides (lites);

4ª. fase da justiça púbica que compreendeu o processo extraordinário, onde a instância se desenrolava inteiramente diante de um juiz que era o funcionário do Estado, como sucede em nossos dias.

Permaneceram, ainda, no direito romano das épocas posteriores, vários resquícios da possibilidade de defesa dos direitos com as próprias mãos, como, por exemplo, a legítima defesa (fundada no princípio uim ui repellere licet = é lícito repelir a força pela força) e a autodefesa privada ativa, na qual o proprietário poderia expulsar de seu imóvel animais alheios ou pessoas que nele tivessem ingressado oculta ou
violentamente; ou, então, poderia retomar, à força, coisa sua que alguém, sem direito, detivesse.

EVOLUÇÃO DA MAGISTRATURA ROMANA

No período da realeza, em Roma, tudo se concentrava nas mãos do rei, chefe supremo e vitalício, o único depositário da potestas publica, reunindo por força de seu imperium, além dos poderes militares e religiosos, poderes civis, legitimando-o a julgar em primeira e última instância. Esse fato explica porque a estrutura jurídica do mais antigo sistema processual romano – legis actiones – era por demais formalista. A casta de sacerdotes, auxiliando o rei, ditava o comportamento dos cidadãos. Depreendendo-se daí, que nesta conjuntura havia um íntimo relacionamento entre direito (ius) e religião (fas).

Na república, primeiro, a magistratura foi posta nas mãos de dois cônsules, que a exerciam alternadamente: um num mês e, o outro, no seguinte. Mas a partir de 367 a.C., os cônsules se limitaram a exercer a jurisdição graciosa, passando a jurisdição contenciosa a ser exercida pelo pretor; e as questões de venda de animais e escravos eram julgadas pelos edis curuis.

No início, a jurisdição do pretor se estendia a todos os territórios submetidos a Roma. Posteriormente, em certas ciuitates, os magistrados locais (duumuiri iure dicundo) passaram a exercê-la; e em determinadas regiões da Itália o pretor delegava poderes aos praefecti iure dicundo.

A grande afluência de estrangeiros em Roma levou a criação do pretor peregrino, incumbido de julgar os litígios entre cidadãos estrangeiros ou entre estes e romanos. Com o aparecimento das províncias (territórios conquistados fora da Itália), quem nelas exercia a jurisdição eram os governadores e seus questores, que aí desempenhavam as mesmas funções que, em Roma, eram atribuídas aos edis curuis.

No principado, com a concessão da cidadania romana a todos os habitantes da Itália, no século I a.C., desapareceram os praefecti iure dicundo. Assim, quanto aos litígios de menor importância ocorridos na Itália, processavam-se eles diante dos magistrados municipais; quanto aos de maior importância, a jurisdição era do pretor, devendo, em consequência, as partes se deslocarem para Roma. Mas, no tempo dos imperadores Marco Aurélio e Lúcio Vero, surgriram, para a Itália, os iuridici, magistrados com jurisdição civil em determinadas circunscrições.

Ainda no principado, com relação as províncias, é preciso distinguir: as senatoriais, cuja jurisdição era exercida por um legatus (legado) que atuava como mandatário do governador (o procônsul), e por um questor que tinha a mesma função dos edis curuis em Roma; e as imperiais, cuja jurisdição era delegada pelo Imperador aos legati iuridici, ou aos próprios governadores delas (os propretores), que a exerciam com a assistência dos assessores.

No dominato, com o processo extraordinário, a justiça passa a ser competência dos juízes, funcionários do Estado. Surge, nesse período, a hierarquização dos juízes, classificando-os em:

inferiores, que julgavam, normalmente, em primeira instância e se denominavam iudices ordinari, e eram:

em Roma e Constantinopla, o praefectus urbi (que substituiu o pretor urbano, nessa funções, a partir do século II d.C.);

nas províncias, os litígios mais importantes se processavam diante do governador (praeses, rector), ou dos iudices pedanei, por ordem do governador; os litígios menos importantes (os de valor inferior, a princípio, a 50 solidi – moedas de ouro – e depois, a 300) se desenrolavam diante de funcionários municipais, os duumuiri iure dicundo, e nos fins do dominato, o defensor ciuitatis.

superiores, em cujo cimo da escala hierárquica encontravam-se os Imperadores do Oriente e Ocidente; abaixo deles, os praefecti praetorio, que representavam os imperadores (razão porque suas decisões eram irrecorríveis para aqueles); e mais baixo, os uicarii, de cujas decisões podia-se recorrer ao imperador.

