História do Brasil

Governo Fernando Henrrique Cardoso

Fernando Henrique consumou a abertura iniciada por Collor, alinhando o Brasil ao cenário mundial globalizado. Sustentou o Real e governou o país durante oito anos, em meio a crises internacionais. Houve denúncias de corrupção, mas o povo não voltou às ruas.

O cenário político: antes e depois do Real

Luiz Inácio Lula da Silva, o maior favorecido pelo impeachment de Fernando Collor de Mello em 1992, organizou a “caravana da cidadania” pelo país afora em 1993, a fim de identificar os problemas da população. Com isso, aumentou sua exposição na mídia durante a corrida eleitoral.

O ex-metalúrgico era considerado imbatível como candidato a presidente até que o presidente Itamar Franco nomeou Fernando Henrique Cardoso para ministro da Fazenda. Este deu início, em julho de 1993, aos preparativos que levariam à implantação do Plano Real. Conteve os gastos do Estado, considerados excessivos, e as dívidas da federação (incorporando estados e municípios), por meio de medidas provisórias.

Finalmente implantado em 1º de julho de 1994, o Plano Real teve boa aceitação junto à população, apesar das previsões do PT de que fracassaria, como os demais planos. Durante seu período de transição, conseguiu baixar a inflação por etapas, sem choques bruscos. Os brasileiros responderam bem aos efeitos do plano e passaram a apoiar Itamar e Fernando Henrique. O PT colheu o preço das críticas, vendo a rejeição a Lula aumentar e seus possíveis votos se esvaírem. Os eleitores se direcionavam agora para um novo pretendente político, Fernando Henrique Cardoso, agora FHC.

A candidatura FHC

Partido recém-criado, o PSDB não possuía infraestrutura política para sustentar sozinho a candidatura de FHC, e também necessitava de apoio político no Congresso para fazer valer as medidas implementadas com o Plano Real.

O PSDB se alinhou então ao PFL, de ideologia distinta, mas com grande penetração no eleitorado nordestino, tido como estratégico. Coroando a aliança, Marco Maciel, político pernambucano, completaria a chapa eleitoral como vice de FHC.

A aliança política contava com a simpatia de José Sarney, senador pelo PMDB, que se esforçou para obter apoio da maior parte de seu partido à candidatura de FHC, com o objetivo de obter a presidência do Senado.

FHC fez sua campanha procurando se apresentar como um candidato próximo do povo, além de ter o apoio dos intelectuais. Contando com os efeitos positivos do Real sobre a economia (moeda forte, estabilidade, elevação do poder de compra) e com o consequente desgaste político de Lula e do PT, em 15 de novembro de 1994 sagrou-se vitorioso no primeiro turno, com 54% dos votos válidos.

O governo FHC

Fernando Henrique assumiu o poder em 1995 com relativa tranquilidade. O Plano Real cumprira seu objetivo e a economia se estabilizara lentamente, com significativas quedas nos índices inflacionários. No final de 1993, a inflação era de 2489% ao ano; ao se encerrar o primeiro ano de mandato de FHC, em dezembro de 1995, ela caíra para menos de 1000% ao ano.

Ajuste das contas públicas e privatizações

Uma redução maior era necessária, o que demandava o emprego de medidas econômicas que baixassem a inflação. O governo concentrou-se nos défices fiscais constantes (desequilíbrio entre despesa e receita) e iniciou um processo de cortes públicos intensos, visando obter o que se convencionou chamar de superávit primário (diferença entre a receita e despesa do governo, excluídos os juros da dívida).

Charge de Fernando Henrique pulando em uma cama elástica de um Real.
Na charge, Chico Caruso satiriza os efeitos políticos do Real, que levou Fernando Henrique a atropelar seus concorrentes à presidência, incluindo Lula, considerado politicamente imbatível antes do Plano Real.

Isso solucionaria dois problemas: um interno (equilíbrio fiscal, traduzido em baixa inflação) e outro externo (a credibilidade brasileira quanto aos pagamentos da dívida externa). Nesse segundo caso, o Brasil precisava reverter uma imagem negativa deixada pelos governos anteriores junto à comunidade financeira mundial (como o calote na dívida dado por Sarney), provando ser capaz de equilibrar as contas públicas de modo a se tomar atraente novamente para os investidores internacionais.

Para alcançar o ajuste necessário, o governo FHC retomou o processo de privatizações iniciado no governo Collor, acreditando que o lucro obtido com a venda das estatais consideradas deficitárias auxiliaria na busca do superávit primário.

O processo mostrou-se mais exaustivo do que se imaginava. O governo sofreu com a oposição de partidos políticos e movimentos sociais (como a CUT e a UNE), que apontavam irregularidades nos processos de privatização.

Apesar dos atropelos, o governo obteve sucesso em privatizar setores inteiros que se encontravam sob o gerenciamento do Estado e que, em muitos casos, sofriam com a corrupção e o uso político de seus recursos. Dentre os setores privatizados pelo governo FHC estavam as telecomunicações, o setor elétrico, o ferroviário, o químico, o metalúrgico e o siderúrgico.

