Química Nuclear

Produção de Urânio no Brasil

Os Recursos Energéticos Brasileiros: O Urânio no Brasil

Em 1952, o Conselho Nacional de Pesquisas – CNPq iniciou a primeira prospecção sistemática de minerais radioativos no Brasil. Em 1956 o processo de prospecção passou a ser feito através da recém-criada Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN, e, a partir de 1970, com uma aplicação mais substancial de recursos financeiros e com a participação da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais – CPRM na execução, até 1974 as reservas do país somavam um total de 11.040t de U3O8.

Após a criação da NUCLEBRÁS em dezembro de 1974, os estudos das reservas brasileiras passaram a ser feitos direcionados às metas do Programa Nuclear Brasileiro de busca por autonomia energética, que, por ocasião da chamada primeira “crise do petróleo” de 1973, destinou grandes investimentos à prospecção, pesquisa, desenvolvimento de métodos e técnicas de trabalho e lavra de jazidas de urânio no país. Um grande número de ambientes geológicos favoráveis ao estudo detalhado foram delimitados, resultando na revelação de novas jazidas, entre elas as províncias de Itataia (CE) em 1976 e Lagoa Real (BA) em 1977, levando o Brasil a ocupar no “ranking” mundial de reservas de urânio o lugar em que se encontra atualmente. De acordo com o Balanço Energético Nacional – MME de 1982, as reservas de urânio brasileiras somavam cerca 301.490t de U3O8.

Em 1988 a NUCLEBRÁS foi transformada em Industrias Nucleares Brasileiras – INB, permanecendo até os dias atuais, englobando as funções do ciclo do combustível nuclear desde a mineração, passando pelo enriquecimento até a fabricação do combustível nuclear.

Distribuição das reservas de Urânio no Brasil

O Brasil possuí, hoje, a 6ª maior reserva mundial de urânio com 309.370 toneladas de U3O8, o que permite o suprimento de combustível para suas usinas nucleares a longo prazo, além do excedente poder ser utilizado para a exportação.

As principais reservas de urânio brasileiras estão distribuídas em sete jazidas: Itataia (CE), Espinharas (PB), Amorinópolis (GO), Lagoa Real (BA), Quadrilátero Ferrífero (MG), Poços de Caldas (MG), Figueira (PR). A jazida de Itataia, localizada na parte central do Estado do Ceará, embora seja a maior reserva de urânio do país (142,5 mil toneladas), a mineração está condicionada à produção de ácido fosfórico, ou seja, depende da exploração do fosfato que se encontra associado ao urânio.

Atualmente a produção brasileira está centrada na unidade da INB (Industrias Nucleares do Brasil) na província uranífera de Lagoa Real no estado da Bahia. Um outro centro de produção possível de entrar em operação é o de Itataia no Ceará, onde o urânio seria recuperado como um coproduto junto com o fosfato da apatita e da colofanita.

O Processo de beneficiamento do Urânio e a produção de combustível nuclear

O primeiro complexo mínero-industrial para a extração e beneficiamento do urânio no Brasil foi instalado pela NUCLEBRÁS no município de Caldas (MG), em 1982. Devido a complexa constituição do minério encontrado nessa região, fez-se necessário o desenvolvimento de um processo específico de extração do urânio e elementos associados. Começou também a ser utilizado o processo de tratamento químico do urânio para transformação em “yellowcake”, ou seja, teve início o desenvolvimento do ciclo do combustível nuclear. Atualmente, como a viabilidade econômica de extração do urânio dessa região está esgotada, as instalações de Poços de Caldas estão sendo utilizadas para o tratamento químico da Monazita e de minerais contendo o urânio como subproduto.

