Artes

Renascimento

O Renascimento ou a Renascença foi o período mais relevante na conjunção de fatores que criou as bases da modernidade – não apenas sob o aspecto artístico, onde é mais conhecida, mas também em termos científicos e sociais.

Apesar da passagem da Idade Média para a Idade Moderna ser marcada pela Queda de Constantinopla, e consequente derrocada do Império Romano do Oriente, o Renascimento é, na prática, o movimento que conduziu um mundo fechado e obscuro a uma era de descobertas e avanços.

Também conhecido como Renascentismo, esse período abrange mais de um século e recebeu esse nome pela retomada de uma série de valores da Antiguidade Clássica, especialmente valores greco-romanos.

Origens do Renascimento

Embora o Renascimento tenha sido um fenômeno que percorreu e atingiu todo o continente europeu, estudiosos em sua maioria consideram a região da atual Itália como o berço do movimento. Para fins acadêmicos, considera-se que a Renascença teve início na região da Toscana, especialmente nas cidades de Florença e Siena.

A circulação das notícias por meio da recém-criada imprensa e a participação de figuras influentes da época no movimento, particularmente como “mecenas” e patrocinadores de artistas e grandes mentes da época, permitiu que o Renascentismo fosse difundido por toda a Europa.

De qualquer modo, o termo “Renascimento” em si foi primeiramente registrado pelo arquiteto Giorgio Vasari no século XVI. A Itália (na época um apanhado de reinos e cidades independentes) tornou-se o ícone do movimento na história, mas o Renascentismo teve importantes influências e ocorrências em diversos outros países – França, Inglaterra, Alemanha, Espanha, Países Baixos e outros reinos e regiões da época.

Entretanto, é fato que cidades como Veneza, Gênova, Florença, Pisa e Roma destacaram-se, pois, em razão da localização privilegiada da Península Itálica, banhada pelo Mar Mediterrâneo, enriqueceram-se com o desenvolvimento comercial advindo com a Quarta Cruzada ou Cruzada Veneziana, que passou a abastecer o mercado europeu com produtos orientais: especiarias, sedas, porcelanas, tecidos finos, entre outros.

Uma terra de comerciantes poderosos e coração do poder clerical, a Itália floresceu no Renascimento com o apoio de uma nova classe que surgia como suporte aos artistas que lideraram o movimento. Famílias burguesas, nobres, políticos influentes e membros do alto clero tomaram gosto pelas obras e projetos dos renascentistas, tornando-se mecenas, isto é, benfeitores das artes, patrocinando e financiando artistas e intelectuais.

Os ricos comerciantes italianos viram na arte, sob muitos aspectos, uma forma de ostentar o seu poder financeiro e garantir prestígio e acesso a uma elite até então dominada exclusivamente por nobres e clérigos.

O fim do Império Bizantino, em 1453, levou muitos bizantinos a migrar para a Itália e outras regiões da Europa. Os turcos otomanos cercaram e invadiram a cidade, talvez a mais poderosa e moderna da época, e com isso muitas das lideranças bizantinas bateram em fuga, levando consigo elementos artísticos e obras que remontavam ao período do Império Romano.

Não obstante, principalmente na Itália, mas também em outros pontos da Europa, a herança romana ainda se fazia presente. E, com a perda de poder da Igreja Católica e surgimento de uma classe mais poderosa de políticos e empresários, o luxo e o conhecimento voltaram a fazer parte da vida europeia.

Características do Renascimento

O Renascimento não foi um acontecimento isolado e está inserido em todo um contexto que transformou uma Europa imersa no feudalismo e um continente pautado pelo mercantilismo e, posteriormente, pelo capitalismo.

A transição do feudalismo para o capitalismo envolveu profundas mudanças religiosas, culturais, sociais, políticas e, principalmente, econômicas. Nesse sentido, o Renascimento pode ser entendido como um elemento de ruptura, no plano cultural, com a estrutura medieval e teocrática.

Mais chocante em termos históricos que as grandes obras de arte que tornaram o Renascimento uma marca, estão modificações nos papéis sociais, nas monarquias e repúblicas europeias e no pensamento das elites governantes europeias.

