Direito

Princípio do Juiz Natural

A imparcialidade do Judiciário e a segurança do povo contra o arbítrio estatal encontram no princípio do juiz natural, proclamado nos incisos XXXVII e LIII do art. 5º da Constituição Federal, uma de suas garantias indispensáveis, já explicitada por Boddo Dennewitz, ao afirmar que a instituição de um tribunal de exceção implica uma ferida mortal ao Estado de Direito, visto que sua proibição revela o status conferido ao Poder Judiciário na democracia.

O juiz natural é somente aquele integrado no Poder Judiciário, com todas as garantias institucionais e pessoais previstas na Constituição Federal. Assim, afirma José Celso de Mello Filho que somente os juízes, tribunais e órgãos jurisdicionais previstos na Constituição se identificam ao juiz natural, princípio que se estende ao poder de julgar também previsto em outros órgãos, como o Senado, nos casos de impedimento de agentes do Poder Executivo.

O referido princípio deve ser interpretado em sua plenitude, de forma a não só proibir-se a criação de Tribunais ou juízos de exceção, como também exigir-se respeito absoluto às regras objetivas de determinação de competência, para que não seja afetada a independência e a imparcialidade do órgão julgador.

Desde a Constituição Política do Império do Brasil, jurada a 25-3-1824, o Direito Constitucional brasileiro previa em seu Título VIII – Das disposições gerais, e garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros – extenso rol de direitos humanos fundamentais, entre eles o princípio do juiz natural, repetido, igualmente, por nossa 1ª Constituição republicana, de 24-2-1891, que em seu Título III – Seção II, previa a Declaração de Direitos e nas demais Cartas Republicanas.

O direito a um juiz imparcial constitui, portanto, garantia fundamental na administração da Justiça em um Estado de Direito e serve de substrato para a previsão ordinária de hipóteses de impedimento e suspeição do órgão julgador. Sempre, repita-se, no intuito de garantir a imparcialidade do órgão julgador.

Teor e definição do princípio

A imparcialidade do juiz, mais do que simples atributo da função jurisdicional, é vista nos dias atuais como seu caráter essencial. Não por outra razão que tem sido eleita por parte da doutrina como a pedra de toque do ato jurisdicional, servindo para diferenciá-lo dos demais atos estatais.

Para assegurar a imparcialidade (e a independência) do juiz é que a maioria das Constituições contemporâneas consagra o Princípio do Juiz Natural, exigindo que a designação do julgador se dê anteriormente à ocorrência dos fatos levados a julgamento e feita de forma desvinculada de qualquer acontecimento concreto ocorrido ou que venha a ocorrer.

Juiz Natural, assim, é aquele que está previamente encarregado como competente para o julgamento de determinadas causas abstratamente previstas.

Na atual Constituição o princípio é extraído da interpretação do inciso XXXVII, do art. 5º, que preceitua que “não haverá juízo ou tribunal de exceção” e também da exegese do inciso LIII, que reza: “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.

Completam o arcabouço de consagração do princípio as garantias outorgadas aos juízes de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios, previstas no caput do art. 95 da Constituição Federal.

Costuma-se dizer, considerando o texto dado pela Carta, que juiz natural é somente aquele integrado de forma legítima ao Poder Judiciário e com todas as garantias institucionais e pessoais previstas na Constituição Federal. Por outro lado, somente são efetivamente Juízos e Tribunais, aqueles constitucionalmente previstos, ou, então, os que estejam previstos a partir e com raiz no Texto Constitucional.

Não se pode olvidar, contudo, que a própria Constituição excepciona a regra de que juiz natural é tão somente aquele integrante do Judiciário ao atribuir ao Senado competência para julgar o Presidente e o Vice-presidente da República nos crimes de responsabilidade.

Breve histórico do principio nas constituições brasileira

As Constituições brasileiras tradicionalmente acolheram o princípio do juiz natural por meio da proibição de tribunais extraordinários e da exigência de julgamento por autoridade competente.

A Constituição Imperial, de 1824, em seu art. 179, XVII, rezava que “à exceção das causas que por sua natureza pertençam a juízos especiais, não haverá foro privilegiado nem comissões especiais nas causas cíveis ou criminais”. E no art. 149, II, referia que “ninguém será sentenciado senão pela autoridade competente, por virtude de lei anterior e na forma por ela estabelecida”.

