Animais

Serpentes peçonhentas e não peçonhentas

Todas as cobras produzem veneno num par de glândulas salivares modificadas, mas nem todas são capazes de inoculá-lo. Por isso, costuma-se separá-las em peçonhentas e não peçonhentas.

O veneno contém muitos polipeptídeos e proteínas, incluindo neurotoxinas que impedem a transmissão dos impulsos nervosos aos músculos e enzimas hemolíticas que destroem fatores de coagulação do sangue, produzem hemorragias internas e destroem alguns tecidos. A exata composição do veneno varia com a espécie.

Existem no Brasil setenta espécies de cobras peçonhentas distribuídas em quatro gêneros: Crotalus (cascavéis, responsáveis por 8% dos acidentes com cobras peçonhentas), Bothrops (jararacas em geral, urutus, cotiaras, caiçacas, responsáveis por quase 90% dos acidentes), Lachesis (surucucu pico-de-jaca, a maior de todas, com até 4,5 metros de comprimento e 3% dos acidentes) e Micrurus (coral-verdadeira, com 1% dos acidentes). No Brasil, a mortalidade por picada de cobras atinge quase 1% dos casos.

O veneno das cascavéis tem ação neurotóxica, coagulante e miotóxica. Nas jacaracas a ação é proteolítica, coagulante e hemorrágica (nos casos graves). O veneno da surucucu tem ação proteolítica, coagulante, hemorrágica e neurotóxica. Nas corais-verdadeiras a ação é neurotóxica.

como as serpentes peçonhentas percebem suas presas
As serpentes peçonhentas percebem o calor irradiado por uma presa através das fossetas loreais.

É desaconselhável fazer torniquete no membro atingido, na tentativa de impedir que o veneno circule. O garrote, se praticado por pessoa inexperiente, pode impedir a circulação do sangue nas extremidades do órgão e causar gangrena, obrigando, às vezes, à amputação.

Além disso, quando a ação do veneno é proteolítica — como nas jararacas, que causam o maior número de acidentes —, a retenção do veneno no local da picada produz necrose mais intensa e rápida nos tecidos desse local.

Portanto, é melhor deixar que o sangue circule normalmente, mantendo-se o acidentado deitado em repouso, encaminhando-o para o tratamento com soro antiofídico específico.

Classificação

Levando em conta as adaptações da dentição à capacidade inoculadora de veneno, podemos classificar as serpentes em quatro grupos:

  1. Aglifodontes — todos os dentes sem sulco ou canal inoculador. Ex.: família Boidae (sucuri, jiboia) e jararacuçu-do-brejo.
  2. Proteroglifodontes — Um par de dentes sulcados na parte anterior da boca. Ex.: coral-verdadeira.
  3. Opistoglifodontes — um par de dentes sulcados, situados na parte posterior da boca; por isso, só excepcionalmente causam acidentes. Ex.: falsas corais, muçurana, cobra-cipó, boipeva.
  4. Solenoglifodontes — um par de grandes presas anteriores, móveis, renováveis, com canal central por onde escorre o veneno. Constitui o tipo mais especializado para a inoculação. Ex.: cascavéis, jararacas e surucucu.

O elemento mais importante na identificação das serpentes mais perigosas, com exceção da coral-verdadeira, é a fosseta loreal. Mas há outras características que, associadas a outros elementos, podem ajudar na diferenciação entre serpentes peçonhentas e não peçonhentas, como se pode conferir nos esquemas e quadros da página seguinte.

Diferenças entre as serpentes

Diferença entre serpentes peçonhentas e não peçonhentas

A- Serpente peçonhenta: cabeça recoberta por escamas ásperas como as do resto do corpo; ausência de placas grandes na cabeça; pupila em fenda vertical; presença de fosseta loreal.

B – Serpente não peçonhenta: presença de grandes placas na cabeça; pupila arredondada; ausência de fosseta loreal.

SERPENTE
PEÇONHENTA
NÃO PEÇONHENTA
Cabeça
Recoberta com escamas semelhantes às

do resto do corpo.

Presença de fosseta loreal e de presas

anteriores.
Recoberta com escamas grandes (placas), diferentes das que revestem o resto do corpo.

Ausência de fosseta loreal e de presas anteriores.
Olhos
Pupilas em fenda vertical.
Pupilas arrendo dadas.
Corpo
Tende a ser grosso e não muito longo (cauda curta).
Tende a ser fino e longo (cauda longa).
Cútis
Áspera (escamas com quilha)
Lisa (escamas sem quilha).
Comportamento
Hábitos noturnos. Coloca-se em posição de defesa quando molestada. Costuma ser vagarosa.
Hábitos diurnos. Tende a fugir quando molestada. Costuma ser muito ágil.
Observações: 1. A presença de fosseta loreal e de presas anteriores constituem as características mais importantes.

2. As características diferenciais referidas neste quadro nem sempre são absolutamente seguras e não se aplicam ao gênero Micrurus (corais verdadeiras) e à família Boidae (jiboia e sucuri).

Por: Paulo Magno da Costa Torres

Veja também: