História

Czarismo

 A Rússia ainda permanecia medieval até meados do século XIX, seu governo autocrata, era controlado por imperadores (czares) que concentravam toda a autoridade. Governando com bases no Absolutismo, o Czarismo impunha ao país um regime de opressão e domínio.

O Czarismo russo entrou no século XX trazendo uma herança antiga que, no plano político, mostrava a existência de um governo autocrata, o qual, ao lado de algumas atitudes paternalistas, excluía o povo de forma total da direção do país. A máquina estatal era desorganizada, com seus cargos preenchidos de acordo com a posição social dos indivíduos, e não segundo sua capacidade. Imperavam a corrupção e os desmandos, havendo, enfim, uma anarquia administrativa. Mais grave do que tudo isso era incapacidade da dinastia Romanoff, há três séculos no poder, de ver tal situação e mostrar disposição de melhorá-la.

Dos 150 milhões de russos existentes em 1914, cerca de 127 milhões eram camponeses. No entanto, apesar de ser a grande maioria da população, o campesinato não tinha direitos, nem terras. Servilizado até 1861, o camponês russo recebeu então menos terra do que utilizava antes da emancipação e pagava por ela mais do que a renda obtida.

Além do problema da posse de terra, havia a inquietante pobreza dos camponeses: em 1880, cerca de um quarto deles não possuía sequer um cavalo. O czar forçava-os a exportar grande parte da produção, a fim de garantir divisas, o que acontecia à custa do consumo interno, o que resultou em subalimentação e elevado índice de mortalidade (em 1880, esse índice era 35 por mil).

A partir de 1890, o Czarismo conheceu uma rápida industrialização, graças principalmente a capitais estrangeiros, que vinham em especial da França, interessada na aliança russa contra a Alemanha. Por esta razão, por volta de 1914 ocorreu um empréstimo francês à Rússia da ordem de 400 milhões de libras. O desenvolvimento econômico, portanto, se deu sobre bases inconsistentes, já que a burguesia russa era fraca e não tinha condições de dirigir o processo de industrialização, nem mesmo havendo um mercado consumidor de vulto, devido ao baixo nível de poder aquisitivo do povo. No entanto, essa industrialização teve um resultado importante, criando um proletariado que, em inícios do século XX, estava na casa dos dois milhões.

Enquanto nessa época os operários da Europa Ocidental tinham vários direitos, seus colegas russos não podiam fazer greves nem se organizar em sindicatos. Na falta de uma pequena e média burguesia, existiam apenas grandes fábricas, do governo ou de nobres ricos, onde trabalhavam muitos operários. Esta concentração, sob condições difíceis — em 1899 os tecelões de São Petersburgo trabalhavam 14 horas por dia — criou um espírito de união e um campo fértil para ideias revolucionárias. Daí se formarem, quando da Revolução de 1905, os sovietes, associações espontâneas de trabalhadores, mais tarde compostas de operários, camponeses e soldados.

A crise do Regime Czarista

Desde 1869, com a tradução russa de O Capital, de Marx, as ideias revolucionárias ganhavam cada vez mais terreno. Assim, em 1898 foi fundado, por Plekhanov, o Partido Social Democrata, de linha marxista, e em 1900 apareceu o Partido Social Revolucionário, que, ao contrário do anterior, acreditava ser possível a instalação do socialismo sem passar pelo capitalismo.

Enquanto se mantinha a política repressiva, a oposição se reforçava: a oposição liberal e constitucional, liderada por Miloukov, representava a ideologia burguesa; a oposição re­volucionária dividia-se entre socialistas revolucionários e socialis­tas democratas (marxistas) — com Lênin e os bolcheviques desejosos de acelerar o processo revolucionário através da pro­paganda e da agitação, impondo-se sobre os mencheviques.

Com a intenção de bloquear a maré revolucionária e apa­ziguar a opinião pública, assegurando o czarismo, o ministro Plehve levou a Rússia à expansão territorial para o Pacífico, com a conquista do porto Arthur (Coreia).

Como essa região também se constituía numa meta para o imperialismo japonês, uma guerra tornou-se inevitável — sobretudo porque uma pequena vitória talvez pudesse conter o descrédito ao regime.

A Revolução de 1904-1905

“Se o czar vencer o Japão, o povo russo será vencido” — as palavras de Plekhanov, líder menchevique, denotam a impo­pularidade da guerra, que foi denunciada como uma aventura. Além de agravarem os encargos e as dificuldades materiais, as derrotas abalaram o exército e denunciaram a incapacidade governamental, suscitando inúmeras manifestações.