Na mesma linha seguiu a Constituição Republicana, de 1891, que repetiu o texto do inciso II do art. 149 da sua antecessora em seu art. 72, par. 15, sem, contudo, fazer menção aos tribunais de exceção.

A Constituição de 1934 voltou a fazer referência à proibição dos tribunais de exceção (art. 113, n. 25) e trouxe a novidade, no n. 26 do art. 113, da exigência da autoridade competente também o ‘processar’, e não mais só para o julgamento como as anteriores.

A Carta de 1937, de orientação ditatorial, diferenciando-se das demais, deixou de fazer qualquer menção ao princípio, que só voltou ao ordenamento com a Constituição de 1946 (art. 141, par. 26).

As Constituições posteriores reeditaram o princípio do juiz natural ao consagrarem expressamente a vedação do foro privilegiado ou tribunais de exceção (art. 150, par. 15, in fine, da Constituição de 1967; art. 153 par. 15, in fine, da EC 1/69). Deixaram, entretanto, de explicitar a garantia do juiz competente.

Juiz natural na Constituição Federal de 1988

ACF divide o princípio em 2 incisos do quinto artigo:

XXXVII: vedação de juízos e tribunais de exceção. Tribunal de exceção é aquele criado após o fato para lhe destinar um julgamento, o que derruba a imparcialidade do órgão julgador, há uma predisposição para condenação. O exemplo clássico de tribunal de exceção é o Tribunal de Nuremberg, criado após a Segunda Grande Guerra. As pessoas só poderão ser julgadas por juízos/tribunais já existentes, previamente constituídos, garantindo em parte a imparcialidade, complementada pelo inciso LIII.

LIII: Ninguém poderá ser processado ou julgado senão por autoridade competente. Assim, não pode ser qualquer órgão, mas aquele que se chega através de regras objetivas de competência. Outro fato que corrobora para a imparcialidade do juiz é a distribuição dos autos dentro dos foros.

ACF traz, tradicionalmente, foros especiais para algumas autoridades em função da dignidade dos cargos ocupados, o que parece ferir princípios republicanos e democráticos segundo os quais todos deveriam ser julgados pelo mesmo juiz. Não fere o princípio do juiz natural, pois a própria CF estabelece previamente juízes naturais especiais. Só existirá foro especial no caso de crimes, lato sensu: crime e contravenção penal.

Vedação da criação de tribunais de exceção

O princípio do juiz natural pode ser encontrado na doutrina sob as mais diversas denominações, dentre as quais, pode-se mencionar o princípio do juízo legal, o princípio do juiz constitucional e o princípio da naturalidade do juiz.

O inciso XXXVII, do artigo 5º da Constituição Federal, onde há a primeira tratativa acerca do princípio do juiz natural, prevê a vedação à criação de tribunais de exceção.

Na expressão tribunais de exceção, compreende-se tanto a impossibilidade de criação de tribunais extraordinários após a ocorrência de fato objeto de julgamento, como a consagração constitucional de que só é juízo órgão investido de jurisdição.

Tribunal de exceção é aquele designado ou criado por deliberação legislativa ou não, para julgar determinado caso, tenha ele já ocorrido ou não, irrelevante a já existência do tribunal.

O princípio do juiz natural, especialmente no que tange a este primeiro aspecto, visa coibir a criação de tribunais de exceção ou de juízos ad hoc, ou seja, a vedação de constituir juízes para julgar casos específicos, sendo que, provavelmente, terão a incumbência de julgar, com discriminação, indivíduos ou coletividades.

MANOEL ANTÔNIO TEIXEIRA FILHO entende que o princípio do juiz natural redemocratizou a vida do país, na época, por ocasião da sua inserção no artigo 141, parágrafo 26, da Constituição Federal de 1946.

JOSÉ FREDERICO MARQUES menciona que será inconstitucional o órgão criado por lei infraconstitucional, ao qual se venha atribuir competência, subtraindo-a do órgão constitucionalmente previsto.

Por fim, DJANIRA MARIA RADAMÉS DE SÁ, sinteticamente, menciona que, neste primeiro aspecto, o princípio do juiz natural protege a coletividade contra a criação de tribunais que não são investidos constitucionalmente para julgar, especialmente no que tange a fatos especiais ou pessoas determinadas, sob pena de julgamento sob aspecto político ou sociológico.

