Biografias

Bocage

Bocage, cujo nome completo é Manuel Maria Barbosa du Bocage, foi um dos mais importantes poetas do Arcadismo português.

Biografia

Bocage nasceu em Setúbal, em 1756, filho de um advogado e de uma senhora francesa. A influência poética possivelmente veio do próprio lar: Madame Fiquet du Bocage, uma tia-avó do poeta, era uma poetisa ilustre na época e havia vertido para o português a obra do poeta suíço pré-romântico Gessner. O pai de Bocage lia o pré-romântico inglês Young e cultivava a poesia como amador.

Bocage entrou para a Academia Real dos Guardas-Marinhas, em 1783, entregando-se, mais do que aos estudos, à boêmia literária da Lisboa da época, frequentando botequins, sobretudo o Nicola, do Rossio, ao qual o seu nome ficou para sempre ligado, como famoso improvisador de versos.

Era obcecado por Camões, e, como ele, teve vida agitada, envolvido com carreira militar, cheia de viagens. Embarcou para Goa (1786) e serviu na guarnição de Damão (1789). Mais tarde, desertou, embarcando para Macau, e daí regressou a Lisboa em 1790, ano em que foi fundada a Nova Arcádia, na qual ingressou, adotando o nome poético de Elmano Sadino. Dela foi expulso, em 1794, devido ao seu espírito independente, sarcástico e indisciplinado.

Retrato de Bocage.
Bocage

A 10 de agosto de 1797, foi acusado de ideias contra a ordem social, expressas na Epístola a Marília, texto antirreligioso, e no soneto dedicado a Napoleão, símbolo do ideal revolucionário da época. Foi julgado por “erro contra a religião” e a Inquisição ordenou que o preso fosse “doutrinado”.

A sentença determinou seu recolhimento ao Hospício das Necessidades. Foi libertado em 1799, convertendo-se a uma vida mais regrada na casa da irmã, Maria Francisca, que o sustentou com trabalhos de tradução.

Marcado pelas atribulações do seu percurso, sua vida terminou precocemente e com um doloroso arrependimento, patente nos seus últimos poemas. Morreu aos quarenta anos, em 1805, bastante arrependido da vida desregrada que havia levado.

Obra

A obra de Bocage contém poesia lírica e satírica. Sua obra lírica aborda desde os temas convencionais do Arcadismo até os temas do movimento pré-romântico, sobretudo a última fase de sua poesia, que é marcada pelo arrependimento e pela autopiedade.

Foi a poesia satírica que fez de Bocage um poeta popular e foi essa mesma poesia que lhe valeu a prisão e a censura, pois nela abordava temas proibidos, como o erotismo, a politicagem, a hipocrisia e a corrupção.

Três coletâneas de seus poemas foram publicadas com o nome de Rimas (1791, 1799 e 1804).

Interpretação dos poemas de Bocage

Texto 1

Mimosa, linda Anarda, atende, atende
As doces mágoas do rendido Elmano;
C´um meigo riso, c´um suave engano
Consola o triste amor, que não te ofende.

De teus cabelos ondeados pende
Meu coração, fiel para seu dano;
co(m)´a luz dos olhos teu Cupido ufano
Sustenta o puro fogo, em que me acende:

Causa gentil das lágrimas que choro,
A tudo te antepõe minha ternura,
E quanto adoro o céu, teu rosto adoro:

O golpe, que me deste, anima e cura…
Mas ai! Que em vão suspiro, em vão
                                                                [te imploro:
Não pertence a piedade à formosura

No soneto anterior, Bocage faz uso das convenções neoclássicas: denomina sua amada de Anarda e a si de Elmano.

Na primeira estrofe, confessa seu amor pela linda Anarda e pede-lhe um riso como consolo ao amor que sente.

Na segunda estrofe, os cabelos ondeados da amada intensificam ainda mais o amor e o “dano”, pois ao vê-los sofre; através dos olhos dela, Cupido, deus do amor, desperta nele o desejo de amá-la.

Na terceira estrofe, a amada é a causa do sofrimento que sente, porque antes de tudo tem por ela ternura, chegando a compará-la ao céu; o céu deve ser adorado e admirado, mas é sempre algo distante.

Na última estrofe, no primeiro verso, afirma que o golpe, isto é, a beleza que despertou nele o amor é causa de ânimo, mas em seguida, nos dois últimos, afirma que o amor que ele sente não é correspondido, porque a beleza dela não tem piedade, isto é, não cede aos desejos dele.

Texto 2

Oh retrato da morte, oh Noite amiga
Por cuja escuridão suspiro há tanto!
Calada testemunha de meu pranto!
De meus desgostos secretária antiga!

Pois manda Amor, que a ti somente os diga,
Dá-lhes pio agasalho no teu manto;
Ouve-os, como costumas, ouve, enquanto
Dorme a cruel, que a delirar me obriga:

E vós, oh cortesãos da escuridade,
Fantasmas vagos, mochos piadores,
Inimigos, como eu, da claridade!

Em bandos acudi aos meus clamores;
Quero a vossa medonha sociedade,
Quero fartar meu coração de horrores

Soneto típico da última fase de Bocage. A presença de verbos e pronomes na primeira pessoa já estabelece certo distanciamento das convenções árcades.

Na primeira estrofe, a presença da morte, vista como testemunha do sofrimento do poeta, é algo que ele deseja, algo pelo qual “suspiro há tanto”. Predomina a ambientação noturna, enquanto o Arcadismo valoriza o dia.

Na segunda estrofe, o Amor é quem manda o poeta dizer seus sofrimentos à morte. Esta, por sua vez, dá abrigo aos seus sofrimentos, enquanto “dorme a cruel”, que o obriga a delirar. Esta “cruel que o obriga a delirar” pode ser uma amada, mas pode ser também uma referência a algo que o faz sofrer.

Na terceira estrofe, aparecem fantasmas, “mochos piadores”, aves de mau agouro, seres noturnos.

Na última estrofe, o poeta manifesta seu desejo pela companhia dos fantasmas, por tudo que possa despertar pavor, porque ele deseja se fartar de horrores.

Por: Wilson Teixeira Moutinho

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