No sentido de que a Renascença representa um rompimento com o pensamento obscurantista medieval, uma de suas mais importantes características foi a laicização da cultura, ou seja, a Igreja, a grande detentora do poder durante a Idade Média, perdeu o monopólio sobre o conhecimento e a cultura.

O ser humano tornou-se, assim, o centro do Universo e das explicações, característica denominada como antropocentrismo. Essa característica permitiu que as ciências e as artes evoluíssem e fossem destacadas do que a Igreja antes considerava “único”, “válido” ou razoável. Mais filosoficamente, o Renascimento modificou o próprio conceito de verdade – após quase mil anos de verdades absolutas do catolicismo, agora o homem novamente nada sabia, e tudo tinha a descobrir.

O humanismo renascentista

Como manifestação de uma nova visão de mundo, o Renascimento afastou o plano religioso do centro do pensamento e da existência. Houve uma clara migração para o profano. A despeito do caráter negativo da palavra, renascentistas tão simplesmente voltaram suas atenções para a realidade humana, interpondo o sobrenatural e o divino e relegando esses fatores, antes os únicos, a um segundo plano.

O novo enfoque estava ligado ao humanismo, e tendo o homem como o centro das atenções, o realismo, a fisiologia, a anatomia e campos da ciência humana antes irrelevantes tornaram-se praticamente uma assinatura em qualquer obra renascentista. A glorificação do homem é o segredo para compreender como as artes, as ciências e as humanidades mudaram a partir desse ponto.

Com os valores humanistas, renascentistas passaram a adotar um olhar mais racional em relação ao mundo. Embora seja muitas vezes considerado um simples anticlericanismo, o humanismo dos renascentistas está além de um sentimento de revanche em relação aos anos de escuridão – é mais uma reafirmação e um reconhecimento do homem. E, muito embora conflitos e perseguições tenham sido registradas, muitos dos mecenas e apoiadores de grandes nomes do Renascimento compunham o alto clero da época. As grandes obras da Renascença, não por acaso, hoje podem ser encontradas ao redor da Europa, em templos, igrejas, museus sacros e até mesmo antigas residências de papas e cardeais.

Homem vitruviano, desenho que Leonardo da Vinci fez inspirado no arquiteto romano Marcos Vitrúvio Polião, que viveu ao longo do século I a.C.

Renascimento artístico

Os italianos ficaram famosos e representam até hoje a Renascença de modo mais marcante porque mesmo artistas europeus de outras regiões viam, nos italianos, o modelo a seguir. Sob a influência de novas vertentes estéticas, pintores, escultores, arquitetos e outros artistas de toda a Europa viajavam constantemente aos principais centros difusores de cultura italianos e ali permaneciam.

Pintura

No Renascimento italiano, distinguem-se dois períodos: o Quatrocento, ou período quatrocentista (século XV), tendo Florença como centro cultural, e o Cinquecento, ou período quinhentista (século XVI), com Roma e Veneza como focos artísticos.

No período quatrocentista, destacam-se os quadros naturalistas e equilibrados de Masaccio, Fra Angelico e o estilo elegante de Sandro Botticelli, que entre suas obras mais importantes, estão os quadros A primavera e O nascimento de Vênus. Botticelli é um dos pintores mais marcantes desse estágio e atuou principalmente em Florença, atendendo a encomendas da Família Médici, aristocratas italianos que foram talvez os mais influentes mecenas da época.

O período quinhentista trouxe pintores mais maduros, que já haviam absorvido completamente a retomada dos valores da Antiguidade Clássica e, a partir deles, desenvolvido estilos próprios e únicos. Leonardo da Vinci, Michelangelo, Rafael Sanzio e outros. Os mestres quinhentistas haviam desenvolvidos faculdades que iam muito além da pintura – eram habilidosos escultores, como no caso de Michelangelo, arquitetos respeitados, como Rafael e cientistas e inventores que mudariam o curso da humanidade, como Leonardo. Este último foi o autor de algumas das pinturas mais famosas da história, tais como La Gioconda (Mona Lisa), A Virgem das Rochas, e o mural Última Ceia (Santa Ceia).