A extração do concentrado de urânio – U3O8 (yellowcake) é feita hoje na unidade de beneficiamento das Industrias Nucleares Brasileiras – INB, localizada próximo aos municípios de Caetité e Lagoa Real, no sudoeste do estado da Bahia. A capacidade de produção é de 400 toneladas/ano de U3O8, e as reservas dessa região estão estimadas em 100 mil toneladas de urânio sem outros minerais associados, quantidade suficiente para suprir a demanda das usinas nucleares de Angra I e II por mais de 100 anos. Em 2001, foram enviados para o exterior, oriundos de Caetité, para serviços de conversão e enriquecimento, 86t de DUA, equivalentes a 73t de U3O8 (INDUSTRIAS NUCLEARES DO BRASIL, 2002).

Para realizar o processo de enriquecimento do U3O8, esse material é transformado em um gás com elevado valor energético, aumentando a concentração de U-235. Entretanto, essa é a única etapa do ciclo do combustível nuclear que não é realizado no Brasil.

As etapas seguintes de produção do combustível nuclear são realizadas na unidade da INB localizada em Resende no estado do Rio de Janeiro, a FCN – Fábrica de Combustível Nuclear. O processo de fabricação inicia-se reconvertendo o gás em pó de dióxido de urânio – UO2. Segundo dados da INB, no ano de 2001 foi alcançada uma produção de 58,3 t de UO2 . O pó de dióxido de urânio é prensado em pastilhas para a produção do elemento combustível (conjuntos de varetas recheadas com as pastilhas de urânio) para os reatores das usinas de Angra. Em 2001 foram produzidos 16 elementos combustíveis para a 1ª recarga de Angra 2, bem como 40 elementos combustíveis para a 10ª recarga de Angra 1. (INB, 2002). A INB pretende, a partir de outubro de 2004, incorporar o processo de enriquecimento de urânio em ultracentrífugas, um processo diferente do método de difusão de gás que é utilizado atualmente. As ultracentrífugas são máquinas que giram à velocidade de 70 mil rpm, e foram desenvolvidas no Brasil à partir de um projeto adquirido juntamente com o acordo Nuclear para compra das Usinas de Angra 2 e 3, feito com a República Federal da Alemanha em 1975.

Para o funcionamento eficiente dos reatores nucleares, usados na geração de energia elétrica ou como força propulsora, o combustível deve apresentar o urânio-235 na proporção entre 2% e 3%, enquanto que nas bombas atômicas requer-se 90%. Como o minério contém apenas 0,7%, o urânio deve passar por um processamento de elevação do teor desse isótopo, conhecido como enriquecimento de urânio. O primeiro método utilizado em escala industrial foi o da difusão gasosa, que consiste na passagem do gás hexafluoreto de urânio por paredes porosas, atingindo-se a cada passagem maior concentração das moléculas mais leves de UF6, formadas por átomos do isótopo desejado.

Um outro método consiste na ultracentrifugação do gás, de forma a poder coletar-se as moléculas mais leves fora da borda da centrífuga. Esse método ainda se encontrava em fase experimental em 1975 quando o presidente Geisel assinou o Acordo Brasil-Alemanha, no qual constava, além da aquisição das centrais nucleares de Angra 2 e 3, a transferência dessa segunda tecnologia de enriquecimento desenvolvida até aquela época pela Alemanha.

O Programa Nuclear e os atuais níveis de demanda energética do Brasil

O “Livro Branco” do Programa Nuclear Brasileiro foi elaborado em 1977 com o objetivo de promover a construção de Reatores Nucleares para a geração de energia elétrica no Brasil a médio e longo prazo. Este programa fazia parte da estratégia do Governo Federal de criar alternativas para diminuir a dependência das importações de petróleo – produto que já foi a base da geração de energia no Brasil e que, a partir de 1973, iniciou um período de crise internacional, gerando grandes aumentos. Baseado nas projeções do “Plano 90”, formulado em 1974 pela Eletrobrás, o “Livro Branco” considerou que como a expectativa de crescimento da demanda de eletricidade no Brasil seria em uma média de 8,7% a 11,4% e que o consumo dobraria a cada sete anos, haveria, então, a necessidade de uma potência energética instalada na ordem de 180 mil a 200 mil MW até o final do século. Tendo em vista que o potencial hídrico nacional, estimado em 150 mil MW à época, estaria esgotado até o ano 2000, o Governo Federal considerou a Energia Nuclear como a única alternativa realmente viável, alegando que naquela época, as usinas nucleares já haviam alcançado um alto grau de confiabilidade técnica e competitividade de seus custos de produção frente ao quadro da economia de petróleo (BRASIL, 1977).

