Direito

A Justiça, a Lei e a Atividade do Juiz

Neste trabalho estaremos traçando breves comentários à respeito da justiça, da lei e da própria atividade do juiz, enquanto homem e aplicador do direito.

O juiz é um intelectual que, por formação, conhece o Direito como ciência. Por função, analisa os casos que se apresentam, alguns ou muitos com feição de desequilíbrios sociais, morais e econômicos, passando a preencher as lacunas da lei e a contornar quanto possível suas imperfeições, e a orientar a tarefa subsequente do legislador.

Muitos têm no juiz a figura de um Deus, soberano, figura esta que pode ser explicada pela autoridade de que foi investido, causando certa impressão de homem superior, à que todos estão submetidos.

A verdade é que o juiz é um agente do Poder Público subordinado às restrições que lhe são impostas pela organização estatal que tomou para si a função se julgar os conflitos sociais e delegou ao juiz a obrigação de decidir tais conflitos dentro nas normas legais vigentes.

Assim, o magistrado tem poderes e deveres, pois os poderes que incubem ao juiz são intrinsecamente deveres, sem os quais não poderia exercer plenamente o comando jurisdicional, que o Estado lhe outorgou.

1. DO PROCESSO JUDICIÁRIO

Algumas pessoas dizem que o papel do juiz se resume em fazer a justiça, no que discordo. Em primeiro lugar, fazer essa tal de “justiça” não é obra fácil e, como disse Tomás de Aquino “por não conhecermos, cabe a Deus nos ensinar o que é a justiça”. Além disso, para aplicar a norma e chegar o próximo possível do conceito de justo é necessário todo um processo de conhecimento e pesquisa que não acontece de um dia para o outro.

Foi pequena a contribuição de Tomás de Aquino à teoria da justiça, pois acompanhou quase integralmente a doutrina aristotélica, não superada até hoje. A sua definição de justiça é um decalque à de Ulpiano, com breve correção: “hábito pelo qual, com perpétua e constante vontade, se dá a cada um o que é seu”.

No entanto, ele levantou uma importante questão para nós: “Será lícito àquele submetido à lei agir à margem das palavras da lei?” (Questão XCVI, artigo VI, da Summa Theologica).

1.1 O bem comum

Este mesmo filósofo esclarece que toda lei deve ser ordenada à salvaguarda comum dos homens. O fim da lei é o Bem Comum. Isidoro já dizia: “Não é em vista de um interesse privado, mas da comum utilidade dos cidadãos que uma lei deve ser escrita”.

Portanto, quando a lei for de encontro a sua própria essência, ou seja, quando a lei não for direcionada ao Bem Comum, perderá o seu sentido e deixará de obrigar. Mesmo em vigor, será uma norma injusta e questionável, só sendo exigida injustamente.

Entretanto, Aquino percebeu, com perspicácia, que aquilo que é útil ao Bem Comum, às vezes, é extremamente nocivo. “Isso porque o legislador não pode considerar todos os casos singulares e propõe a lei segundo o que acontece mais frequentemente, direcionando a sua atenção para a utilidade comum”. “Assim, se em uma cidade sitiada estabelecer a lei que as portas da cidade permaneçam fechadas, isto é as mais das vezes de utilidade comum. Todavia, se ocorrer que os inimigos persigam alguns cidadãos dos quais depende a defesa da cidade, seria o mais danoso a esta cidade que as portas não lhe fossem abertas. Assim, em tal caso, as portas deveriam ser abertas, contra as palavras da lei, para que se salvaguardasse a utilidade comum intencionada pelo legislador”.

Complementa Aquino dizendo que nenhum homem é sábio o suficiente para “conceber todos os casos singulares e, assim, não pode exprimir suficientemente por suas palavras o que é adequado ao fim intencionado.”.

Mesmo que fosse possível a algum homem conceber todos os casos singulares, não seria conveniente exprimi-los todos a fim de evitar confusão; devendo, portanto, direcionar a lei para o que acontece com mais frequência.

Do exemplo de Sto. Tomás de Aquino, é possível admitir-se que, na aplicação da lei ao caso concreto, pode-se gerar uma injustiça. Esta injustiça, contudo, pode ser evitada se analisarmos a finalidade da lei, isto é, o Bem Comum.

No exemplo, existia a norma de não abertura das portas para que a população fosse protegida contra invasões. O bem comum era a proteção de toda a população. Diante deste bem comum, as portas da cidade deveriam ser abertas para receber alguns cidadãos que eram indispensáveis à defesa da cidade. O conceito de Bem Comum pode, à primeira vista, estar vinculado à noção de quantidade – salvam-se alguns cidadãos (responsáveis pela defesa tática da cidade) para que muitos (a própria cidade) sejam preservados. Isidoro, ao dizer que a lei deve ser escrita para a comum utilidade dos cidadãos e, não para os interesses privados, também faz presumir a existência de um vínculo entre Bem Comum e quantidade.

E é neste ponto que voltamos àquela pergunta inicial sobre o poder que o juiz tem de ir além das palavras do legislador.

1.2  O poder de interpretação do juiz

Foi-se o tempo em que se esperava do juiz um distanciamento do conflito submetido à sua apreciação, como se o resultado final do processo pudesse prescindir da atuação mais efetiva e direta desse sujeito da relação jurídica processual.

