Geografia do Brasil

O Carma da terra no Brasil

O povo brasileiro tem sofrido muito devido a uma estrutura social que, se caracteriza por enormes diferenças entre as classes. Mesmo os trabalhadores, que estão empregados, têm vivenciado situações de extremas dificuldades financeiras, restringindo seu poder de consumo e limitando a qualidade de vida que, se encontra muito aquém da ideal.

Desde a colonização, a maioria das terras brasileiras está nas mãos de uma minoria que, acumula grandes latifúndios, o Brasil têm sua história calcada nos latifúndios monocultores que, esgotam as reservas naturais, empobrecem o solo até a quebra das safras, produzindo uma economia baseada em ciclos: ciclo do açúcar, ciclo da mineração, ciclo da borracha, do café, e assim por diante.

A Velha República, comandada por grandes estadistas como Getúlio Vargas, Juscelino Kubitscheski, Jânio Quadros, sempre contou com o apoio das oligarquias, dos coronéis  que jamais abriram suas terras para a reforma agrária. O Brasil sempre foi marcado por revoltas de trabalhadores na luta pela terra: Cabanagem, Balaiada, Quilombos, Canudos, Contestado, Ligas Camponesas, Guerrilha do Araguaia e mais recentemente pelo MST.

O presidente republicano João Goulart, tentou realizar a tão sonhada reforma agrária, tendo sido impedido pelo  Golpe Militar de 1964.

Depois da Abolição, os ex-escravos não receberam nenhuma compensação, nenhum pedaço de terra para plantar, foram empurrados para os centros urbanos, produzindo assim, uma grande massa de trabalhadores que, não tinham para onde ir e, muito menos onde trabalhar. Atualmente, existem milhões de famílias de sem-terras que, ainda vivem e trabalham no campo, porém, sem um pedaço de chão que seja seu para plantar. Em nosso país existem também os trabalhadores chamados boias-frias, vivendo na miséria, de forma subumana, sobrevivendo sem dignidade, com subempregos temporários, nos quais destroem o pouco de saúde e dignidade que possuem, em um trabalho semi-escravo que, no fim do dia lhes rende alguns trocados.

Para tratar de questões referentes à problemática da terra, Xico Graziano, lança a obra “O Carma da Terra no Brasil”, o autor, filho e neto de agricultores, vivenciou a realidade do campo, em suas delícias e dificuldades, cresceu defendendo o campo. Formado em 1974 em agronomia, defendia o usufruto do solo. No período em que foi estudante universitário, desenvolveu o gosto pela política, como militante de esquerda lutou pela democracia da terra. Lecionou durante 15 anos na UNESP de Jaboticabal, onde sempre esteve envolvido com as questões da terra. Foi Presidente do Incra em 1998 e, Secretário Particular do Presidente. Fernando Henrique Cardoso.

A ideia central do livro é a reforma agrária, onde Xico Graziano procura deixar evidente o equívoco na ideia de se distribuir terras hoje no Brasil, como forma de minimizar a pobreza. O modelo de Reforma Agrária em vigor, apenas transfere a pobreza de lugar, em seus estudos sobre a distribuição de terras, deixa claro sua visão de que os assentamentos rurais são amostras do fracasso deste processo, ineficiente até mesmo como meio de produção da subsistência familiar.

O “distributivismo da terra” é uma ideia que se perdeu na história, o Brasil sempre sofreu as consequências da pior distribuição de rendas do planeta, com ricos cada vez mais ricos e pobres vivendo como famintos exilados dos desertos e dos países arruinados pelas guerras. A origem de tudo isto está no modelo colonizador, que impôs o sistema de latifúndios, desde as Capitanias Hereditárias e o sistema escravista que, durou mais de 300 anos. O Brasil foi comandado por iluministas, progressistas e capitalistas, fomos erguidos sob o sangue de muitos, as tentativas de mudança sempre foram interrompidas com violência.

As reformas de base, sonhadas pelos trabalhadores rurais, industriais e de tantas outras categorias foram sufocadas pelo Golpe de 1964. O receio do sucesso de um movimento popular forte causou violência, exílio e morte, principalmente dos líderes. O medo do comunismo e das invasões dos latifúndios levou o governo do General Castelo Branco a promulgar em 30 de outubro de 1964 “O Estatuto da Terra” sob a Lei 4.504, este mesmo Estatuto vigora até nossos dias.

A criação do Estatuto da Terra está intimamente ligada ao clima de insatisfação reinante no meio rural brasileiro e, pelo temor do governo e das elites conservadoras que se eclodisse uma revolução camponesa, apoiada pela Igreja Católica e pelo Partido Comunista Brasileiro. Animados pelo movimento comunista da Revolução Cubana, ocorrida em 1959 e, pela implantação de reformas agrárias em vários países da América Latina, como México e Bolívia. As tentativas brasileiras foram aniquiladas pelo regime militar, no intuito de tranquilizar os grandes latifundiários e apaziguar, pelo medo e pela milícia armada os camponeses.