Garantias do juiz natural

são duas as garantias do juiz natural:

  • art. 5o, LIII- “ninguém será processado nem sentenciado senão pala autoridade competente”.
  • art. 5o, XXXVII- “não haverá juízo ou tribunal de exceção”.

O cidadão tem o direito a julgamento por um juízo ou tribunal pré-constituído, legitimamente investido no exercício da jurisdição e com todas as prerrogativas ínsitas ao normal desempenho da função (inamovibilidade, vitaliciedade, independência jurídica e política, e irredutibilidade de vencimentos).

As justiças especializadas, constitucionalmente previstas, não ofendem a garantia, uma vez, que são pré-constituídas (ou seja, constituídas anteriormente ao fato a ser julgado), em caráter abstrato e geral, para julgar matérias especificas.

A garantia do juiz natural se desdobra em três conceitos:

  1. só são órgãos jurisdicionais os instituídos pela constituição;
  2. ninguém pode ser julgado por órgão constituído após a ocorrência do fato;
  3. entre os juízes pré-constituídos vigora uma ordem taxativa de competências inalterável a arbítrio de quem quer que seja.

Da competência no Código de Processo Civil

O Princípio do juiz natural, insculpido na Magna Carta, por se tratar de uma norma de eficácia contida e de aplicabilidade imediata, sofre regulamentação pela legislação infraconstitucional, in casu, pelo vigente Código de Processo Civil, o qual delimita a matéria de competência do juízo e do juiz.

Conclusão

O ordenamento jurídico brasileiro tem estendido os limites do princípio do juiz natural, prestigiando-o cada vez mais, razão pela qual constata-se nele, atualmente, características “que tocam tanto à jurisdição em geral (como segurança do cidadão) como ao processo em particular (como direito da parte e garantia do juiz)”.  Havendo, inclusive, quem afirme que sem ele não existe jurisdição possível.

O princípio do juiz natural, previsto nos incisos XXXVII e LIII, ambos do art. 5º, da Constituição Federal de 1988, garante a todos o direito de serem processados, e julgados, apenas por juízes constitucionalmente competentes, pré-constituídos na forma da lei, imparciais por natureza, sendo defeso a designação de juízo ex post facto, no ímpeto de se aplicar a justiça no caso em apreço.

Outrossim, não se admite que a aplicação do princípio do juiz natural gere situações esdrúxulas, atentatórias à razoabilidade, como, por exemplo, a proibição de designação de juízes substitutos, com a finalidade de unirem esforços com os juízes titulares das varas para garantirem a efetividade da prestação jurisdicional, desde que designados mediante critérios objetivos, genéricos e impessoais.

A imparcialidade exigida pelo princípio do juiz natural deve ser entendida como aquela apta a possibilitar que o magistrado julgue conforme a sua livre convicção legal, independentemente de qual seja a parte litigante ou o objeto do litígio, motivo pelo qual o juiz precisa estar atento aos institutos da suspeição e impedimento. Todavia, essa situação deve ser apreciada com temperamento, vez que não se pode exigir do juiz uma imparcialidade plena, alheia a sentimentos e preconceitos típicos da natureza humana.

Destaca-se, também, que as garantias e vedações previstas no art. 95, da Constituição Federal de 1988, devem ser interpretadas também como um instrumento de proteção dos magistrados, capaz de lhes assegurar a independência necessária ao pleno desempenho das funções jurisdicionais.

Parece claro também que o princípio da naturalidade do juízo protege o jurisdicionado dos arbítrios estatais, historicamente manifestados através de intromissões políticas e hierárquicas, flagrantemente atentatórias ao Estado Democrático de Direito, bem como ao ideal de justiça perseguido pela Lei Fundamental.

Portanto, o juiz, como personagem principal do nosso ordenamento jurídico, deve empreender esforços para suplantar todas as tentativas de escolha do juízo, sobretudo às atinentes à distribuição por dependência, sob pena de nulidade, bem como punir todos os que assim procedam, com arrimo nos preceitos da Lei Maior.

Referências Bibliográficas

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Autoria: Ed Cesar Loureira

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