Ainda no dominato, Constantino reconheceu que os bispos tinham jurisdição quando um dos litigantes, durante o processo, pedisse a suspensão deste, a fim de que passasse a correr diante de um bispo, cuja sentença, nesse caso, teria força executória. Mas essa jurisdição foi revogada nos fins do século IV, ou durante o século V d.C..

Roma não conheceu o princípio da separação dos poderes executivo, legislativo e judiciário. Por isso, os magistrados judiciários romanos, além da função de distribuir justiça, desempenhavam também atribuições administrativas, e, muitas vezes, militares.

Todo magistrado judiciário estava investido do poder denominado iurisdictio (jurisdição) que, segundo o Digesto, se dividia em:

  • a) uoluntaria (graciosa) para realização de negócio jurídico, querido pelas partes, por meio de um processo fictício;
  • b) contentiosa (contenciosa) para a solução de litígios através do emprego das seguintes palavras: do (termo usado pelo magistrado para ratificar a escolha pelas partes do juiz popular que irá julgar a lide); dico (palavra empregada pelo magistrado quando atribui a um dos litigantes a posse provisória da coisa litigiosa); e addico (vocábulo utilizado pelo magistrado para adjudicar ao autor a coisa litigiosa ou mesmo o próprio réu, quanto este não se defende convenientemente).

Além disso, em certos casos, o magistrado poderia denegare iurisdictionem, isto é, recusar aos litigantes o direito de iniciar um processo diante dele.

A iurisdictio contentiosa não se exercia livremente pelo magistrado. Ao contrário, ela era limitada pela competência que pode ser conceituada como a faculdade de exercer a jurisdição num caso determinado. Esta competência dividia-se em dois tipos:

  • a) competência dos magistrados, que era determinada em função de vários fatores: território, natureza e valor das causas, condição das pessoas, grau hierárquico de jurisdição;
  • b) competência do foro (lugar onde a ação deve ser intentada) que, em regra, era determinada pelo domicílio do réu (actor sequitor forum rei = o autor segue o foro do réu), mas esse princípio comportava algumas exceções.

O AGERE NOS PERÍODOS LEGIS ACTIONES, PER FORMULAS E COGNITIO EXTRAORDINARIA

No direito romano o processo não era autônomo, e estava relacionado ao conceito que os juristas faziam com respeito ao direito subjetivo material e a ação judiciária (actio). As normas de caráter processual eram baseadas na experiência jurídica romana unida num caráter substancial, sendo que o direito subjetivo não era entendido pelo aspecto do seu conteúdo substancial, mas pela ótica da ação, a qual o titular podia tutelar contra possíveis ofensas. O titular da actio era aquele que realmente apresentasse uma situação de direito material existente.

No período clássico, o jurista Celso conceitua a actio como o direito de alguém reclamar aquilo que lhe é devido através de um processo (iudicio). Já Pugliese afirma que a actio refere-se apenas a quem tinha razão, de modo que o fato de ter ação indicava a titulariedade do direito. Nesta época o agere correspondia a uma ação material, a uma atitude, um agir perante o magistrado. Então, no procedimento, o demandado era praticamente obrigado a comparecer perante o rex ou magistrado após a sua citação sob pena de ser levado à força.

O agere, no início, fazia uso da força a fim de recuperar ou obter alguma coisa de outrem. Com o tempo este passa a constituir uma réplica justificada. Tinham que definir as causas que permitiam alguém agir contra outros, e era a causa que legitimava o agere da parte.

Com a Lex Aebutia, fórmulas escritas da lei, as regras de procedimento já não são tão rígidas e são mais adaptadas as reclamações da comunidade. Os inflexíveis esquemas das ações da lei são substituídos pelo processo per formulas.