As metas estabelecidas pelo “Estatuto da Terra” visam atender o direito a propriedade da terra, desde que atenda sua função social, ou seja, se a sua utilização for condicionada ao bem-estar coletivo. Em caso de descumprimento, cabe ao Estado, baseado no interesse social, a tarefa de desapropriar as formas de ocupação e de exploração da terra que, não estejam sendo utilizadas de forma produtiva, valendo-se de instrumentos de “prévia e justa indenização” do proprietário.

Para os defensores da reforma agrária esta traria enormes benefícios para a população, à miséria diminuiria e a oferta de alimentos aumentaria, com uma tendência à queda dos preços, onde se presenciaria uma expansão no consumo. Seria um dínamo para o consumo de bens industrializados, pois haveria crescimento no mercado interno e um alinhamento ao capital estrangeiro, era preciso aceitar novos caminhos para uma tarefa difícil, fazia-se necessário reformar as leis e as práticas fundiárias, rompendo com a ideia dominante do distributivismo como único caminho para se combater a miséria.

Graziano argumenta estas ideias baseado em seu vasto conhecimento nas questões agrárias no Brasil, apresentando subsídios que reforçam sua ideia de que a reforma agrária no Brasil, da maneira como é feita não funciona, sendo assim, expõe os motivos que são:

  • O absoluto fracasso dos assentamentos rurais comprovado pelo superado modelo distributivista da terra;
  • A realidade mudou: os custos-benefícios desta reforma não compensam;
  • Os latifúndios se modificam pelo sistema agrário empresarial;
  • Os sem-terras foram engolidos pela urbanização e misturam-se aos sem-tetos e desempregados abrigados nos subúrbios e favelas das grandes cidades;
  • Os assentamentos não se sustentam, por isso não vingam e estão nas mãos de movimentos que fazem uso da manipulação política, praticando, ao invés de reforma agrária, uma espécie de banditismo rural.

Durante anos, a tão sonhada reforma agrária arrastou-se, ficando suas metas restritas ao papel. Segundo Graziano, com Fernando Henrique Cardoso, o Brasil assistiu a maior e a pior reforma agrária da história, devido ao modelo ultrapassado, imposto por uma sociedade pós-capitalista e um processo político polarizado.

Atualmente, vemos inúmeras propostas na tentativa de diminuir à escandalosa diferença social que, se solidificou após 50 anos de um fortíssimo êxodo rural, a inversão da população, que até 1950 concentrava-se no campo, atualmente extrapola os centros urbanos, expulsos pela mecanização da agricultura. A construção civil procurou absorver grande parte desta mão-de-obra, que por ser desqualificada, recebe baixos salários, ficando enquadrados nos subempregos.

Graziano sonha com um complexo produtivo que una o campo e a cidade, envolvendo o mundo rural com o agronegócio, o campo sendo beneficiado pela indústria. Estima-se que cerca de 28,4 milhões de pessoas deixaram o campo e criaram grandes focos de pobreza e violência nos centros urbanos. Pequenos e médios agricultores precisam ter assegurada sua permanência na terra.

Os políticos de direta defendem a necessidade de modernizar a economia, com a divisão dos lucros em cooperativas e sociedades. Da mesma forma, os políticos de esquerda acreditam ser necessário uma transferência de terras e bens, dividindo-os com os que não tem; desperdiçando-se menos recursos, aumentando as exportações, monitorando a divisão de alimentos e assim combater a miséria num país tão rico e produtivo.

Graziano critica a marcha dos sem-terras, utilizados como recursos para mobilizar a mídia e alimentar a audiência de telejornais que, expõem rostos cansados e mãos calejadas em busca de sua dignidade, manipulados por jogos de interesses políticos que não visam o bem-estar da população rural.

Nossa economia sempre sofreu influências externas, desde a época da colonização sofremos com a exploração em favor da expansão econômica europeia. A abertura dos portos, as pressões inglesas contra o tráfico escravista, o Bill Aberdeen, as dificuldades do Visconde de Mauá frente à concorrência externa, a Revolta Farroupilha e o comércio de charque com a Argentina e o Uruguai manipulados pelos ingleses, o nacionalismo de Vargas e João Goulart que abriu nossa economia aos investimentos estrangeiros, a exorbitante dívida externa, contraída pela ditadura militar, em negociatas com banqueiros internacionais que compravam a produção em troca de benefícios, Collor e as privatizações. O campo muito tem sofrido com toda esta “globalização”. Voltamos a uma antiga evidência: a problemática da propriedade da terra.

