Doenças

A Má Formação das Proteínas

Esta manhã já misturou algumas proteínas? Provavelmente sim se, por exemplo, fritou ovos:

Quando fritamos um ovo as proteínas da clara se desfazem. Mas quando o ovo esfria as proteínas não retornam ao seu estado e à sua forma originais. O que acontece é que formam uma massa sólida e insolúvel (mas gostosa…). Isto é uma deformação. Do mesmo modo os bioquímicos sempre tiveram problemas com a tendência de algumas proteínas de formarem massas insolúveis no fundo de seus tubos de ensaio. Sabemos que estas últimas, também, foram proteínas que se deformaram para formações não pretendidas.

Para a formação de proteínas, máquinas moleculares conhecidas como ribossomas se associam com amino-ácidos em cadeias lineares e compridas. Do mesmo modo que laços de uma bota estas cadeias dão voltas nelas próprias de uma variedade de formas (isto é, elas se formam, se associam). Mas, da mesma forma que com o laço da bota, apenas um dos caminhos permite que a proteína exerça sua funcionalidade corretamente. Assim mesmo, nem sempre a perda de funcionalidade pode ser a pior situação.

Por exemplo é melhor um laço todo torto e mal feito do que um laço que nem consegue se segurar, do mesmo modo um número exagerado de proteínas mal formadas pode ser pior do que um número pequeno de proteínas corretamente formadas. Este ponto é tão mais verdadeiro e importante quando notamos que uma proteína mal formada pode na realidade envenenar as células que se encontram à sua volta.

As proteínas necessitam passar por estados parciais de formação nos quais elas acabam ficando preparadas tanto para uma formação correta e completa como para se tornarem completamente desfiguradas como resultado de uma associação prematura com outras moléculas. O reconhecimento do fato de que são os passos intermediários e não a proteína formada que estavam causando os problemas acabou abrindo a possibilidade de entendimento de um grupo de doenças.

Mal de Alzheimer

O Mal de Alzheimer afeta 10% das pessoas com mais de 65 anos de idade e talvez metade dos que têm mais de 85 anos de idade. A cada ano esta doença além de matar 100.000 Americanos nos Estados Unidos ainda custa à sociedade norte-americana 82,7 bilhões de dólares em cuidados que necessitam ser proporcionados às suas vítimas.

Desde o início do século 20 que médicos têm notado que certas doenças são caracterizadas por depósitos extensos de proteínas em alguns tecidos. A maioria das doenças é rara porém esse não é o caso do Mal de Alzheimer. Foi o próprio Alois Alzheimer que notou a presença de “misturas neurofibrilares e placa neurítica” em certas regiões do cérebro do paciente.

Em 1991 vários diferentes grupos de pesquisa notaram que indivíduos com certo tipo de mutações na sua proteína percursora amiloide desenvolviam o Mal de Alzheimer já a partir dos 40 anos de idade. O organismo processa a proteína percursora amiloide em uma peptido solúvel (proteína pequena) conhecida como Ab; em alguns casos a Ab então se agrega em longos filamentos que não conseguem ser eliminados pelos métodos de limpeza usuais do organismo. Estes se associam e formam o b-amiloide, que forma a placa neurítica nos pacientes que sofrem do mal de Alzheimer.

Assim, a associação consistente de mutações da proteína percursora amiloide com os mais jovens pacientes do Mal de Alzheimer acabou respondendo a uma questão que vinha sendo longamente debatida: o depósito da placa neurítica é parte do caminho que leva a doença e não apenas uma consequência tardia da doença.

Doença da Vaca Louca

Talvez o caso mais interessante de desordem na formação de proteínas é o Mal da Vaca Louca e o seu equivalente humano – a doença de Creutzfeldt-Jacob. Estas doenças, junto com a versão das ovelhas conhecido como scrapie deixaram a comunidade científica exaltada durante anos. Tratam-se de doenças infecciosas transmitido por prions ou partículas de proteínas. Os prions parecem tratar-se de proteínas puras; Não contém DNA nem RNA. Assim mesmo um agente infeccioso é necessariamente autorreplicável. Assim, perguntavam-se os cientistas, como é possível que uma proteína pura consiga se autorreplicar ?