A expectativa de crescimento da demanda nacional de energia elaborada pelo Governo Federal considerava os níveis de crescimento econômico do período do “Brasil Potência”, época em que o crescimento econômico brasileiro apresentou altas taxas de crescimento anual, principalmente devido as políticas governamentais de industrialização do país feito através de financiamento externo. Entretanto, atualmente compreende-se que as taxas de crescimento econômico no Brasil após o ano de 1979 foram bem menores se comparadas com a década de 1970, devido a períodos de crises e recessão econômicas que ocorreram no contexto internacional nas décadas de 1980 e 1990. Foi constatado também que o potencial hídrico brasileiro ultrapassa a estimativa de 150 mil MW, apresentada pelo Governo naquela época, e a de 213 mil MW, apresentado pela Eletrobrás em 1982.

O crescimento econômico ocorrido no país nas ultimas décadas, gerou um aumento considerável da demanda energética brasileira, porém, muito abaixo das expectativas anunciadas pelo governo naquela época. Na análise do quadro de produção nacional de energia elétrica a partir da década de 70, destaca-se o crescimento das hidroelétricas como principal fonte geradora, com uma capacidade total instalada de 65.311 MW em 2002 (MINISTÉRIO DAS MINAS E ENERGIA, 2003).

A produção de energia elétrica de origem nuclear não acompanhou esse aumento da demanda energética nacional das ultimas décadas. A energia gerada foi de 657MW no período de 1985 a 1999, e ampliada para 2.007 MW, devido a construção da usina de Angra 2, no período de 2000 a 2002 (MME, 2003).

Atualmente, a geração hidroelétrica representa uma parcela superior a 70% do total da oferta de eletricidade gerada no Brasil, enquanto que as Usinas Nucleares de Angra 1 e 2 representam apenas 3,6%, uma parcela pouco significativa quando considerado a demanda no contexto nacional. Entretanto, as usinas de Angra 2 e Angra 1 ocupam, respectivamente o primeiro e o segundo lugar entre as geradoras térmicas brasileiras. As duas usinas representam cerca de 45% da energia consumida no estado do Rio de Janeiro. A construção de uma terceira usina na região, com potência de 1.350MW, elevaria esse percentual para aproximadamente 60%. A produção energética da usina de Angra 2, por exemplo, teria sido capaz de cobrir o consumo de energia elétrica do estado do Pará ou toda a eletricidade consumida nos estado de Goiás e Espirito Santo juntos, durante todo o ano de 2001.

No momento, a produção brasileira é destinada ao mercado interno, i.e., para atender a demanda dos reatores das usinas de Angra I e II e futuramente de Angra III, caso o governo brasileiro decida por sua construção. Todavia, o cenário da energia nuclear está aberto e pode representar oportunidades reais para o país no cenário interno assim como no externo, especialmente se for levado em consideração que o Brasil detém a sexta maior reserva mundial de urânio, isto sem que todo o território brasileiro tenha sido prospectado.

Neste escopo os aspectos relacionados com a constante atualização de regulamentos e normas técnicas, qualificação e treinamento continuado de pessoal, disponibilização de infra-estrutura adequada e desenvolvimento de pesquisas direcionadas que permitam, por exemplo, adequar projeções feitas para cenários desenvolvidos para paises com condições ambientais diferentes da nossa são aspectos essenciais. É absolutamente necessário que órgãos reguladores e operadores não sejam entidades antagônicas entre si e sim corresponsáveis por um projeto de desenvolvimento nacional visando o bem estar da população brasileira.