A realidade política do país se encontra modificada, bem como o Movimento sem-terra. Conforme a análise de Graziano, este foi enfraquecido devido seu envolvimento em atitudes fraudulentas e suas ações violentas e radicais. Segundo pesquisas do autor o movimento não é composto apenas pelos interessados em adquirir a terra para subsistência, mas também por pessoas com interesses políticos e individualistas, que veem na integração ao movimento a possibilidade de enriquecer.

Segundo Rolf Hackbart, presidente do Incra na década de 90, a qualidade de vida nos assentamentos é péssima, a maioria das casas não dispõe de energia elétrica e 80% não possuem vias de acesso para escoar a produção. Dados oficiais apontam que tais dificuldades e outras ainda não citadas, resultam na evasão das famílias assentadas, com menor índice no sudeste (12%) e cerca de 40% no restante do país, sendo registrado casos com até 70% de abandono.

A venda de lotes de terras nos assentamentos se transformou em um negócio vantajoso, chegando a valer até 30 mil reais. Os lotes geralmente são vendidos a familiares ou ao “cupincha” maior dos próprios acampamentos.

Os que saem partem deixando suas dívidas de crédito para trás, o que aumenta o passivo da reforma agrária. […] já conhecendo a dinâmica do processo, parte dos sem-terra faz das invasões de terra um pequeno negócio. É dificultoso, exige certa perseverança, mas as barracas do acampamento abrem portas para acessar verbas públicas que são desviadas, para o bem, quando auxiliam a família a arrumar sua vida, ou para o mal, quando os ganhos são repartidos com a organização. (Graziano, 2004, p. 115)

A existência de outras dificuldades como falta de condições técnicas e instrumentos de trabalho, considerando os diversos auxílios oferecidos pelo Governo, também resultam em abandono ou venda dos lotes. O autor analisa tal questão comparando as facilidades oferecidas aos assentados e aos pequenos agricultores, concluindo que o baixo índice de permanência das famílias assentadas em seus lotes, não ocorre exclusivamente pela afirmação de que não são ofertadas as condições necessárias para seu desenvolvimento, uma vez que estas são oferecidas com maior vantagem do que aos pequenos agricultores. Nesse sentido, existem muitos casos de pequenos agricultores que se engajam ao Movimento devido “as maiores vantagens”.

A questão da política dos recursos necessita ser revista, tanto no movimento sem-terra, quanto no Governo.

Agora, no Governo Lula, com a gestão compartilhada pelo MST e pela CONTAG, chegou a hora de tirar o máximo de vantagem dos recursos públicos. Os convênios recentemente firmados com essas organizações, destinados à formação humana, ao treinamento e coisas desse tipo, canalizam um enorme volume de dinheiro para suas bases políticas. Isso representa a velha ideia da guerra contra o latifúndio acobertando uma sangria de recursos para alimentar um novo clientelismo do Estado: os assentamentos rurais e suas organizações-mãe. (Graziano, 2004, p.127)

No assentamento Iturama, o mais antigo de Minas Gerais, só restam 6% das famílias que receberam lotes no início do projeto, e o atual presidente dos produtores Iradel Freitas, adquiriu seu lote após cursar pedagogia, tornar-se professor e se eleger vereador do município. (Graziano, 2004, pp. 129-130).

Na citação acima fica evidente que nos assentamentos existem todos os tipos de profissionais, até mesmo colegas nossos de profissão ajudam a engrossar as estimativas de famílias sem-terra.

Graziano analisa a questão da dificuldade do Governo em localizar terras ociosas para desapropriar. No ano de 1994 o preço da terra despencou, deixando de ser lucrativo a compra de terra para especulação. Em 1999, a agropecuária se expandiu devido ao desenvolvimento tecnológico que, passou a garantir uma maior produtividade e uma margem de lucro satisfatória. Como resultado do dinamismo político e econômico, as terras produtivas e com boa localização foram se esgotando, necessitando um maior esforço na arrecadação dos recursos fundiários. Consequentemente, as desapropriações ocorreram em áreas onde a terra tinha menor possibilidade de produção e, em áreas com localização distante e de difícil acesso, além de o Governo se defrontar com uma escassez de terras ociosas para a reforma agrária.

Como resultado de todo este processo fica cada vez mais caro e difícil continuar desapropriando terras, pois o distributivismo agrário se torna inviável devido ao progresso da agropecuária.

Tendo desaparecido o latifúndio de outrora, a ânsia do distributivismo passou a penalizar a pecuária, como se a produção de carne e, principalmente seu consumo, interessassem apenas à elite. Na falta da verdadeira terra ociosa, pastagens começaram a ser confundidas com terras improdutivas. […] A reforma agrária acabava de trombar com a agronomia e a zootecnia. (Graziano, 2004, p.135).

