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Intertextualidade

Intertextualidade é o diálogo estabelecido entre diferentes textos. Isso se dá quando uma produção textual faz referência ou alusão a outra, seja de maneira implícita ou explícita. Embora esse recurso seja mais comum e utilizado na produção escrita, a intertextualidade pode ocorre também em produções gráficas, audiovisuais e até mesmo “intermídias”.

Há tons distintos no diálogo estabelecido pela intertextualidade. O discurso e o tom variam conforme a intenção do autor que estabelece as referências, sendo que alguns deles são mais comuns:

  • Paródia: uso do humor para citar o conteúdo ou o estilo de um texto.
  • Epígrafe: frases que sintetizam o texto e convidam à leitura.
  • Citação: fragmentos de outros textos, literais ou não.
  • Paráfrase: textos reescritos com palavras diferentes, sem alterar o sentido original.
  • Alusão: referências a outros textos por meio de sugestões.
  • Tradução: versão de um texto de língua para outra sem perder o sentido.

Paródia

As paródias possuem um caráter irônico, cômico, e por vezes até mesmo depreciativo ou ofensivo em relação ao texto referenciado. Em suma, as paródias criam uma espécie de réplica ou releitura do texto-referência, porém com a inserção de elementos que criam uma atmosfera de humor, e muitas vezes com um viés crítico. O objetivo da paródia não se esgota no mero humor – mas pode significar muitas vezes uma crítica, implícita ou explícita, à obra ou obras-referência. Em raras vezes as paródias podem, ainda, homenagear ou celebrar a obra original que motivou a referência.

O surgimento das paródias remonta à Idade Média, de certo modo. Menestréis e bardos faziam constante uso da paródia para elaborar músicas, canções e poesias maliciosas, numa época onde a Igreja exercia controle moral estrito da sociedade, ou mesmo para realizar e propagar críticas a reis, nobres, clérigos e figuras de autoridade, sem incorrer numa crítica direta (essa geralmente punível com a morte).

Um dos talvez mais famosos livros de paródia da história é Dom Quixote, de Miguel de Cervantes (1547-1616). O livro é uma evidente paródia de todos os tradicionais romances de cavaleiros da época, retratando um “cavaleiro” velho, decrépito e com ilusões de grandeza, que enfrenta lutas e desafios dentro das suas próprias ilusões, para ao fim retornar a um mundo real onde heróis são uma mentira.

“Esse meu mestre, por mil sinais, foi visto como um lunático, e também eu não fiquei para trás, pois sou mais pateta que ele, já que o sigo e o sirvo, se é verdadeiro o refrão que diz: ‘diga-me com quem anda e te direi quem és’ e o outro de ‘não com quem nasce, mas com quem passa’.” (Dom Quixote, Parte 2, Capítulo 10).

Epígrafe

A epígrafe é o recurso que permite estabelecer uma relação com outro texto logo no início de uma produção textual. É uma citação direta na abertura de um texto literário ou artigo científico, que faça referência inequívoca, ainda que discreta, à obra inter-relacionada.

Esse posicionamento da referência a um texto alerta a audiência sobre a relação existente entre as obras e oferece ao público a possibilidade de buscar complementação e riqueza de conteúdo em outra obra, que não a que faz a referência.

Um caso interessante do uso da epígrafe é o encontrado no romance brasileiro Inocência, de Visconde de Taunay. Há no início de cada capítulo uma citação da Bíblia e de Fausto, obra do escritor Goethe. Ao memo tempo que as citações sugerem reflexões mais universais que a própria obra, ainda brincam com a ideia de “inocência”, ao estabelecer citações sacras e também da obra de Goethe, que retrata temas mais tétricos e diabólicos.

Primeiro capítulo de Inocência, de Visconde de Taunay.

Citação

A citação é o caso tradicional de intertextualidade explícita – trechos do texto externo que são incluídos no texto presente. Comum em textos científicos, acadêmicos, técnicos, enfim, nas modalidades objetivas de comunicação escrita, consiste na apresentação de um trecho de um texto anterior, destacado e creditado como tal, com referência bibliográfica.

Nas artes, também surge, com a liberdade de não apresentar a indicação completa da origem, como pode ser visto na música “O Estrangeiro” de Caetano Veloso. Nas citações, o aspecto mais importante é o crédito ao autor – a ideia é utilizar as ideias ou defesas de outrem para reforçar um ponto de vista próprio.

O pintor Paul Gauguin amou a luz da Baía de Guanabara
O compositor Cole Porter adorou as luzes na noite dela
A Baía de Guanabara
O antropólogo Claude Levy-Strauss detestou a Baía de Guanabara:
Pareceu-lhe uma boca banguela.
E eu, menos a conhecera, mais a amara?
Sou cego de tanto vê-la, de tanto tê-la estrela
O que é uma coisa bela?” (…)

Trecho de “O Estrangeiro”, de Caetano Veloso

Paráfrase

A paráfrase retoma uma ideia ou conceito com reprodução semelhante da utilizada originalmente, mas com diferenças de estilo ou de contexto, com o intuito de fazer com que o público possa recuperar a informação original.

O termo em si é derivado do latim paraphrasis, com referências ao grego antigo, cujo significado é “maneira adicional de expressar-se”. O intuito da paráfrase é exatamente esse: ao invés de pura e simplesmente apropriar-se do discurso de outra obra, o autor reelabora o discurso com seu próprio estilo, com o objetivo de referir a obra original, mas também incluir informações novas ou complementares.

Alusão

A alusão consiste no estabelecimento do diálogo com outro texto por meio de uma sugestão – para quem é fã de filmes de Hollywood, é possível identificar ocorrências de alusões a todo momento. Diretores como Quentin Tarantino se tornaram famosos com alusões (embora também usem de citações, paráfrases e outros recursos) a outras obras, momentos da humanidade, propagandas, costumes de determinadas épocas e muito mais.

Em Pulp Fiction: Tempo de Violência, por exemplo, Tarantino aproveitou o ator John Travolta e fez, no filme, alusões claras a outros sucessos do próprio ator, tais como Grease, nos Tempos da Brilhantina e Nos Embalos de Sábado à Noite.

A alusão nunca declara ou aponta diretamente a referência e confia na bagagem cultural da própria audiência para que as referências à obra aludida sejam detectadas.

Referência

Convenciona-se considerar a referência uma menção mais óbvia, que não chega a ser uma citação, mas é muito claramente ligada a uma obra anterior. É bastante usada em textos acadêmicos e científicos, quando o claro objetivo é dar o crédito a uma obra usada para consulta, mas sem recorrer a uma simples inclusão de um excerto.

Contudo, na literatura a referência é igualmente possível. Por exemplo, mencionar o título de um romance ou o nome de algum personagem célebre de outro autor em sua obra: no conto “Missa do Galo”, de Machado de Assis, por exemplo, o narrador cita sua leitura de Os Três Mosqueteiros de Alexandre Dumas.

“Tinha comigo um romance, Os Três Mosqueteiros, velha tradução creio do Jornal do Comércio. Sentei-me à mesa que havia no centro da sala, e à luz de um candeeiro de querosene, enquanto a casa dormia, trepei ainda uma vez ao cavalo magro de D’Artagnan e fui-me às aventuras. Dentro em pouco estava completamente ébrio de Dumas”

Trecho de Missa do Galo, obra de Machado de Assis.

Referências:

  • STAM, Robert. Bakhtin: Da Teoria Literária à Cultura de Massa. São Paulo: Ática,
    2000. (Série Temas Literatura e Sociedade, v.20).

Por: Carlos Artur Matos

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