BUONAROTTI, Michelangelo. Pietà. 1498-1499. Escultura em mármore. Basílica de São Pedro, Vaticano, Itália.

Rafael Sanzio (1483-1520), por sua vez, é considerado o pintor que melhor desenvolveu, na Renascença, os ideais de harmonia e regularidade de formas e de cores. A obra A Virgem de Alba é um exemplo. Rafael era visto como “o príncipe dos pintores” e sua forte relação com os Médici propiciou ao mestre renascentista espaço para espalhar sua obra por diversas cidades italianas – Florença, Siena, Roma. Aristocratas, famílias de prestígio, nobres, burgueses e alto clero – todos disputavam o “status” de desenvolver um projeto com Rafael.

Michelangelo se tornou famoso ao pintar os afrescos no teto da Capela Sistina, localizada no Vaticano, em Roma. O artista retratou cenas bíblicas, como Criação de Adão, Criação de Eva e Juízo Final. Os temas pintados por Michelangelo, bem-aventurado sob os olhos dos mecenas da Igreja Católica, eram temas bíblicos – porém o olhar, as formas, os gestos e a atuação das personagens, do modo que o mestre desenvolveu, reproduziam perfeitamente os ideais greco-romanos do belo e impingia um ar pagão e livre a temáticas que antes seriam sisudas e dogmáticas.

Ao redor da Europa, monarcas e nobres viam com olhos lânguidos a fervorosa revolução que acontecia na Itália. Na França, por exemplo, o rei Carlos VII tornou-se um colecionador de arte renascentista e financiador de alguns pintores locais. Na Holanda, ou Países Baixos, o Renascimento apenas atingiu algum furor a partir de 1550, revelando pintores como Hieronymus Bosch e Pieter Bruegel.

Escultura

A escultura renascentista nasceu em Florença, inspirada nas obras clássicas. No período quatrocentista, os escultores buscavam um alinhamento com o realismo e a individualização das figuras. O grande mestre nesse período foi o florentino Donatello. Andrea del Verrocchio, um de seus discípulos, deu seguimento à tradição naturalista do tutor.

No período quinhentista, a escultura tende a copiar as obras clássicas. Elementos antes impensáveis sob o olhar da Igreja voltaram à tona, tais como a nudez em exaltação às formas do corpo humano. O mestre Michelangelo foi o indiscutível ícone desse período, com esculturas famosas como as de Davi e a Pietá.

BUONAROTTI, Michelangelo. Pietà. 1498-1499. Escultura em mármore. Basílica de São Pedro, Vaticano, Itália.

Renascimento científico

A nova ciência baseava-se na razão e na experimentação – valores de exaltação do conhecimento presentes na cultura helênica voltariam à cena, porém sob um contexto mais empírico. Era o renascimento da curiosidade humana. Sim, a filosofia grega e os escritos tinham o seu valor, mas nada se comparava à ciência advinda da observação.

Em anatomia, por exemplo, o costume cristão vigente até a época proibia a dissecação do corpo humano. Entretanto, André Vesálio passou a fazer dissecações de cadáveres, acompanhando seus trabalhos com gráficos e desenhos mostrando as veias, as artérias e o sistema nervoso. O grande mestre Leonardo da Vinci e outros pintores e escultores, a despeito do objetivo artístico, também praticaram a dissecação com o objetivo de conhecer melhor a musculatura e a anatomia humana – o que lhes permitia criar obras de impressionante realismo.

Miguel Servet, um conhecido médico da época, deu grande impulso ao descobrimento da circulação do sangue. Entretanto, sua crítica à interpretação bíblica da divindade de Cristo fez com que fosse acusado de heresia. O próprio Calvino o denunciou e, em 1553, Servet foi queimado na fogueira. Infelizmente, ele não seria o único estudioso a perecer nas mãos da Inquisição.

