Pedagogia

Alfabetização

Forma de obter acesso ao conhecimento acumulado pelo homem por meio da escrita, a alfabetização é um dos grandes problemas com que se defrontam os países menos desenvolvidos, em função do crescimento demográfico.

Alfabetização é a maneira de se transmitir o domínio sobre o conjunto de signos que compõem o código linguístico escrito (o alfabeto), a fim de que por meio desse código o indivíduo se comunique, seja pela emissão da mensagem (escrita) ou por sua recepção (leitura). Para ser alfabetizado não basta aprender a desenhar o nome, é preciso saber utilizar-se com desembaraço da leitura e da escrita no cotidiano.

Entre os diversos métodos empregados para a alfabetização, alguns remontam a milênios e outros são recentes e bastante inovadores. Os principais métodos são o sintético, que parte da letra e da sílaba para a palavra (soletração), e o analítico, que parte de frases inteiras e as decompõe nos elementos constitutivos, as palavras. Ambos são largamente utilizados e um não exclui o outro. Em geral, a alfabetização ocorre na infância, depois que a criança já conseguiu dominar determinadas funções, processos mentais e motores. Os jardins de infância e estabelecimentos semelhantes destinam-se a estimular esse desenvolvimento, através de atividades lúdicas, música e dança. Em seguida, esse processo é aperfeiçoado pelo ensino formal, ministrado em escolas e colégios.

Alfabetização de adultos

Por diversas razões, é muito grande o número de pessoas que não tiveram acesso ao ensino escolar na fase da infância. Em quase todo o mundo elas formam um enorme contingente de analfabetos, que se veem privados da participação plena nas possibilidades culturais oferecidas pela sociedade em que vivem. Esse problema é mais premente nos países menos desenvolvidos, pois não têm condições de estabelecer uma rede de ensino que atenda a suas populações. O problema agrava-se devido ao crescimento demográfico contínuo e acelerado que se verifica nesses países. Os países desenvolvidos, além de terem estabelecido, há muito tempo, uma rede de ensino eficiente, têm índices de crescimento demográfico baixos, estáveis ou até negativos.

A preocupação com o combate do analfabetismo tem levado muitos países a empreenderem campanhas maciças de alfabetização. A princípio, os resultados mostram-se bastante animadores.

No entanto, quando cessa o empenho inicial e os alfabetizadores deixam a região, a população local retorna a um estado de analfabetismo prático. Para se obter resultado duradouro, é fundamental a criação de uma infra-estrutura eficaz, com a rápida formação de pessoal para a tarefa, o estabelecimento de condições para que se mantenha e desenvolva o aprendizado, a adequação de métodos e a motivação econômico-social do grupo-alvo.

Atuação da UNESCO: Nesse esforço, tem sobressaído a atuação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), que vem prestando colaboração a muitos países menos desenvolvidos, em várias partes do mundo. A UNESCO patrocinou as campanhas do pedagogo brasileiro Paulo Freire, realizadas no Brasil (1961-1964) e no Chile (1964-1967), com base no método que leva seu nome, compreendendo a criação dos “centros populares de cultura”, que promoviam a alfabetização a partir de palavras do universo semântico da população-alvo (no caso de lavradores, por exemplo, seriam termos ligados ao cultivo da terra, de uso diário entre eles) e permaneciam no local, estimulando o desenvolvimento da habilidade adquirida. A campanha empreendida em Cuba, a partir de 1961, reduziu o índice de analfabetismo ao nível dos países mais cultos do mundo, sendo considerada exemplar.

Caso à parte é o das línguas ágrafas, que, embora faladas pela população, não possuem expressão escrita. A UNESCO tem cooperado na elaboração de material didático em algumas línguas nativas, com intuito de pôr fim à situação anômala de alguns países em que os cidadãos que sabem ler e escrever, além de constituírem uma minoria, só conseguem fazê-lo em um idioma alheio, imposto à força pelos anos de dominação colonial ou devido à total inexistência de documentos escritos em sua própria língua.

Alfabetização e Letramento

Alfabeto

O homem sempre sentiu necessidade de se comunicar com seus semelhantes e de registrar o que via e percebia do mundo ao seu redor.

Na Pré-História, houve tentativas humanas de transmitir mensagens por meio de desenhos, sinais e imagens, mas isso ainda estava longe da criação da escrita. Somente após a elaboração de um conjunto organizado de signos (símbolos) que surgiu propriamente a escrita, tornando mais fácil a expressão dos pensamentos. Esse processo foi longo e gradual, de tal maneira que a história da escrita se funde à história da própria humanidade.