A fórmula correspondia ao esquema abstrato contido no edito do pretor, no qual eram feitos os ajustes necessários e era redigido um documento (iudicium) pelo magistrado fixando o objeto da demanda que devia ser julgada pelo iudex popular.

No processo privado, o mais importante foi a unificação das instâncias. Com a intervenção da cognitio extraordinaria, o procedimento passou a desenvolver-se diante do magistrado-funcionário, (autoridade estatal). O processo passou a ser todo estatal, onde o parecer do magistrado não mais correspondia apenas a um parecer jurídico (sententia), mas estava ligado a um órgão estatal. A sentença, no processo privado romano, era consolidada na atuação da autoridade do Estado (ex auctoritate principis), não mais se baseando apenas em caráter arbitral ou num ato restrito do cidadão. Com isso o processo tornou-se totalmente público, e, ao lado da jurisdição ordinária, pouco a pouco, formou-se um novo sistema processual.

CARACTERÍSTICAS DAS AÇÕES DA LEI

O mais antigo dos sistemas de processo civil romano é o das ações da lei (legis actiones), do qual a maior parte das informações provém das Institutas de Gaio.

As ações da lei eram instrumentos processuais exclusivos dos cidadãos romanos tendo em vista a guarda de seus direitos subjetivos previsto no ius quiritarium, e este sistema processual possuía uma estrutura individualizada para situações expressamente reconhecidas. O processo nesta época histórica era marcado pela extrema rigidez de seus atos, onde as ações tomavam a forma da própria lei, conservando-se imutáveis como esta.

Durante este período, o direito em Roma vinha de hábitos, costumes, e o conhecimento das regras jurídicas era monopólio dos sacerdotes, que detinham o conhecimento do calendário e das normas jurídicas. Conjugavam-se o ius e o faz, ou seja, o elemento laico e o elemento religioso. Cercada de formalismo, solenidade e oralidade, com um ritual de gesto e palavras pré-estabelecidas.

A justiça romana passa por um processo de secularização, provocada por alguns aspectos como:

  • a) pela Lei das XII tábuas, consolidando o direito consuetudinário antigo;
  • b) pela bipartição do procedimento;
  • c) pela criação do pretor urbano em 367 a.C.;
  • d) por dois personagens: Appio Cláudio, o Cego (cônsul em 307 e 296 a.C.) e seu escriba Gneo Flavio, que tornou público aos cidadãos o formulário das ações da lei, antes detidos pelos pontífices e pelo rex, únicos conhecedores das palavras sacramentais de cada actio.

ÓRGÃOS JUDICANTES E O PROCEDIMENTO

Originariamente, quem era responsável por julgar e conhecer pessoalmente as controvérsias, era o rex, chefe religioso e político da época. Depois com a introdução da legis actio per iudicis arbitrive postulationem, esta incumbência é passada para os juiz e o árbitro laicos, que eram escolhidos entre patrícios senadores e mais tarde entre pebleus. Com a criação do pretor urbano e com a bipartição do processo é estendida a legis actio sacramento.

Para se iniciar o procedimento da legis actiones era necessário a citação do réu (in ius vocatio). Nesse período, o processo apresentava três etapas:

a) introdução da instância (in ius vocatio) que constituía-se em chegar a presença do magistrado as duas partes em questão (autor e réu).

É importante ressaltar que no procedimento da in ius vocatio, todos os atos eram realizados oralmente e esta só podia efetivar-se em lugar público (termas e teatros, como também qualquer lugar da rua, até na porta domiciliar do demandado).

Ficava a cargo do autor, que, de acordo com os preceitos contidos na Lei das XII Tábuas, ao encontrar, na rua, o réu, devia chamá-lo a Juízo, empregando termos solenes (uerba certa). Se o réu se recusasse a atender, a Lei das XII Tábuas determinava que o autor tomasse testemunhas e conduzisse o réu à presença do magistrado, ainda que tivesse de empregar a força.

b) instância diante do magistrado ou pretor (in iure), estes davam ou não o direito de ação;

Conduzido o réu pelo autor à presença do magistrado competente, iniciava-se a fase in iure. As partes recitavam as fórmulas solenes e faziam os gestos rituais próprios de cada uma das ações da lei.