Tomando-se por base o que foi verificado nos centros de produção de urânio ao longo das últimas décadas, a adoção de requisitos regulatórios cada vez mais restritivos levou a um aumento de eficiência do setor produtivo, redução de gastos na mitigação de impactos ambientais e formulação de abordagens criativas no relacionamento com comunidades potencialmente afetadas pelos projetos de produção.

Por fim, deve ser entendido que o relacionamento com a opinião pública deve ser pautado por práticas transparentes, tanto do órgão operador quanto do órgão regulador englobando aí ações pró-ativas de esclarecimento, além de práticas concretas no campo da responsabilidade social. Na medida que o Brasil consiga atingir um aprimoramento sustentável nessas práticas, o futuro do programa nuclear brasileiro, num cenário desafiador e complexo, poderá ter condições reais de desenvolvimento e expansão.

Conclusão

Através das análises feitas sobre as reservas minerais e os níveis atuais de produção e consumo de energia no Brasil, pôde ser feita uma reflexão sobre o contexto no qual a energia nuclear está inserida.

A introdução das Usinas Nucleares no Brasil foi no início da década de 70, período do chamado “milagre brasileiro”, no qual o Governo Federal fazia previsões otimistas quanto ao crescimento e desenvolvimento econômico no país (chegando a 10% ao ano) para as próximas décadas, e afirmava também que o potencial hidroelétrico estaria esgotado até o ano 2000. Constatou-se entretanto que, as previsões referentes ao crescimento econômico não se concretizaram sobretudo devido ao período de crise mundial que se instalou a partir da década de 80. O moderado crescimento econômico do país acompanhou a produção energética que esteve baseada principalmente na geração hidroelétrica como principal fonte. No ano de 2001 ocorreu o chamado “apagão”, que serviu de alerta quanto a produção e o potencial hidroelétrico brasileiro, não sendo permitido ao país a dependência apenas dessa fonte de energia.

A construção da usina nuclear de Angra 3 não representa solução definitiva para um problema de demanda energética futura, levando em consideração que, em países como o Brasil, o crescimento econômico gera um aumento do consumo de energia em iguais proporções. A usina de Angra 3 não representaria parcela considerável dentro do contexto nacional. Contudo, em relação ao Estado do Rio de Janeiro, Angra 3 seria um caso a parte, pois, este estado depende muito da geração hidroelétrica proveniente de outras regiões. Dessa forma, Angra 3 constituí-se como um empreendimento atrativo, pois, poderia representar uma solução para minimizar a dependência energética do estado em relação a outras regiões. Além disso, a alternativa das usinas térmicas à gás, adotada pelo governo para diversificação da produção energética nacional, produzem grande poluição a atmosfera e não representam independência em relação ao fornecimento de combustível externo.

O alto custo de instalação de Angra 3 é, também, um fator que dificulta o prosseguimento do programa nuclear. Este indicativo elevaria muito o preço da energia gerada pela usina. Além dos recursos financeiros necessários na construção, que provavelmente seriam fornecidos através de empréstimos externos, é essencial haver uma reorganização quanto a operação e manutenção para uma maior eficiência energética e segurança das plantas industriais em funcionamento atualmente.

Os resíduos radioativos gerados por essas usinas, apesar de estarem totalmente identificados e monitorados, representam um certo risco por não terem um destino definitivo.

Entretanto, o desenvolvimento da tecnologia de produção de urânio enriquecido, contendo todas as fases do ciclo, representaria a possibilidade de gerar internamente todo o combustível necessário para operar as usinas nucleares, utilizando o potencial das reservas de minerais de urânio brasileiras inclusive para a exportação.

Apesar de todas as oposições, questionamentos e controvérsias que a Energia Nuclear enfrenta no contexto nacional, essa permanece sendo uma alternativa que não foi descartada das metas do Governo Federal. Além do mais, o Programa Nuclear Brasileiro sobrevive graças a um paradoxo: gastou demais para ser desativado.

Autoria: Andressa Fiorio

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