Contextualizando historicamente a palavra latifúndio, verifica-se sua origem latina, significando grandes domínios da aristocracia na Roma Antiga e, no Brasil representa a grande propriedade improdutiva, sendo assim, em nosso país, latifúndio está associado ao atraso e ao coronelismo.

Nos anos 60, a burguesia nacional e o proletariado lutaram em conjunto com os camponeses, contra um inimigo comum, a oligarquia latifundiária. Nos últimos 40 anos, a agricultura se modernizou, o país se industrializou e, o capitalismo se globalizou.

Segundo Graziano, atualmente terras improdutivas existem somente no cadastro do Incra, que considera como improdutivas imensas áreas de florestas naturais, a maioria na Amazônia e terras no Nordeste, inviáveis para uso agrícola. O autor considera estas projeções como um atentado a agronomia e a ecologia. Para agravar mais ainda a situação da reforma agrária, o Incra passou a fabricar latifúndios que só existem em documentos do próprio Instituto.

Agora, com a oposição do Governo, todos perceberão que o verdadeiro inimigo da reforma agrária é ela própria. A ideia da reforma agrária, correta no passado, tornou-se obsoleta. Por isso os assentamentos não vingam. A culpa não está no Governo, mas na receita do distributivismo da terra. Novas teorias para o desenvolvimento rural são exigidas pela economia e sociedade pós-industrial. O foco muda da posse da terra para a geração de empregos. Decididamente, é necessário reinventar a reforma agrária.  (Graziano, 2004, p.284).

Estudiosos, como Zander Navarro, afirmam que o MST se transformou de movimento social em organização política rígida, de caráter (pseudo-revolucionário), presa simplesmente a sua ideologia, não conseguindo ver que  os latifúndios geram empregos e garantem o crescimento econômico do país, além de oferecer alimentos com menor custo às massas urbanas.

A sociedade poderia fazer um pacto: cientistas cuidam do saber; políticos, do governo; artistas, da cultura; religiosos, do espírito. Todos errariam menos. Kant defendia certo ‘atrevimento’ na busca do saber. Ele, todavia, olhava para frente, não para o retrovisor. È lamentável que pessoas responsáveis, religiosos ou laicos, se atrevam a bradar contra maldições que, ao contrário, significam bênçãos. Para enxergar, basta virar o holofote. Tirar o facho da velha ideologia agrária e iluminar a nova realidade no campo. Um banho de luz e sabedoria não faz mal a ninguém. (Graziano, 2004, p.344)

Neste sentido, Graziano deixa claro que permanecer, ainda hoje, preso ao pensamento distributivista é um desserviço a nação, apontando sugestões para amenizar toda a problemática apresentada em seu livro, ou seja, a questão da reforma agrária no Brasil.

REFERÊNCIAS

  • BOLETIM INFORMATIVO FAEP. Federação da Agricultura do Estado do Paraná. FAEP denuncia lógica de sequestro nas invasões. Curitiba, 23 a 29 de agosto de 2004, nº 831 – Ano XIX.
  • _______. Sem Terra aproveitam passividade dos governos e intensificam invasões. Curitiba, 09 a 15 de agosto de 2004, nº 829 – Ano XIX.
  • _______. MST prega ódio e revolução em escolas públicas de assentamentos. Curitiba 20 a 26 de setembro de 2004, nº 834 – Ano XIX.
  • EDWARD, José. O Brasil não precisa de reforma agrária. Revista Veja: Agronegócio & Exportação. São Paulo, n. 36, ano 37, p. 66-68, out. 2004.
  • GRAZIANO, Xico. O Carma da Terra no Brasil. Ed. A Girafa, Coleção: O Rei Está Nu. São Paulo, 2004.
  • _______.Reinventar a Reforma Agrária. Artigo publicado no jornal “O Estadão”, na coluna Espaço Aberto, em 10 de dezembro de 2002. Disponível em http://www.xicograziano.com.br/estadao/Reinventar%20a%20reforma%20agrária.htm acesso em 25 de outubro de 2004.
  • OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. XII Encontro Nacional do MST. São Miguel do Iguaçu – PR, 19 a 24 de janeiro de 2004.
  • Portal do Fazendeiro. Entrevista com Xico Graziano. Disponível em www.fazendeiro.com.br/noticias/Entrevista_Neto.asp – 88k – acesso em 03 de novembro de 2004
  • REIS, Eduardo Almeida. Um livro imperdível. Disponível em http://www. Agranja.com/AGranja/668/eduardo.pdf. – acesso em 07de outubro de 2004.

Autoria: Ruth A. Peppa Penasso

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