Feita a citação, e negando o réu as acusações, após 30 dias era escolhido um juiz, pela vontade de ambas as partes, ou por indicação do magistrado, ou até por sorteio. Tudo era realizado diante de testemunhas. Quando não era possível estabelecer os limites das demandas no mesmo dia, o réu tinha que prometer que voltaria, fornecendo, inclusive, fiadores (vades) ao autor.

c) instância diante do juiz popular (apud iudicem), caso a ação fosse concedida.

O magistrado dava a fórmula de solução do conflito e oferecia uma lista de juízes (album indicum) para que as partes escolhessem um dentre eles. As pessoas integrantes desta lista variaram no decorrer da história de Roma em virtude de questões políticas. Essa fase se desenvolvia diante de um particular, que apurava a veracidade dos fatos alegados pelas partes litigantes, baseando-se para decretar a sentença. Nessa fase encontramos o iudex privatus, ou em certos processos os tribunais permanentes.

As ações não podiam ser julgadas a revelia, necessitava a presença do pretor e do adversário. Também, não se permitia a representação em juízo, ou seja, era vedado a alguém agir em nome de outrem.

Com a nomeação do iudex, as partes deviam comparecer à presença dele três dias depois. Se alguma das partes não comparecesse esperava-se até o meio dia, após o qual julgava-se favoravelmente ao litigante que havia comparecido. Ambos, autor e réu, expunham sumariamente a demanda (causae coniectio), depois disso davam as razões (causae perovatio), seguidas pela produção das provas. O juramento, a confissão e o testemunho eram considerado meios de prova. Produzidas as provas, o iudex dava a sentença (sententiam dicere), podendo condenar o réu, através de pagamento, ou restituição ou prestação de um ato; ou o absolvendo. Qualquer que fosse a sentença, era impossível ao réu recorrer a uma nova legis actio sobre a mesma questão.

ESTRUTURA E FINALIDADE DAS AÇÕES DA LEI

Segundo as Institutas de Gaio, eram em número de cinco as primitivas ações da lei e subdividiam-se em ações de declaração – aquelas que levavam à nomeação de um juíz popular que deveria determinar a existência ou não do direito pleiteado; e em executórias – aquelas que executavam a sentença obtida. Eram elas:

Actio Sacramenti;

Iudicis Postulatio;

Condictio;

Manus Iniectio;

Pignoris Capio.

AS AÇÕES DE DECLARAÇÃO

ACTIO SACRAMENTI

A legis actio per sacramentum constituiu a primeira forma de processo institucionalizado. Era uma actio generalis, o que corresponde no direito processual atual a uma ação ordinária, de caráter geral, que era utilizada toda vez que a lei não estabelecesse para o caso ação especial. Era também uma ação abstrata pois o autor não precisava justificar o direito pleiteado.

Sua denominação provém do vocábulo sacramentum, espécie de pena pecuniária imposta ao litigante que não demonstrasse na fase apud iudicem (do juiz popular) o direito que afirmara diante do magistrado (instância in iure).

O sacramentum variava conforme o valor do objeto da lide e consubstanciava-se em uma aposta jurada acerca da procedência da causa da vindicação.

A actio sacramenti podia ser in rem, quando o objeto da lide dissesse respeito a um direito real ou ao poder do pater familias, ou in personam, quando se tratasse de direito de crédito.

Na actio sacramenti in rem, embora não fosse necessário o chamamento a juízo, bastando que o autor portasse perante o magistrado (in ius) a coisa ou algo que a simbolizasse. Com o passar do tempo este tipo de ação incorporou a citação do réu para o início do processo reivindicatório.

O seu rito era formal e cerimonioso, onde ambos os litigantes, diante do pretor, vindicavam a coisa, simbolizando tal intenção tocando-a com uma varinha (festuca), até que se desafiassem num sacramentum, estabelecendo assim o contraditório.