A proteína cuja agregação afeta as células nervosas na Doença da Vaca Louca está permanentemente sendo produzida pelo próprio Organismo. Usualmente, no entanto, a sua formação é correta, permanece solúvel e é excretada sem maiores problemas. Mas, suponhamos que um pequeno grupo tenha incorreções de formação tendo-se formado de um modo específico que se tornou um prion scrapie. Se este prion scrapie entra em contato com um intermediário em processo de formação correta ele acaba alterando seu processo de formação na direção do prion e a proteína, apesar de possuir uma sequência correta de amino-ácidos, acaba se tornando em mais um prion scrapie. E o processo continua: Enquanto o organismo estiver produzindo a proteína normal basta uma pequena quantidade de prion scrapie para que mais proteínas deformadas continuem surgindo. Na realidade, o prion está se “replicando” sem a necessidade de possuir ácido nucleico próprio.

Fibrose cística, câncer e a má formação de Proteínas

Uma pesquisa recente mostrou claramente que muitas dos anteriores misteriosos sintomas da fibrose cística na realidade derivam todos da falta de uma proteína que regula o transporte do ion clorido pela membrana de uma célula. Mais recentemente cientistas mostraram que de longe a mutação mais comum existente na fibrose cística prejudica a dissociação da proteína reguladora de transporte de um de seus mestres. Assim, as etapas finais de uma formação não conseguem ocorrer, o que implica que as quantidades normais da proteína ativa não sejam produzidas.

Uma forma hereditária de enfisema mostra ainda uma maior analogia com os estudos de mutações na proteína tailspike P22. Os investigadores notaram que uma das mutações mais comuns que produzem esta desordem provoca uma diminuição na velocidade do processo de formação, do mesmo modo que acontece com as mutações P22 sensíveis a temperaturas. Do mesmo modo que as mutações tailspike o resultado afeta os processos de formação intermediários o que causa agregação que impede as pessoas de quantidades suficientes de a1-antitrypsina em circulação no organismo para proteção aos pulmões. O resultado é um enfisema.

Por mais intrigantes que estes exemplos possam ser existe uma consequência ainda mais comum da má formação que deixa poucas proteínas para efetuarem seus processos. O resultado é que o trabalho da proteína é o de impedir o desenvolvimento de câncer.

Nas últimas décadas os cientistas notaram que a maioria dos cânceres é o resultado de mutação nos genes que regulam o crescimento das células e sua divisão. O gene mais comum que participa em uns 40% de todos os canceres humanos é o p53. A única função da proteína p53 parece ser o de evitar que células com DNA imperfeito de se dividirem antes que o problema tenha sido corrigido (ou induzi-las a se autodestruírem se o problema não puder ser corrigido). Em outras palavras o p53 existe para prevenir que células se tornem cancerígenas.

As mutações de p53 associadas com câncer são de dois grupos. O primeiro impede a proteína de se associar com DNA; o outro grupo faz o formato concluído da proteína menos estável. No segundo grupo nunca existem suficientes proteínas formadas para bloquear a divisão de células com DNA imperfeito. Seria interessante saber quantos mutantes p53 fazem parte deste segundo grupo e se existe algum meio de as estabilizar.

Tratamento da má formação de Proteínas

O objetivo do estudo de qualquer doença do corpo humano é o de encontrar meios para a conseguir tratar. A história de formação de proteínas ainda não levou a tratamentos para as doenças que lhe estão relacionadas mas acreditamos que isto possa ocorrer ainda durante esta década.

O ponto chave é encontrar uma molécula pequena, uma droga que possa estabilizar a estrutura de formação usual ou interromper os caminhos que levam à má formação de proteínas. Naturalmente que antes de conseguirmos esses objetivos necessitamos ter uma compreensão clara de como ocorre a formação das proteínas. Através da computação distribuída com certeza teremos as respostas em um menor espaço de tempo.

Por: Renan Bardine

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