O efeito, porém, não foi o esperado: poucas empresas e investidores demonstraram interesse na maior parte das estatais à venda; apenas algumas, como a Embratel, se revelaram atraentes aos olhos do investidor estrangeiro; outras foram compradas a preços inferiores ao seu valor.

Manifestação contra privatizações do governo FHC.Na figura, manifestação contra a privatização: o governo FHC era acusado pela oposição de desconstruir o Estado varguista e vender o patrimônio nacional (as empresas estatais) a preços abaixo dos valores de mercado.

O governo FHC teve de se debruçar também sobre a reforma de setores públicos estratégicos, o que também o desgastou – caso da reforma da previdência, impondo limites à aposentadoria tanto privada quanto pública, mas mantendo os mesmos níveis de contribuição. Alguns setores, porém, não sofreram mudanças, como os militares.

Outra mudança significativa foi a criação de novos impostos, como o IPMF (o “imposto do cheque”), posteriormente transformado em CPMF, e o congelamento das correções da tabela do imposto de renda, o que permitiu ao governo ampliar a arrecadação.

Por fim, para conter o ímpeto consumista que também ameaçava prejudicar o Real, o governo adotou elevadas taxas de juros logo de início. Havia nisso um segundo objetivo: garantir a entrada de capital de curto e de médio prazo que permitissem ao governo manter o equilíbrio das contas e honrar os pagamentos dos juros da dívida. Como resultado dessa manobra, a dívida externa e a dívida interna começaram a crescer consideravelmente.

Efeitos do Plano Real sobre a sociedade

A estabilidade da moeda preservou o poder de compra da sociedade, mas este era reduzido pelos juros praticados pelo governo, que se viu obrigado a permitir a flutuação do câmbio (que desde 1994 permanecia fixo, numa relação de igualdade entre o real e o dólar) a partir de 1997. Em decorrência disso, o dólar subiu, e o consequente encarecimento dos produtos importados auxiliou o governo na tarefa de controlar o consumo da população.

Retrato da recessão vivida no governo FHC
As medidas tomadas pelo presidente FHC resultaram em recessão, encerrando o breve período consumista do início de seu governo. Na charge, Angeli satiriza a “pobreza” do governo, que mendiga novos impostos, enquanto a sociedade empobrece com a elevada canga tributária.

Os elevados juros também inviabilizavam investimentos produtivos, incentivando apenas as aplicações financeiras (os chamados investimentos de caráter especulativo), o que contribuiu para aprofundar a recessão. Esta, em um típico efeito dominó, levou os empresários a cortar custos, o que ampliou a taxa de desemprego.

Os negócios deixaram de prosperar, e a privatização, apesar de ter universalizado o acesso a muitos serviços básicos, também elevou seu preço, a ponto de comprimir a renda da classe média, uma das mais afetadas pelos ajustes do Plano Real.

Para piorar, o país foi pego em um ciclo de crises internacionais, que se manifestavam em países que haviam realizado ajustes semelhantes aos do Brasil, como México, Rússia e Tailândia. Essas crises afugentaram os capitais especulativos que sustentavam as contas do governo, obrigando-o a recorrer várias vezes ao FMI (Fundo Monetário Internacional), acumulando um empréstimo total de 40 bilhões de dólares e levando à aceitação das propostas do Fundo para a economia brasileira.

A dívida social

Com a lógica econômica do governo, movida pelos cortes no orçamento público, o setor mais prejudicado foi o social. A sociedade sofreu um processo de empobrecimento, aliado a um descaso do Estado com a qualidade dos serviços públicos.

Nesse cenário, educação e saúde foram os setores mais afetados. Mas alguns avanços ocorreram, como a inclusão escolar de quase todas as crianças e adolescentes e a aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB) para o setor.

Na saúde, foram criados os remédios genéricos, quebrando patentes. Os infectados com o vírus da aids se beneficiaram com essa medida. Situação distinta se observava nos hospitais públicos, atolados no problema da superlotação e da falta de verbas.

FHC: reeleição e segundo mandato

A partir de 1997, iniciou-se um debate visando alterar a Constituição no sentido de permitir aos mandatários de cargos executivos recorrerem à reeleição. O próprio governo deu início às discussões, por meio de sua base aliada no Congresso.

O Congresso aprovou a medida em 1997, em uma votação tumultuada. Alguns parlamentares que votaram a favor da emenda afirmaram ter recebido dinheiro pelo voto favorável.

A aprovação da emenda permitiu a FHC se candidatar mais uma vez, em 1998, quando ele venceu Lula novamente no primeiro turno. O tema da estabilidade econômica mais uma vez foi utilizado, devido a crises financeiras que se multiplicavam no cenário internacional.

Durante todo o seu segundo mandato, que foi de 1999 a 2002, FHC se dedicou a tentar manter a estabilidade, recorrendo a novos empréstimos junto ao FMI, ampliando o endividamento externo brasileiro e aplicando novas políticas recessivas, a fim de controlar a inflação.

Ao final, desgastado pelas crises, pela recessão e por novos escândalos envolvendo amigos próximos, FHC não conseguiu fazer seu sucessor. Em 2003, Lula finalmente conseguiu chegar aonde desejava, substituindo FHC na Presidência do Brasil.

Por: João Manuel Sanchez – Mestre em história.

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