As civilizações que habitavam a região onde hoje encontramos o Oriente Médio criaram, por volta de 4000 a.C., os primeiros alfabetos, que nada mais eram do que pictogramas (desenhos simplificados) que refletiam seus hábitos e culturas.

Na antiga civilização dos sumérios, surgiu a escrita cuneiforme. Outra grande civilização que fazia uso da escrita pictográfica era a dos egípcios. Vale ressaltar que cada civilização desenvolvia tipos diferentes de ideogramas figurativos, ou seja, embora todos utilizassem desenhos para a formação do alfabeto, cada povo possuía o seu conjunto de símbolos de acordo com a realidade de cada civilização.

A importância do surgimento da escrita para a história das civilizações é tão grande que é considerada como um marco fundamental do desenvolvimento.

Pressupostos Teóricos

A escrita funciona como um elemento organizador da atividade social, como instrumento de registro e documentação. Sua invenção resultou do desenvolvimento dos grupos humanos e, principalmente, da necessidade de fazer registros, de anotar coisas e de ampliar a capacidade de armazenar e de registrar informações importantes.

A apropriação da escrita é um processo complexo e multifacetado, que envolve tanto o domínio do sistema alfabético/ortográfico quanto à compreensão e o uso efetivo e autônomo da língua escrita em práticas sociais diversificadas. A partir da compreensão dessa complexidade é que se tem abordado alfabetização e letramento como processos diferentes e complementares.

Historicamente o conceito de alfabetização se identificou ao ensino aprendizado da “tecnologia da escrita” do sistema alfabético de escrita, o que em linhas gerais significa na leitura, a capacidade de decodificar os sinais gráficos transformando os em sons e na escrita à capacidade de decodificar os sons da fala transformando-os em sinais gráficos. (BRASIL, 2007).

Na década de 80 o conceito de alfabetização foi ampliado com as contribuições dos estudos sobre a psicogênese da aquisição da língua escrita, particularmente com os trabalhos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky.

De acordo com estes estudos o aprendizado do sistema de escrita não se reduziria ao domínio de correspondência entre grafemas e fonemas, mas se caracterizaria como um processo ativo por meio do qual a criança, desde os seus primeiros contatos com a escrita, construiria e reconstruiria hipóteses sobre a natureza e o funcionamento da língua escrita, compreendida como um sistema de representação.

Progressivamente o termo passou a designar o processo não apenas de ensinar e aprender as habilidades de codificação e decodificação, mas também o domínio dos conhecimentos que permitem o uso dessas habilidades nas práticas sociais de leitura e escrita.

É diante dessas exigências que surge uma nova adjetivação para o termo alfabetização funcional, criada com a finalidade de incorporar as habilidades de uso da leitura e da escrita em situações sociais e posteriormente, a palavra letramento.

Tendo em vista que a leitura é condição essencial para que se possa compreender o mundo, os outros, as próprias experiências e a necessidade de inserir-se no mundo da escrita, torna-se imperativo que o aluno desenvolva habilidades lingüísticas para que possa ir além da simples decodificação de palavras.

Assim, “letramento é o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e a escrever, bem como o resultado da ação de usar essas habilidades em práticas sociais, é o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como conseqüência de ter se apropriado da língua escrita e ter-se inserido num mundo organizado diferentemente: a cultura escrita”.

Deste modo, em um ambiente escolar, as contribuições trazidas pelos alunos devem ser partilhadas e acrescidas mediante a contribuição do professor, que aprende, ensina e interage na construção desse conhecimento cada vez mais enriquecido.

Segundo Magda Soares, dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das atuais concepções psicológicas, lingüísticas e psicolingüísticas de leitura e escrita, a entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da escrita se dá simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do sistema convencional de escrita – a alfabetização, e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua escrita – o letramento.

Não são processos independentes, mas interdependentes, e indissociáveis: a alfabetização se desenvolve no contexto de e por meio de práticas sociais de leitura e de escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este, por sua vez, só pode desenvolver-se no contexto da e por meio da aprendizagem das relações fonema-grafema, isto é, em dependência da alfabetização.

A aquisição da leitura e da escrita está relacionada ao desenvolvimento da capacidade simbólica do ser humano. Leitura e escrita não se desenvolvem naturalmente como a fala, pois envolvem funções diferentes do cérebro.

Tornar-se alfabetizado – ter domínio da escrita alfabética – é um direito de todos, mas para que se possa formar um cidadão letrado precisa-se escolarizar as práticas sociais de leitura e escrita a partir de situações reais de comunicação.