Pintura retratando o czar Nicolau II
Czar Nicolau II

Em julho de 1904, Plehve foi assassinado; em novembro do mesmo ano, os poloneses manifestaram-se, e os liberais re­clamaram reformas. O czar improvisou algumas mudanças, mas nada de substancial foi feito, acirrando as oposições. Em consequência, os reservistas se amotinaram e eclodiram revol­tas camponesas, além de inúmeras greves em Petrogrado. O Domingo Vermelho (22 de janeiro de 1905), nascido de uma manifestação popular organizada pelo sacerdote da Igreja Ortodoxa Russa Pope Gapone, teve um saldo de mais de nove­centos mortos.

A amplitude do movimento fez que o czar aceitasse um acordo, que seria uma Constituição. A marinha-de-guerra no mar Negro, a única que ainda não se manifestara, foi abalada pelo motim do encouraçado Potenkin. Em outubro, os men­cheviques e bolcheviques se aproximaram, formando os sovietes, e tentaram realizar uma greve geral, em Petrogrado. Nicolau II, aconselhado por ministros, publicou o Manifesto de Outubro, prometendo uma assembleia eleita e liberdades públicas; ainda propunha a autonomia e o sufrágio universal para a Finlândia.

Assim mesmo houve poucas mudanças, e os socialistas exploraram a situação: em dezembro tentaram uma nova greve geral em Moscou. Mas o Manifesto de Outubro dividira os oponente e as tropas retornadas da Manchúria reforça­ram a repressão com a ajuda de grupos conservadores, cha­mados “bandas negras”. A calma retornou pouco a pouco, depois de uma verdadeira ação revolucionária.

As Transformações do Regime

O Manifesto de Outubro e as Leis Fundamentais de 1906 orientaram as transformações do czarismo. Criou-se uma Duma (assembleia legislativa), eleita por várias categorias soci­ais, que votaria as leis e o orçamento, mas não poderia mudar os ministros; ao czar caberiam os direitos de veto e de dis­solução. Em 1906, Nicolau II passou a ser assessorado pelo Conselheiro Stolypin, possuidor de forte personalidade e adep­to do autocratismo.

Nas primeiras eleições, os constitucional-democratas (ou K-D), liberais partidários do parlamentarismo e do sufrágio universal, venceram os outubristas (satisfeitos com o mani­festo) e os conservadores. Stolypin então dissolveu as Dumas de 1906 e 1907, e os K-D tentaram provocar uma sublevação. Em resposta, o governo modificou o sistema eleitoral, com o objetivo de enfraquecer a representação da burguesia: os conservadores e os outubristas dominaram a terceira Du­ma, “Duma dos senhores”, colaborando com o governo.

A partir de 1907, a retomada das exportações de ce­reais e os investimentos estrangeiros permitiram que se transpusessem os ônus da desorganização financeira, estabili­zando os propósitos da terceira Duma e do ministro Stolypin. Os liberais passaram a contar apenas com as simpatias es­trangeiras, consideradas como meios para se efetuar uma transformação no país.

Os mencheviques e os bolcheviques se separaram. Os pri­meiros acreditavam na durabilidade do regime e em sua evolu­ção para uma democracia política que resultaria numa revolu­ção social; por isso deveriam participar das eleições e aliar-se aos K-D. Para Lênin, líder dos bolcheviques, 1905 mostrara a possibilidade de se explorar a insatisfação dos camponeses em proveito do partido, para que esse tomasse o poder antes que a burguesia liberal se recuperasse ou antes que grandes trans­formações alterassem o quadro social do campo.

Apesar da repressão, pequenos grupos ainda se agitavam, e Stolypin foi assassinado em 1911. 0 governo então cercou-se de conselheiros medíocres ou mesmo incapazes, como Rasputin.

Em 1914, a Rússia reativou sua expansão na Ásia — opondo-se claramente ao Japão e à Inglaterra — e também nos Bálcãs. Contudo as condições do exército e da economia não eram suficientes para sustentar uma guerra que, segun­do Lênin, criaria uma situação revolucionária capaz de se transformar em guerra civil. Stolypin teria dito que “só a guerra pode assegurar o triunfo da revolução; sem guerra, ela é impossível”.

O fim do czarismo e o nascimento da URSS

A guerra agravou todas as dificuldades. As ofensivas das tropas da Tríplice Aliança sobre o exército russo, mal armado e mal dirigido, resultavam em verdadeiros desastres.

Os efeitos dessas derrotas faziam que o povo sonhasse com a assinatura de uma paz separada — mas o governo czarista, inacessível a críticas, progressivamente afastou-se da opinião pública, e a inflação, entre 1914 e 1917, arrasou o país.

Esse estado de coisas provocou manifestações e greves, que só em janeiro e fevereiro de 1917 abrangeram mais de 676 000 trabalhadores. As tropas enviadas para dispersar os manifestantes uniam-se a eles; a autoridade do governo acabara-se. A Revolução Russa de 1917 marcou o fim do Czarismo e o início da União Soviética.

Por: Renan Bardine

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