As partes, no entanto, não depositavam o sacramentum, mas se comprometiam solenemente com o magistrado a pagá-lo, no caso de derrota dando como garantia as praedes sacramenti (pessoas que recolheriam o valor prometido ao Estado, caso o vencido não o fizesse). A parte possuidora da coisa deveria ainda apresentar fiadores que garantissem, caso perdesse o litígio, a restituição daquela ao outro litigante (praedes litis et vindiciarum).

É importante frisar que o contraditório estabelecido entre as partes não tinha como escopo principal a propriedade do bem, mas sim a causa em que se fundava a vindicação.

Desta forma, o julgador, na instância do juiz popular (apud iudicem), deveria verificar a legitimidade da causa, que justificasse a alegação de propriedade declarando qual dos dois sacramentos lhe parecia justo.

A legis actio sacramenti in personam, também se caracterizava por rito solene e simbólico, diferenciando-se apenas no seu objeto, que era a cobrança de crédito, e nas asserções e fórmulas desenroladas durante a audiência. Diferenciava-se também pelo fato de ser uma legis actiones não abstrata, pois deveria indicar a causa da qual se afirmava derivar a obrigação (oportere).

Basicamente, a audiência da actio sacramenti in personam consistia na afirmação pelo autor (intentio) que a outra parte lhe devia determinada obrigação. Diante de tal asserção, o réu poderia não comparecer perante o juiz (iudex) ou confessar a dívida, hipóteses que o equiparavam à situação do vencido (iudicatus). Caso o réu contestasse a intentio, o autor pronunciava o desafio do sacramentum.

Faz-se mister esclarecer que na actio sacramenti in rem a posição jurídica do autor era definida somente em relação à coisa vindicada, tornando-se indiferente a pessoa do réu, enquanto que na actio sacramenti in personam, a precisa individuação da pessoa do réu na declaração inicial do autor era fundamental para fazer sentido a sua pretensão.

Apesar de em ambas as espécies, in rem e in personam, a sentença ter natureza de provimento meramente declaratório, trazia na prática diferentes consequências nas duas ações.

Na ação real (in rem), quando o juiz declarava o sacramentum do possuidor provisório da coisa ilegítima (iustum), este a conserva definitivamente e o valor do sacramentum devia ser recolhido ao Estado pelo sucumbente. Se declarado iniustum, além do recolhimento da promessa feita, deveria restituir a coisa ao vencedor. Se não o fizesse, os praedes sacramenti sujeitar-se-ião aos efeitos da ação executória (manus iniectio).

Na ação pessoal (in personam), cuja finalidade era a cobrança de crédito, declarado justo o sacramentum do demandante, não sendo cumprida a obrigação pelo devedor, poderia aquele proceder à citação do mesmo em juízo, instaurando-se assim o processo executório.

IUDICIS POSTULATIO

A também denominada actio iudicis arbitrive postulatio era uma ação declaratória, especial e não abstrata pois o autor tinha que indicar o fundamento da revindicação. Era utilizada para a divisão de herança (actio familiae erciscundae) e para cobrança de crédito decorrente de sponcio (espécie de processo relativo à coisa vindicada, onde o réu possuidor prometia indenizar o autor caso ficasse provado que o bem não era seu) e para divisão de bens comuns (actio comuni dividundo).

Não estabelecia pena para o litigante temerário e o iudex ao contrário das outras ações, era nomeado imediatamente e não no prazo de trinta dias de acordo com a Lei Pinaria.

LEGIS ACTIO PER CONDICTIONEM

Introduzido por duas leis: lex silio, para os créditos de certa pecúnia, e lex colpurnia, para os créditos de qualquer outra certa res (que não fosse dinheiro).

Ação mais simples e rápida, a condictio era utilizada para tutelar créditos que o eram anteriormente tutelados pela actio sacramenti in personam e pela iudicis postulatio e, diferentemente desta última, o iudex era designado ao fim de trinta dias como determinava a Lei Pinaria. Tratava-se de ação abstrata, pois o autor não precisava de declarar o fundamento (causa) do crédito.

AS AÇÕES EXECUTÓRIAS

LEGIS ACTIO PER MANUS INIECTIONEM

Era destinada a fazer valer sentença obtida em ação de declaração. É considerada uma das mais antigas legis actiones.