Como poderia a lei de 1916 continuar a mesma nos tempos de hoje? O ordenamento jurídico deve mudar no mesmo compasso em que muda a concepção do ser humano de certo ou errado. Não quer dizer que cada um dos nossos códigos deveriam ser revisados semana ou diariamente. O papel de integração é do juiz.

Cabe ao magistrado aplicar a lei geral aos casos concretos, a norma antiga aos novos fatos e assim por diante. Ele DEVE interpretar a norma de modo a deixar sua decisão mais justa. Impossível é querer que o legislador imagine todas as possibilidades de acontecimentos e discipline cada um deles detalhadamente.

A decisão do juiz é quase como o dogma de Deus, sendo justo, é obrigatório. Deve ser respeitada por todas as partes, caso contrário sua função seria desnecessário. Cabe a ele agir de modo a restabelecer a harmonia quebrada, considerando todos iguais e ao mesmo tempo desigual, dando a eles “na exata media em que se desigualam”.

O julgador moderno deve dedicar permanente atenção aos rumos do processo, direcionando-o para um desfecho válido e seguro, para tanto exercitando em sua plenitude os poderes que lhe são conferidos por lei. Exige-se dele, no desempenho de seu elevado mister, não apenas a bagagem jurídica que o habilite a bem decidir, mas, principalmente, apego inquebrantável à sua própria imparcialidade, garantia sua e de seus jurisdicionados; repugna ao sistema jurídico apenas a figura do juiz parcial, não a do juiz partícipe.

2. DO LADO HUMANO DO JUIZ

Quando se considera o magistrado agente capaz de interpretar a intenção da lei e de quem a fez, toca-se em um dos maiores problemas do sistema judiciário de hoje: o lado humano do juiz. Embora seja comparado à Deus (já que só os dois podem julgar), ele sofre as mesmas pressões, paixões e dúvidas que nós. Como separar os interesses pessoais como os profissionais, já que às vezes eles se apresentam completamente ligados?

Parte da doutrina enquadra a imparcialidade do juiz na categoria dos pressupostos processuais de validade, inclusive negando valor aos atos praticados por autoridade judiciária reconhecidamente parcial, isto é, suspeita ou impedida. Mas esse entendimento não é imune a críticas, sendo fundamental uma tomada de posição a respeito do tema, pois são sérias as consequências que derivam da atuação parcial da autoridade judiciária.

2.1 Causas de impedimento

Em primeiro lugar, não poderá (claro) exercer suas funções no processo ou no procedimento, o juiz que se apresente como parte interessada. Como poderia ele julgar em favor daquele que age contra ele? “Ninguém pode ser juiz e parte, no mesmo processo”, assertiva esta que repousa no senso comum e é tão inquestionável que levou Pontes de Miranda a afirmar que ela prescinde de análise.

Também está impedido o juiz que já interveio anteriormente no processo ou no procedimento com outra função, podendo ser como parte, membro do Ministério Público, perito ou testemunha (já que nestes dois últimos casos ele iria decidir com base no seu conhecimento particular dos fatos).

Na minha opinião, uma das causas mais importantes é que impede o juiz com relação conjugal, de parentes ou de amizade com o advogado da parte ou a própria parte. Infelizmente, em muitos lugares esta causa é ignorada. Estamos cansados de ver indivíduos, os chamados “costa quentes”, que fazem o que bem entendem, totalmente baseados na certeza de impunidade por seu vínculo de amizade com os juiz da comarca.

Em outros casos temos advogado que fazem fama por serem bons; realmente muito bons em ligar pro juiz e chama-lo para ir tomar um chop no bar em um domingo á tarde, em presentear os filhos deles, e assim vai.

2.2 Da sentença injusta

Se o juiz desobedecer as causas de impedimento ou suspensão, ou se de qualquer outra forma ele agir injustamente, deve a parte desfavorecida recorrer à decisão. O trabalho do magistrado não é agradar a ambas as partes, mas fazer vencer a verdade, dar razão àquele que a tem.

Bom seria que tivéssemos um livro de resoluções perfeito; com todas as respostas para todas as perguntas. Bom seria que todos fossem capazes de fazer justiça, ou de ao menos entendê-la. Enquanto tudo isso permanece no mundo dos sonhos, cabe-nos fazer o máximo que pudermos para harmonizar o caos (que não é pouco) que temos no mundo real.

CONCLUSÃO

A lei pode não ser condizente com sua finalidade original por ter sido elaborada de forma a não garantir o Bem Comum ou, por sua desvirtuada aplicação e interpretação. Na medida em que a lei se afasta de sua finalidade original, que pode, muitas vezes, não ser a finalidade desejada pelo legislador, ela perde seu compromisso com o Bem Comum e, naturalmente, deixa de beneficiar a todos para beneficiar alguns. Tal lei, em perdendo sua identidade/sentido, não pode continuar a ser lei, devendo ser revogada.

Tanto a criação da lei como a sua aplicação devem visar ao Bem Comum. Se assim não for, a lei não estará cumprindo a sua finalidade. Elaborar a lei para benefício de minoria é uma aberração. Aplicar e interpretar a lei sem visar ao Bem Comum também o é.

É papel do juiz fazer com que isto não aconteça, assegurar a felicidade do povo, cuidar para que seja sempre (ou quando possível) o mais justo que puder. Não só fazer justiça, é representa-la, é mostrar às pessoas que ela existe e que ele (o magistrado) é o maior amante dela.

Enquanto a lei não puder fazer isto sozinha, esperamos que nossos juízes façam a parte deles.

Por: Luma Gomides de Souza

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