Conforme Kleiman (2002), a cristalização do termo letramento, nos meios acadêmicos, deu-se pela necessidade de se desvincular os estudos sobre alfabetização, no sentido restrito, como já discutimos (competência/capacidade individual de uso e prática da escrita), dos estudos sobre letramento (práticas letradas sociais, culturalmente determinadas) justamente pela diversidade, complexidade e amplitude do fenômeno letramento: o conceito de letramento começou a ser usado nos meios acadêmicos numa tentativa de separar os estudos sobre o “impacto social da escrita” dos estudos sobre alfabetização, cujas conotações escolares destacam as competências individuais no uso e na prática da escrita (KLEIMAN, 2002, p. 15).

Para Soares (2001), cabe à escola alfabetizar letrando, ou seja, ensinar a ler e a escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo aprenda, ao mesmo tempo, o domínio do código escrito e os usos sociais da escrita. Dessa forma, o processo de alfabetização coloca como pano de fundo o letramento escolar: inserir, em um contexto específico, no caso a escola, diferentes práticas cotidianas de leitura e de escrita. Segundo esta autora, a escola pode ensinar o educando a buscar informações nos jornais, revistas, livros e fazer uso delas. Pode ensiná-lo a seguir instruções, escrever um bilhete ou uma lista de compras. Pode até auxiliá-lo a descobrir a si mesmo, através do envolvimento com a leitura e com a escrita.

Portanto, sugere-se que para o professor alfabetizar letrando é necessário que, primeiramente, ele obtenha informações sobre as práticas sociais que fazem parte do cotidiano do aluno, adequando-as à sala de aula e aos conteúdos a serem trabalhados; desenvolva no aluno a prática de reconhecer e utilizar os diferentes gêneros textuais que circulam na nossa sociedade; incentive-o a utilizar a leitura e a escrita de forma criativa, descobridora, crítica, autônoma e ativa, e, principalmente, desenvolva uma metodologia avaliativa sensível, preocupado com a pluralidade de vozes e a variedade de discursos e linguagens diferentes, reconhecendo o conhecimento que o educando já traz na sua bagagem cultural, e respeitando, acima de tudo, esse conhecimento.

Por fim, acredita-se que com a inclusão da prática do letramento contribui-se com a formação do cidadão, promovendo novas formas de relações no indivíduo, desenvolvendo nele capacidades múltiplas de interação com a sociedade ao abrir caminho para o acesso aos conhecimentos do mundo no qual ele vive. Essas são as implicações de alfabetizar letrando.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Ensino Fundamental de Nove Anos: orientações para a Inclusão da criança de seis anos de idade/organização do documento: Jeanete Beauchamp, Sandra Denise Pagel, Aricélia Ribeiro do Nascimento.- Brasília: FNDE, Estação Gráfica, 2006.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 20 de dezembro de 1996. Publicada no Diário Oficial da União em 20 de dezembro de 1996.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Pró-Letramento. Programa de Formação Continuada de Professores dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Alfabetização e Linguagem. Fascículo I. Brasília. 2007.

CAVÉQUIA. Márcia Paganini. Alfabetização/Márcia Paganini Cavéquia. São Paulo: Scipione, 2004. – (A escola é nossa)

CÓCCO. Maria Fernandes. ALP: Alfabetização, análise, linguagem e pensamento: um trabalho de linguagem numa proposta socioconstrutivista/Maria Fernandes Cócco, Marco Antônio Hailer. São Paulo: FTD, 1995.

JUNG, Brigitte Klemz. Fundamentos do letramento e da alfabetização/Brigitte Klemz Jung, Rosi Valéri Corrêa Araújo. – Blumenau: Edifurb: Gaspar: ASSEVALI Educacional, 2008.

SOARES. Magda. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. 26a Reunião Anual da ANPED – GT Alfabetização, Leitura e Escrita. Poços de Caldas, 7 de outubro de 2003.

STEINLE. Marlizette Cristina Bonafini et al. Instrumentação do trabalho pedagógico nos anos iniciais do Ensino Fundamental/ Marlizette Cristina Bonafini Steinle; Elaine Teixeira França; Érica Ramos Moimaz; Ana Maria de Souza Valle Teixeira; Sandra Regina dos Reis Rampazzo; Edilaine Vagula. Londrina: Editora UNOPAR, 2008.

ZÓBOLI. Graziella. Práticas de Ensino: Subsídios para a atividade docente. São Paulo. Ática: 1996.

Por: Iara Maria Stein Benítez e Fábio Tsukayama