Acredita-se que era utilizada em duas hipóteses:

contra o iudi catus, aquele que numa ação de declaração fora condenado a pagar certa importância.

contra o confessus, aquele que na fase in iure confessou que o autor tinha razão.

Só podia ser utilizada para execussão de quantia certa, por isso, através de um proceso pouco conhecido, o arbitrium lite aestimandae, as condenações imprecisas eram reduzidas ao pagamento de quantias certas para que se aplica-se a manus iniectio.

A manus iniectio na Lei das XII Tábuas:

Nesta época era uma lei primitiva e rude que determinava a morte ao devedor caso não sanasse a dívida ele próprio ou alguém em seu lugar. Este alguém era o uindex, um parente ou amigo que contestasse a legitimidade do pedido do autor sabendo que se perdesse seria obrigado a pagar o dobro da dívida inicial.

A manus iniectio depois da Lei das XII Tábuas:

Nesta fase ela passa a abranger uma quantidade maior de casos e tem seus efeitos abrandados.

Passou a ser mais abrangente devido a leis posteriores às das XII Tábuas, que determinaram sua utilização em casos sem julgamento nem confessio in iure, em que se pretendia cobrar créditos previstos por lei.

A Lei Publilia concedia ao sponsor (fiador) que tivesse pago a dívida, manus iniectio contra o devedor que não o reembolsasse em seis meses.

A Lei Furia de sponsu dava ao fiador a manus iniectio contra o credor que o cobrasse indevidamente.

Quando não havia julgamento a manus iniectio era chamada pro iudicato (como se tivesse sido julgada) ao passo que aquela que se empregava na época da Lei das XII Tábuas era chamada manus iniectio indicati

Algumas leis admitiam que se aplicasse a manus iniectio pura, isto é, aquela que não exigia que tivesse havido julgamento mas que exigia ao autor que declarasse a natureza do direito pleiteado.

Com a implantação das manus iniectiones purae ocorreu uma inovação: o réu podia prescindir do uindex e defender-se a si próprio. Posteriormente todas as manus iniectiones se tornaram purae, a excessão do iudicatus, do confessus (previstos na Lei das XII Tábuas) e do sponsor (previsto na Lei Publilia).

Por fim, ao final da República o réu que não pagasse o débito não poderia ser morto nem vendido como escravo pelo seu credor, que só poderia levá-lo para sua casa e mantê-lo preso até que pagasse sua dívida com trabalho.

LEGIS ACTIO PER PIGNORIS CAPIONEM

Distingue-se das demais legis actiones de tal maneira que algumas jurisconsultos romanos não a consideravam uma legis actio.

Esta singular legis actio não se desenrolava diante do magistrado e não requeria a presença do adversário podendo ainda realizar-se nos dias nefastos Tratava-se de meio de tutela que se realizava extra judicialmente, colocando o credor, desde logo, em situação de vantagem perante o devedor.

Somente podia ser utilizada em relação a certas dívidas, que em alguns casos eram estipuladas por costumes e em outros por lei.

São passíveis de pignoris capio:

a dívida do tribunus aerarii em relação ao soldo (stipendium) do soldado; a dívida das pessoas responsáveis para contribuir com a compra e manutenção do cavalo para com o soldado de cavalaria; a dívida do comprador de animal para com o vendedor a dívida do locatário de um animal de carga em relação ao locador desde que este animal estivesse destinado a sacrifício religioso; a dívida do contribuinte para com o publicano no tocante aos impostos.

O apossamento extra judicial dos bens do devedor não conferia direito de uso da coisa ao credor, mas somente de mantê-la em seu poder até que fosse honrada a dívida.

BIBLIOGRAFIA

ALVES, J.C. M. – Direito Romano; Editor Borsoi, RJ, 1965, vol. 1, c. XVII E XVIII.

TRICI, J. R. C.; AZEVEDO, L.C. – Lições de História do Processo Civil Romano; Ed. Revista dos Tribunais, c. 3,4 e 5.

Júnior, J. Cretella – Curso de Direito Romano; 19ª edição; Ed. Forense; Rio, 1995.

Autoria: Ricardo Gomes da Silva

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