Os trabalhos inaugurados por Nicolau Copérnico, demonstrariam, mais tarde, que o era o Sol e não a Terra o ponto central do sistema solar. Sua descoberta, embora não vivesse o suficiente para testemunhar, mudariam completamente a forma com que o homem interpretava não apenas os astros, mas levariam a conclusões a respeito do formato esférico do planeta, dos movimentos de rotação e translação e da relação da Terra com a Lua.

A teoria de Copérnico foi depois confirmada pelos trabalhos de Kepler e as observações de Galileu. Iniciou-se, assim, uma batalha entre a ciência e a religião que durou mais de um século, até que o heliocentrismo se firmasse, graças não apenas aos avanços científicos, mas à importância da astronomia no curso das Grandes Navegações.

Renascimento literário e filosófico

As ideias humanistas e toda a cultura do Renascimento não tiveram sua enorme propagação por acaso. A invenção da imprensa foi um fator essencial na disseminação da nova ordem cultura. Livros, durante o período medieval, eram copiados à mão e dificilmente deixavam o círculo dos eruditos. Com a invenção da imprensa, livros podiam ser reproduzidos às dezenas ou mesmo centenas e, de repente, as obras de um autor podiam chegar às mãos de milhares de outros. O Renascimento em geral não é tão relacionado à literatura, porém os escritos e os textos, não apenas científicos, tiveram um papel fundamental na mudança de mentalidade ao redor da Europa.

Mesmo mestres das artes e pintura, como Leonardo da Vinci, produziram contos, fábulas e livros que seriam lidos, ao longo dos séculos, por milhões.

Erasmo de Roterdã

Foi o mais destacado humanista do Norte europeu. Ironizou, em sua obra, tanto o dogma católico como o protestante (criticou publicamente Lutero). Entre suas obras, escritas em latim, destaca-se o livro Elogio da loucura (1509), que defendia a tolerância e a liberdade de pensamento, e também denunciava ações reprováveis da Igreja e imorais dos membros do clero. Elaborou ainda uma edição do Novo Testamento baseada nas versões grega e latina.

Thomas Morus

A obra que imortalizou Morus na história foi Utopia, na qual ele descreve uma sociedade ideal em que todos trabalham e vivem felizes, sem miséria e exploração, condenando o desejo por poder e ganância. Sua obra serviria de inspiração para diversos outros autores, alguns deles no século XX, como Aldous Huxley e George Orwell.

Maquiavel

Nicolau Maquiavel nasceu em Florença, em 1469. Foi um dos mais destacados teóricos do Absolutismo, afirmando que o governante deveria sempre agir à margem da moral. Escreveu a obra O Príncipe, um clássico da política que sobrevive até os dias atuais e que foi uma das bases da doutrina absolutista em toda a Europa.

Miguel de Cervantes

Autor de D. Quixote, obra em que a sátira e o grotesco se concentram na luta contra a sobrevivência dos ideais medievais, perseguidos pelo protagonista. O livro de Cervantes é uma obra inovadora, crítica e completamente destoante em relação aos tradicionais romances e contos épicos e heróicos, criando um claro divisor de águas em relação ao que a literatura poderia representar em termos de crítica social e discussão de papéis na sociedade.

Luís de Camões

Autor de vastíssimo trabalho escrito em forma de sonetos, odes, elegias, sátiras e comédias. Sua obra máxima foi o poema épico Os Lusíadas, um relato poético da viagem de Vasco da Gama às Índias e símbolo das Grandes Navegações portuguesas.

William Shakespeare

Autor de comédias e sonetos, destacou-se, entretanto, nas tragédias, que constituem a parte mais importante da sua vastíssima obra. As peças de Shakespeare são até hoje inspiração de romances, filmes e outras obras.

A complexidade da análise da psiquê humana em sua obra, em peças como Hamlet ou Rei Lear, levaram ao surgimento de uma literatura e um teatro diferente nos séculos seguintes. Seus personagens imortais se tornaram arquétipos e referências usadas não apenas nas artes, mas também em campos como a psicologia até os dias atuais.

Por: Carlos Artur Matos

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